Mostrando postagens com marcador Eleição. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Eleição. Mostrar todas as postagens

A Cadeia Inquebrável da Salvação

Salvação e cinco pontos remetem ao acróstico TULIP, conhecidos como os cinco pontos do calvinismo: total depravação, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Mas neste artigo gostaria de enfatizar outros cinco pontos, relacionados com a ordem de salvação, os quais são geralmente referidos como elos da cadeia inquebrável da salvação divina, que começando na eternidade passada, mergulha na história e continua na eternidade futura.

O texto que nos guiará é Romanos 8:29-30, citado na epígrafe. É importante, desde já, chamar atenção para alguns detalhes importantes sobre esse texto. O primeiro deles, é que os objetos das ações divinas nele mencionados são pessoas e não algo nelas ou delas. As reiteradas referências “aos que” prova tratar-se de pessoas e não de coisas, caso em que o apóstolo usaria “os que” para referir-se aos objetos. O segundo é que se trata de um grupo definido e fixo de pessoas. Novamente, a referência “aos que... também os” implica isso. Os mesmos “aos que” referidos na eternidade passada são os mesmos “aos que” referidos na história e são os mesmos “aos que” que entram na glória. Ninguém é excluído, nenhum é adicionado. Estes dois fatos devem ser levados em conta ao considerarmos os que se segue.

A expressão “de antemão conheceu” é tradução de uma única palavra: proegno. O prefixo pro- indica um conhecimento prévio e eterno e é traduzido por “de antemão” na expressão. Ele denota algo ocorrido na eternidade passada e não na história corrente. Por sua vez, egno é o modo indicativo ativo do verbo ginosko, em seu aspecto aoristo, que significa “conheceu”. Aplicado ao conhecimento divino, não é mera presciência ou previsão. Deus é onisciente, conhecendo num ato simples tudo o que há para ser conhecido, real ou possível. E sendo presciente, conhece todos os fatos desde sempre. Mas proginosko tem um significado mais profundo que o conhecimento exaustivo e infalível de todas as pessoas, coisas e eventos.

De fato, ginosko traz em si a ideia de conhecimento relacional ao invés de mera constatação antecipada de fatos. Quando Deus diz “povo que não conheci me serviu” (2Sm 22.44; Sl 18:43) e Cristo sentencia aos ímpios “nunca vos conheci” (Mt 7.23) não estão falando que não sabiam que eles existiam, mas declarando que não havia um conhecimento relacional. De igual modo, quando o Senhor declara “Eu te conheci no deserto” (Os 13.5), Jesus informa “conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim” (Jo 10.14) e Paulo assegura “o Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2.19) a ideia envolvida não é de mero conhecimento, mas de relacionamento íntimo. Aliás, os judeus usavam a palavra conhecer para se referir à relação sexual entre um homem e uma mulher: “contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt 1.25).

Assim sendo, ser conhecido de antemão significa ser escolhido como objeto do amor redentivo de Deus desde a eternidade. O verbo conhecer tem o sentido bíblico de conhecer intimamente com amor (Jr 1:5; Os 13:5; Am 3:2; 1Co 8:3; Gl 4:9) e expressa a peculiar complacência de Deus para com os Seus. É importante salientar que o texto não informa nada como condição para esse pré-conhecimento eletivo, sejam fé, amor, obras ou obediência. É uma decisão livre e soberana, como indica seu uso em 1Pe 1:20, com referência a Jesus.

Muitos negam que esse pré-conhecimento tenha caráter eletivo, pois ele seria determinativo e eles insistem que a presciência é meramente constatativa. Entendem que “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai” (1Pe 1.2) significa tão somente que Deus previu a fé deles e os elegeu por constatar que eles creriam Nele. Mas tanto aqui como em Paulo, não vemos a fé mencionada como objeto da presciência divina. Aliás, em lugar algum nas Escrituras fé, amor ou outra coisa qualquer é indicada como condição para a eleição. Os eleitos são conhecidos por Deus desde antes da fundação do mundo, para serem objetos do Seu amor e depositários da Sua graça salvadora, sem consideração de algo neles previsto que os diferenciasse dos demais.

Ao conhecimento eletivo de Deus segue-se logicamente a predestinação. Muitas vezes essa ordem é invertida e a predestinação é vista como tratando-se de eleição e reprovação, daí a expressão dupla predestinação, bastante comum. Porém, a ordem bíblica é eleição, seguida da predestinação dos eleitos. Biblicamente falando, a predestinação diz respeito unicamente aos eleitos, não havendo sentido bíblico falar em predestinação para a perdição. “Aos que de antemão conheceu, também os predestinou”.

O termo bíblico predestinou é tradução do verbo proorize, indicativo ativo de proorizo. O prefixo pro- tem o mesmo sentido apontado no seu uso em proegno, ou seja, indica uma ação realizada na eternidade. Portanto, não se pode distinguir uma ordem cronológica entre o conhecimento divino de Seus eleitos e a predestinação deles, embora uma ordem lógica tenha que ser admitida, com a eleição precedendo a predestinação, como mencionado. O verbo horizo carrega o sentido de destinar, determinar, ordenar, designar, estabelecer limites. Portanto, proorize significa predeterminar, decidir de antemão, destinar desde a eternidade.

A questão de quem são os predestinados é bastante clara e não admite controvérsia: são os que foram conhecidos de antemão. O ponto é a que eles foram predestinados, e o complemento esclarece que é “para serem conformes à imagem de seu Filho”. Em outro texto, o destino decidido por Deus para seus eleitos é “a adoção de filhos” (Ef 1:5). Isto de forma alguma nega que a predestinação tenha em vista a salvação, pois esta engloba tudo o que é dito nesta passagem, do conhecimento prévio à glorificação final. Podemos dizer, então, que a predestinação é a preordenação divina de todas as coisas visando conduzir seus eleitos à fé, à adoção de filhos e à progressiva conformação à imagem de Seu filho, a ser completada na glorificação final.

Se mais precisa ser dito sobre a predestinação, é destacar sua força, que vem do fato de que quem predestina é Deus, o Todo-Poderoso! Somos “predestinados segundo o propósito Daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1:11). Sugerir que um predestinado pode vir a apostatar e finalmente se perder é insultar o conhecimento, a sabedoria e o poder do Senhor. É quebrar a cadeia inquebrável. Deus decidiu o destino glorioso dos crentes, nada, nem mesmo os próprios crentes podem alterar esse decreto divino.

Conforme vimos até aqui, os termos pré-conhecidos e predestinados indicam atos realizados na eternidade passada. Mas agora a cadeia de ouro desce para o tempo para indicar a realização do propósito divino, ou seja, a etapa em que os eleitos “são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Assim, “aos que predestinou, a esses também chamou”. E como foi com os termos anteriormente tratados, aqui também requer-se uma compreensão do que seja essa chamada.

Chamar é utilizado tanto para se referir a um convite geral, externo e não eficaz, como a uma chamada pessoal, interna e eficaz. O desconhecimento desses dois aspectos do chamado leva muitos a confundirem-se quanto à sua eficácia. Quando Jesus disse que “muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mt 22.14) estabeleceu uma diferença no número dos que são chamados e dos que são eleitos, sendo aqueles em maior quantidade que estes. Claramente Ele não estava se referindo ao chamado interior, feito pelo Espírito Santo. Porém no texto que estamos considerando, todos os que foram predestinados na eternidade são eficazmente chamados no devido tempo. Aqui, o número de chamados coincide exatamente com o número dos eleitos. Isso porque, em Paulo, ekalese, forma verbal derivada de kaleo, chamar, é sempre eficaz quando feita por Deus (Rm 4:17; 9:7,11,24; 1Co 1:9; 7:17-24; Gl 1:6,15; 5:8,13; Ef 4:1,4; Cl 3:15; 1Ts 2:12; 4:7; 5:24; 2Ts 2:14; 1Tm 6:12; 2Tm 1:9).

Da confusão entre o chamamento exterior pelo evangelho e a chamada interior pelo Espírito Santo resulta a má compreensão e a consequente oposição à doutrina da graça irresistível. Sim, os homens sempre podem resistir, e de fato resistem, ao convite geral do evangelho, o qual é acompanhado de promessa, “muitos são chamados”. Mas nos eleitos desde a eternidade, a graça vence essa resistência, pela operação milagrosa do Espírito no coração deles, “mas poucos, escolhidos”. Se alguém crê, é porque foi predestinado a isso, “creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48).

Dada a natureza caída do homem, em que todas as suas faculdades estão afetadas pelo pecado e o leva a se opor a Deus e a tudo o que Ele oferece, o crente deve ser imensamente grato a Deus por agir nele, tirando seu coração de pedra e dando-lhe um coração de carne, capaz de amá-lo e desejá-lo. E a certeza de que todos os que foram de antemão conhecidos e predestinados na eternidade serão irresistivelmente chamados em tempo oportuno, é um estímulo à evangelização, pois Deus chama seus eleitos à fé mediante a pregação do evangelho.

É maravilhoso considerar o que Deus fez até aqui. Elegeu, predestinou e atraiu para Si pecadores perdidos. Mas como pecadores, transgressores da santa Lei podem se aproximar dAquele que é Fogo Consumidor, sem serem fulminados? E olhando por outro ponto de vista, como pode um Deus três vezes santo e perfeitamente justo receber aqueles que até então viveram em completa rebelião contra Ele? Neste ponto temos que considerar a justificação, ou seja, “a manifestação da sua justiça no tempo presente, para Ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26).

Todos os homens são concebidos em pecado e tão logo nascem, começam a cometer seus próprios pecados, transgredindo a Lei. Isto os torna culpados diante de Deus, e dignos de morte, morte eterna. A justiça de Deus precisa ser satisfeita, um preço precisa ser pago. Por isso Jesus morreu na cruz, para pagar o preço, no lugar e em favor daqueles que foram de antemão conhecidos e predestinados e agora chamados. Os pecados do Seu povo foram colocados sobre Ele e o preço pago satisfez a justiça de Deus, possibilitando que Deus se tornasse justificador de pecadores sem deixar de ser justo. Ao aceitar como satisfatório o sacrifício de Seu Filho, Deus assegurou a justificação de todos aqueles por quem Jesus morreu, os quais em tempo oportuno se apropriarão dessa justiça mediante a fé, pela operação milagrosa do Espírito Santo.

Tão certo que alguém foi amorosamente conhecido por Deus na eternidade e então predestinado a ser chamado em tempo e de modo oportuno, assim é certo que será justificado. O termo edikaiose é um termo forense e significa o pronunciamento de um veredito sobre uma pessoa, de que ela atende plenamente os requerimentos da Lei de Deus. E o modo indicativo do verbo mostra que isso é realizado de uma vez por todas. Dessa forma, todos os que são chamados e creem em Cristo, são desde agora declarados inocentes no tribunal de Deus.

Paulo começa o parágrafo em análise com uma declaração de certeza. “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Nos dois versos seguintes ele dá as razões para essa confiança. “Porquanto” no original é uma partícula lógica que significa porque, justificando a certeza expressa no verso anterior. E a expressão “a esses também glorificou” é o arremate dessa certeza, evidenciado pela forma como o apóstolo utiliza o verbo doxazo.

A glorificação dos justificados é ainda futura, pois se dará na volta do Senhor, porém Paulo a expressa como já realizada, tal a sua certeza na glorificação dos que são chamados segundo o Seu propósito. Mais adiante ele dirá que Deus dá “a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios” (Rm 9.23–24). Tudo o que acontece na vida do crente foi preordenado por Deus, visando o bem último daquele que foi chamado, quer dizer, a sua glorificação ou perfeita conformação à imagem do Filho!

Quando diz que os que amam a Deus foram predestinados “para serem conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8:29) e para “a adoção de filhos” (Ef 1:5), o apóstolo tem em mente uma operação que é iniciada na conversão e que será completada na manifestação em glória do Senhor. “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque haveremos de vê-lo como Ele é” (1Jo 3.2). Os que creem em Cristo podem, e devem, ter certeza de sua eleição na eternidade, de que agora são filhos de Deus, o que o Espírito lhes testemunha no coração e que finalmente serão feitos iguais a Jesus. “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). Aleluia!

Com Rm 8:29-30 o apóstolo pretende eliminar qualquer dúvida dos que amam a Deus de que eles são objetos dos cuidados do Senhor, pois foram “predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). Esse propósito divino não começa com a conversão deles, nem mesmo no nascimento ou concepção. Na eternidade passada eles já eram conhecidos por Deus e objetos de Seu amor. Eles podem crer que Deus “em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1.4–5), muito antes do mundo existir.

O tempo não suspende este cuidado meticuloso de Deus para com seus eleitos. Eles são chamados e justificados e enquanto peregrinam neste mundo “todas as coisas cooperam para o bem” (Rm 8:28) deles, portanto o apóstolo podia dizer “estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8.38–39). Todos os aspectos de sua vida estão sob a amorosa providência de Deus, e mesmo os males redunda no bem deles.

Assim, não deve causar surpresa a certeza inexorável com que Paulo afirma que eles entrarão indubitavelmente na glória do Senhor. Esta certeza todos os que foram justificados ao crerem em Jesus devem ter. “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus.” (Rm 5.1–2). Os sofrimentos dessa vida, que afinal são para o bem deles, não tiram essa certeza. “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18).

Diante disso tudo, o que nos resta? Nada, além de irrompermos em louvor a Ele: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo” (Ef 1.3)!

Soli Deo Gloria

A eleição incondicional torna Deus mentiroso?

Nas disputas teológicas, muitas vezes a vítima é o texto bíblico, que é espremido e usado para dizer o que não diz e oferecer pretextos a conclusões que lhe são totalmente alheias. É o caso do artigo intitulado "Na Doutrina da eleição Incondicional Seria Deus Verdadeiro?", em que João 3.31-33 é usado na tentativa de provar que se a eleição incondicional é verdadeira, Deus não é.

O artigo em si poderia ser melhor escrito, menos confuso e com uma correção dos erros de português (gramática e concordância), embora se proponha a uma análise do grego da passagem. E como não poderia faltar em artigos desse nível, os espantalhos do calvinismo estão presentes. Por exemplo, no calvinismo "a oferta do evangelho não é universal, Deus não deseja que os ouvintes (todos) sejam salvos, a pregação do evangelho não é para todos os perdidos e não existe boa vontade em Deus". Dessa forma, seria esperar demais que a doutrina da eleição incondicional fosse corretamente explicada, antes de ser combatida.

O texto bíblico em questão diz o seguinte:

“Quem vem das alturas certamente está acima de todos; quem vem da terra é terreno e fala da terra; quem veio do céu está acima de todos e testifica o que tem visto e ouvido; contudo, ninguém aceita o seu testemunho. Quem, todavia, lhe aceita o testemunho, por sua vez, certifica que Deus é verdadeiro.” (João 3.31–33)

As citações no artigo são das NVI, Jerusalém, NTLH, além do Textus Receptus, o que não vem ao caso, pois a tradução correta do texto não está em dúvida e a variante textual no versículo 32 é irrelevante para a discussão. O versículo que o autor analisa para levar à sua conclusão é o 33: "Quem, todavia, lhe aceita o testemunho, por sua vez, certifica que Deus é verdadeiro".

É de se perguntar, de imediato, o que essa passagem ou esse texto tem a ver com a condicionalidade da eleição. Aparentemente, o autor já esperava por esse estranhamento, uma vez que reconhece que trata-se de uma luz "muito pouca percebível (sic) tanto por calvinistas, como por Arminianos". Talvez não se tenha percebido porque, nesse sentido, nada havia ali para perceber.

Depois de citar várias passagens que declaram que Deus é verdadeiro (Dt 32.4; Sl 31.5; 146.6; Is 65.16; Jr 10.10; Jo 7.28; Jo 8.26; Jo 17.3; Rm 3.4), o autor declara "o que me chamou a atenção é que se Deus é verdadeiro e creio que Ele o é, e o texto diz que Aquele que o aceita confirma que Deus é verdadeiro, comparando essa verdade com a doutrina da eleição incondicional, percebemos. (sic) Que essa doutrina com a afirmativa desse texto, é incompatível, e os motivos apresentaremos na sequência". A esperança aqui é que a falta de clareza na formulação da tese fosse compensada com uma apresentação clara dos motivos que levaram o autor à associação da eleição incondicional com a veracidade de Deus.

Mas a continuação da leitura frustra o leitor. Os motivos que ele então apresenta é que aquele que crê em Cristo e em seu testemunho confirma que Deus é verdadeiro e aquele que não crê, infama Deus como mentiroso. Não deve haver discordância quanto a isso. Mas dessa conclusão ele extrai outra: "portanto, diante dessa verdade, a mensagem Calvinista de uma dupla predestinação não pode ser verdadeira, uma vez que Deus já fez a sua escolha tanto para a salvação como para a perdição, e esse texto não trata com a possibilidade restritiva, o texto é aplicável a todas as pessoas e cada um dos indivíduos e não classes de pessoas". Ora, um eleito que aceita o testemunho de Cristo declara que Deus é verdadeiro, não importa se foi eleito incondicionalmente ou pela fé prevista. Não temos, até aqui, nenhum dos motivos prometidos.

Prosseguindo, e após fazer um intercurso por Jo 3:16, ele acrescenta que "a eleição incondicional a luz de João 3.31-33, se torna fraca e perde forças (sic) a medida que logicamente entendemos que uma vez que Deus já fez a sua escolha incondicionalmente, seria inútil o texto dizer que Aquele que o aceita confirma que Deus é verdadeiro". O lógica do autor parece que é que se Deus escolheu uma pessoa na eternidade, sem considerar nada antevisto nela, tal pessoa não poderá dar testemunho de que Deus é verdadeiro. Mas, por que não? Não há impossibilidade lógica, na verdade há uma certeza de fato, que aquele que foi eleito na eternidade (e de novo, não importa se condicional ou incondicionalmente) irá aceitar o testemunho de Cristo.

Ele termina dizendo que "a conclusão que chegamos é que na doutrina da eleição incondicional, Deus não seria verdadeiro; pelas seguintes razões", que seriam "Jesus quando foi levantado na cruz, o fez para atrair a todos, ou seja, morreu para obter a salvação para todos e cada um dos homens, e aplicar os benefícios da sua morte somente aos que creem", que "Deus de fato amou a humanidade inteira enviando seu filho para morrer por eles" e finalmente "como pode Deus ser bom, amável e justo na perspectiva calvinista?". Nenhuma dessas razões, e algumas nem razões são, implica que a eleição incondicional torna Deus mentiroso. Há um imenso salto lógico entre "Deus escolhe incondicionalmente" e "Deus é mentiroso", que não é preenchido com "quem aceita o testemunho, certifica que Deus é verdadeiro".

Lamentavelmente, motivado pela sua antipatia ao calvinismo, o que é compreensível, o autor maltratou o texto e escreveu um artigo ruim, o que não é desculpável. E o fato do mesmo ter sido publicado sob auspícios da Editora Reflexão não contribui em nada para ela se firmar como uma editora que se propõe a promover a teologia arminiana.

Soli Deo Glória

Um diálogo sobre eleição

- Você dá a entender que a eleição é irrevogável. Mas, como explicar o caso de Israel? Foram escolhidos por Deus, no entanto não creram no Messias, vindo a se perder. Para mim, se a eleição é como você diz, então Deus não cumpriu com a palavra dada.

- Você precisa entender uma coisa. A eleição não é corporativa, ou seja, nem todos os da nação de Israel são de fato israelita. Considere Abraão. Ele teve dois filhos, Ismael e Isaque, mas nem toda a sua descedência é considerada seus filhos, somente a linhagem que parte de Isaque...

- Calma aí, você não está levando em conta duas coisas que, ao meu ver, fazem toda diferença. A primeira é que os dois filhos dele eram de mães diferentes. Ismael era filho de uma comcubina, a escrava Agar, enquanto que Ismael era filho de sua esposa legítima, Sara. Logo, é natural que só os filhos de Isaque sejam considerados descendentes legítimos de Abraão. Além disso, os garotos já eram nascidos quando Deus prometeu que a descendência seria na linhagem de Isaque. E o comportamento de Ismael era reprovável. De qualquer modo, todo Israel é descendente de Isaque, então ainda acho que Deus não cumpriu sua promessa feita a Abraão, mesmo que se refira a uma descendência espiritual.

- Você interrompeu meu raciocínio, mas em continuação a ele verá que ter os mesmos pais e um bom comportamento não é determinante para ser escolhido por Deus. Considere os dois filhos de Isaque, Jacó e Esaú. Ambos são concebidos do mesmo pai, no mesmo ato sexual e são gerados no útero da mesma mãe. No entanto, um foi amado e escolhido por Deus, enquanto o outro foi odiado e rejeitado. E tem mais, essa escolha foi feita antes deles terem nascido, ou seja, antes que fossem capazes de fazer alguma coisa boa ou má. Veja que os critérios que você propôs para a escolha, descendência natural e boas ações, são irrelevantes. De fato, com esse registro histórico Deus quer deixar claro que no tocante à eleição não importa a nação, linhagem ou família, nem atitudes ou atos, mas somente a vontade divina. A eleição é eterna e incondicional, posto que prerrogativa da soberania divina.

- E você considera isso justo? Deus escolher uma pessoa e rejeitar outra, sem nenhuma consideração pelo que elas fizeram ou viriam a fazer? Eu não consigo ver justiça nisso!

- Em que pese seu veemente protesto, Deus não é nem um pouco injusto ao escolher um indivíduo e não outro, ou mesmo escolher alguns e não a nação inteira. Pois não se trata de justiça, e sim de misericórdia. A justiça é devida, a misericórdia, não. Ninguém pode ir ao tribunal reclamar que alguém não foi misericordioso para com ele. Assim é com a eleição. Deus disse a Moisés que teria misericórdia de quem Ele quisesse ter misericórdia e se compadeceria de quem quisesse ter compaixão. Por isso a eleição não é injusta, pois não depende da pessoa querer ou se esforçar, mas de Deus decidir ser misericordioso com ele. E não é só isso. Ele também endurece aqueles que ele não escolhe, para que sirvam aos seus santos propósitos. É o caso de Faraó, a quem Ele disse que o havia colocado em sua situação histórica para fazer notório o Seu poder e glória em toda a terra, endurecendo o coração dele com esse propósito.

- Espere aí, quer dizer que Deus não apenas elege e chama quem Ele quer, mas também age naqueles que ele rejeita, para que Seu poder seja manifesto? Com que direito então Ele reclama se alguém não lhe obedece, se no fim a pessoa faz exatamente o que Ele determinou que seria feito?

- Agora você está passando dos limites! Afinal, quem você pensa que é para questionar as decisões Deus? Coloque-se no seu lugar. A obra de um artesão pode questionar o modo como foi feita? Ou não tem o artista pleno direito sobre a sua obra, para fazê-la do modo como bem entender? Da mesma maneira Deus, como um oleiro, tem direito de pegar uma quantidade de massa e dela fazer alguns vasos para uma finalidade honrosa e outros para um uso humilhante. Que direito temos de questionar se ele, da mesma massa de pecadores, prontos para a perdição, faz de uns vasos de misericórdia e de outros vasos de ira, manifestando através destes sua ira e poder ao condená-los justamente, enquanto naqueles revela a grandeza de sua glória ao ser misericordioso para com eles?

Preste atenção, o que estou lhe dizendo é que a promessa de Deus não falhou para com a grande parte de Israel. Pois Isaías já havia dito que mesmo que o número de judeus fosse como grãos de areia na praia, apenas uma pequena parte, chamada de remanescente, é que seria salva. E que esse remanescente não seria formado com base em ascendência étnica ou algo que indivíduos tenham feito ou venham a fazer, mas pelo cumprimento da promessa divina, pois o mesmo Isaías atribui a formação dessa descendência espiritual ao Senhor dos Exércitos e que se dependesse do homem, essa descendência seria mais desolada que Sodoma e Gomorra.

Soli Deo Gloria

A eleição é uma fonte de piedade

É uma caricatura concluir  que a eleição leva a uma falta de preocupação com a busca da santidade. Ao contrário, é um impulso importante para tal. Muitas das passagens onde a eleição é mais claramente explicada leva o escritor bíblico a adorar, como um andarilho ao chegar ao cume do qual a vista torna-se irresistível em beleza.Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! (...) Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!(Romanos 11.33,36).
Paulo trata da eleição em Efésios 1 após louvar a Deus, como uma forma de especificar as bênçãos as quais Ele nos tem concedido nos lugares celestiais. Jesus ensina como uma forma de transferir os seus discípulos a partir de uma orientação centrada no ser humano para uma centrada em Cristo (Jo 15:16). A eleição ajuda a elevar os nossos olhos de nós mesmos para Deus. Como não há uma dádiva que podemos oferecer a Deus pelo Seu favor, tudo o que nos resta é admirar , o louvor e a vontade de compartilhar com outras pessoas os dons que Ele nos deu.

A certeza de que nossa salvação repousa inteiramente na misericórdia de Deus nos faz cheios de ação de graças. John Wesley disse que ele não podia aceitar essa doutrina porque prejudicaria a principal motivação para a santidade, que ele entendia ser o medo de punição e a esperança de recompensa (Works, 7:736-84). "Qual é o antídoto apropriado ao metodismo, a doutrina do coração santificado?", ele pergunta. "O calvinismo: todos os dispositivos de Satanás, para estes 50 anos, ter feito muito menos para parar esta obra de Deus, do que essa única doutrina. Ela ataca a raiz da salvação do pecado, para a glória anterior, colocando o assunto em questão diferente. [...] Seja diligente para evita-los, e para guardar essas mentes cheias de ternura contra o veneno da predestinação" (Works, 8:336). É difícil reconciliar a caricatura de Wesley com a preocupação óbvia de piedade entre os Puritanos, ou seus herdeiros entre os contemporâneos de Wesley, tais como Augustus Toplady, John Newton, a condessa de Huntington e muitos outros.

Mais importante que as avaliações históricas é o fato de que a eleição é tratada como um apoio vital para a santidade nas Escrituras. Paulo nos lembra: Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai. (Romanos 8.15). Como poderia o conhecimento de que Deus "nos predestinou para a adoção", como filhos (Efésios 1:5) levar a outra coisa senão a um desejo de abraçar todos os tesouros da casa de Deus? Quando nos damos conta de que somos parte da raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1Pedro 2.9), isso muda a nossa forma de pensar, sentir e agir no mundo.

Por que devemos andar em obras de amor para com o nosso próximo? Porque Deus de antemão preparou para que andássemos nelas (Efésios 2.10). Nós não fomos escolhidos por boas obras, mas para as boas obras. Somos quem predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho (Romanos 8.29). Deus nos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade (2Tessalonicenses 2.13). Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade (Colossenses 3.12).

Não há, portanto, nada na doutrina em si que iria levar à complacência, orgulho ou indolência na vida cristã.

Michael Horton
In: A favor do calvinismo

Igreja visível e invisível ou quem será salvo?

61. Serão salvos todos os que ouvem o Evangelho e pertencem à Igreja? 

Nem todos os que ouvem o Evangelho e pertencem à Igreja visível serão salvos, mas unicamente aqueles que são membros verdadeiros da Igreja invisível. 

Rm 9:6; Mt 7:21. 

62. Que é a Igreja visível? 

A Igreja visível é uma sociedade composta de todos quantos, em todos os tempos e lugares do mundo, professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos. 

1Co 1:2; Gn 17:7; At 2:39; 1Co 7:14. 

63. Quais são os privilégios da Igreja visível? 

A Igreja visível tem o privilégio de estar sob o cuidado e governo especial de Deus; de ser protegida e preservada em todos os tempos, não obstante a oposição de todos os inimigos; e de gozar da comunhão dos santos, dos meios ordinários de salvação e das ofertas da graça por Cristo a todos os membros dela, no ministério do Evangelho, testificando que todo o que crer nEle será salvo, não excluindo a ninguém que queira vir a Ele. 

Is 4:5-6; Mt 16:18; At 2:42; Sl 147:19-20; Ef 4:11-12; Rm 8:9; Jo 6:37. 

64. Que é a Igreja invisível? 

A Igreja invisível é o número completo dos eleitos, que têm sido e que hão de ser reunidos em um corpo sob Cristo, a cabeça. 

Ef 1:10; 22-23; Jo 11:52; 10:16. 

65. Quais são os benefícios especiais de que gozam por Cristo os membros da Igreja invisível? 

Os membros da igreja invisível gozam por Cristo da união e comunhão com Ele em graça e gloria. 

Jo 17:21,24; 1Jo 1:3.

Catecismo Maior de Westminster
Semana 18

O Pacto da Graça

30. Deixa Deus todo o gênero humano perecer no estado de pecado e miséria?

Deus não deixa todos os homens perecer no estado de pecado e miséria, em que caíram pela violação do primeiro pacto comumente chamado o pacto das obras; mas, por puro amor e misericórdia livra os escolhidos desse estado e os introduz num estado de salvação pelo segundo pacto comumente chamado o pacto da graça.

1Ts 5:9; Gl 3:10; Tt 3:4-7; 1:2.

31. Com quem foi feito o pacto da graça?

O pacto da graça foi feito com Cristo, como o segundo Adão, e nEle, com todos os eleitos, como sua semente.

Gl 3:16; Is 53:10-11; 59:21. 

32. Como é manifestada a graça de Deus no segundo pacto?

A graça de Deus é manifestada no segundo pacto em Ele livremente prover e oferecer aos pecadores um Mediador e a vida e a salvação por Ele; exigindo a fé como condição de interessá-los nEle, promete e dá o Espírito Santo a todos os seus eleitos, para neles operar essa fé, com todas as mais graças salvadoras, e para os habilitar a praticar toda a santa obediência, como evidência da sinceridade da sua fé e gratidão para com Deus e como o caminho que Deus lhes designou para a salvação.

Gn 3:15; Is 4:3-6; Jo 3:26; 6:27; Tt 2:5; 1Jo 5:11-12; Jo 3:36; 1:2; Pv 1:23; Lc 11:13; 1Co 12:3,9; Gl 5:22-23; Ez 34:27; Tg 2:18,12; 2Co 5:14-15; Ef. 2:10.

Catecismo Maior de Westminster
Semana 10

O propósito de Deus fica firme mediante a eleição

Permitam-me então fazer um sumário do que o apóstolo diz nestes importantes versículos.

Primeiro, a promessa e o propósito de Deus só dizem respeito a algumas pessoas. Essa afirmação é tão verdadeira quanto à nação de Israel quanto todas as demais pessoas. Esse é tão somente outro modo de dizer:"nem todos os de Israel são Israel" - contrariamente fatal e errônea presunção dos judeus. Em última instância, foi essa a razão pela qual eles crucificaram o próprio Filho de Deus. Não se deram conta disso. A promessa de Deus não é universal, nem mesmo com relação à Israel, aos judeus. É só para certas pessoas.

Segundo, estas pessoas, às quais o propósito e a promessa de Deus se aplicam, são, e vieram a ser o que são, não por causa de alguma coisas delas ou nelas. Elas são o povo de Deus, são esta "semente" da qual Paulo fala, não por causa do nascimento deles, não por causa da sua nacionaliade, não por causa de algumas coisas que elas tenham feito ou façam, nem mesmo por crerem no evangelho. São o que são porque Deus as chama a ser, as chama à existência, por causa do elemento sobrenatural presente em seu nascimento, como já vimos no caso de Isaque, que, como Paulo nos diz em Gálatas 4:28-30, nasceu "segundo o Espírito".

Terceiro, noutras palavras, o propósito de Deus está sendo levado a efeito, sempre foi e sempre será, por meio desse processo de seleção e eleição, e vemos como Paulo demonstra esta verdade mediante os casos de Ismael e Isaque como de Esaú e Jacó.

Quarto, Deus põe em andamento e efetua o Seu propósito por intermédio deste processo de seleção e eleição unicamente por uma razão - porque é o único método que garante que Seu propósito e o Seu plano serão certa, segura e infalivelmente efetuados e levados a uma fruição final: "para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme". Não depende de nós de forma alguma, e sim do próprio Deus, do Seu caráter e de Sua ação.

Martin Lloyd-Jones
In: Romanos: exposição sobre o capítulo 9 - o soberano propósito de Deus

A eleição de Isaque

A eleição de Isaque ilustra bem a soberania de Deus em escolher alguém de forma absolutamente graciosa. E antes que se proteste que esta escolha não é para a salvação, adianto que não é o que afirmo aqui. Porém, não nego que a mesma tem a ver com a salvação, pois Paulo vem tratando disso uma vez que fala dos judeus, por quem desejaria estar separado de Cristo se isto resultasse na salvação deles.

O fato é que Paulo está afirmando que “nem todos os que são de Israel são israelitas” (Rm 9.6) assim como “não são os filhos da carne que são filhos de Deus, mas os filhos da promessa” (Rm 9.8), o que confere à passagem um conteúdo soteriológico. Independente desta conotação, vejamos como Deus escolhe Isaque para através dele cumprir o Seu propósito salvífico.

Conhecemos a história. Deus havia prometido um filho a Abraão, mas antes que a promessa se cumprisse, obteve um filho com sua serva Hagar. No que lhe tocava, ele estava satisfeito com o resultado. Vemos isso quando Deus lhe disse a respeito de Sara “abençoá-la-ei e dela te darei um filho” (Gn 17.16) ele respondeu “tomara que viva Ismael diante de ti” (Gn 17.18). Dependesse da vontade de Abraão, Isaque não seria escolhido.

Que vantagem tinha Isaque sobre Ismael? Nenhuma. Ambos eram filhos de Abraão. O termo descendência ou semente é utilizado tanto para um como para outro. E se havia alguma vantagem para um dos filhos, era em favor de Ismael, que sendo o primogênito tinha a primazia. Sob o ponto de vista da filiação, havia igualdade, quanto ao costume da época, havia clara vantagem para o filho de Hagar.

Isto fica ainda mais evidente quando consideremos o interessante fato de que Isaque sequer havia nascido foi escolhido por Deus. Aliás, sequer havia sido concebido, pois o Senhor diz “por este tempo virei, e Sara terá um filho” (Rm 9.9). O que distinguia Ismael e Isaque? Sob o ponto de vista da filiação, nada, ambos descendem de Abraão. Pelo nascimento, Ismael era o primogênito, sem contar que seu "concorrente" sequer existia e tinha preferência de seu pai (como alguém poderia preferir um filho que não existia a um que estava em seus braços?). Porém, uma distinção essencial havia: a promessa de Deus.

Agora, se alguém disser que Deus anteviu um futuro em que Isaque produzia uma descendência que levava ao Messias e que por isso o escolheu, sem que tenha decretado ou realizado Ele mesmo tudo isso, então precisarei acrescentar um parágrafo a este breve texto, para dizer que era impossível que isto acontecesse sem que o Senhor mesmo o fizesse, pois o próprio Isaque era uma impossibilidade.

O patriarca sabia disso, por isso “se prostrou Abraão, rosto em terra, e se riu, e disse consigo: a um homem de cem anos há de nascer um filho? Dará à luz Sara com seus noventa anos?” (Gn 17.17). Porque havia prometido, Deus tornou possível o impossível, ou seja, “visitou o SENHOR a Sara, como lhe dissera, e o SENHOR cumpriu o que lhe havia prometido” (Gn 21.1). A história ilustra o que o Senhor declara, nas palavras “Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também o executarei” (Is 46.11).

Soli Deo Gloria

A eleição eterna por Deus

Cremos que Deus, quando o pecado do primeiro homem lançou Adão e toda a sua descendência na perdição [l] mostrou-se como Ele é, a saber: misericordioso e justo. Misericordioso, porque Ele livra e salva da perdição aqueles que Ele em seu eterno e imutável conselho [2], somente pela bondade, elegeu [3] em Jesus Cristo nosso Senhor [4], sem levar em consideração obra alguma deles [5]. Justo, porque Ele deixa os demais na queda e perdição, em que eles mesmos se lançaram [6].

1 Rm 3:12. 2 Jo 6:37,44; Jo 10:29: Jo 17: 2,9,12; Jo 18:9. 3 1Sm 12:22; Sl 65:4; At 13: 48; Rm 9:16; Rm 11:5; Tt 1:1. 4 Jo 15:16,19; Rm 8:29; Ef 1:4,5. 5 Ml 1:2,3; Rm 9:11-13; 2Tm 1:9; Tt 3:4,5. 6 Rm 9:19-22; 1Pe 2:8.

Confissão de Fé Belga
Artigo 16

Carta a um irmão inquieto - 4

Querido Rick,

Espero que continue firme em sua fé em Cristo e que sua preocupação com minha saúde espiritual tenha diminuído, depois das explicações que lhe dei sobre o que eu creio a respeito da predestinação. Na minha primeira carta, disse que o calvinismo não era uma seita, mas uma posição amplamente assumida na história da igreja. De fato, penso ter demonstrado que a Bíblia ensina uma doutrina da predestinação e que rejeitar a predestinação implica rejeitar o ensino bíblico. Na segunda carta, expliquei que predestinação não pode significar algo posterior ao ato de crer, baseando-me no significado bíblico do termo e nas construções frasais em que o mesmo ocorre. E na minha última carta, respondi às suas objeções de que a doutrina da predestinação torna Deus injusto por fazer acepção de pessoas e que tornaria vãs a morte de Jesus e a pregação do evangelho. Você não disse o que achou das minhas respostas, mas penso que as considerou, pois em sua última e breve resposta disse que o homem tem livre-arbítrio, que não é um robô e que tem direito de escolha.

Pelo que entendi de seu raciocínio, se Deus predestinou pessoas para a salvação, então o homem não teria livre-arbítrio e não tendo livre-arbítrio não seria mais que um robô, que age mecanicamente sem fazer escolhas pessoais. Gostaria de repensar com você essas afirmações. Porém, não estou bem certo do que você entende por livre-arbítrio, parece-me que é algo como “direito de escolher por si mesmo”, levando em conta a analogia do robô que não faz escolhas pessoais. Minha resposta é para essa ideia de livre-arbítrio.

Em primeiro lugar, peço que note que estamos mudando o foco da nossa conversa, saindo do tema “o que Deus faz” para “o que o homem tem”, embora continuemos falando da salvação. É a ordem certa das coisas, porém a sua mudança de foco não é do tipo “tendo considerado como Deus é e age, vejamos suas implicações no que o homem é e faz”, mas “se o homem é assim, então Deus não pode ser e agir dessa forma”. Você ainda está resistindo à ideia de um Deus que predestina e O está medindo com régua humana e, acredite-me, isso é não só impossível como tentar é perigoso e pecaminoso. Devemos, antes de tudo, entender e aceitar o que a Bíblia diz sobre a pessoa e a obra de Deus e só então voltar o nossos olhos para o homem, estudando-o sob a luz que temos do Senhor.

Segundo, a simples predestinação de pessoas para a salvação não exige necessariamente a inexistância de livre-arbítrio. Bastaria, por exemplo, que Deus predestinasse para a salvação aquelas pessoas que Ele, olhando da eternidade, viu que fariam bom uso de seu livre-arbítrio. De fato, há pessoas que creem na predestinação dessa forma. Eu pessoalmente rejeito essa saída, mas ela serve para mostrar que crer na predestinação para a salvação não contradiz o livre-arbítrio, desde que aquela seja modificada de soberana e graciosa para condicional e dependente de uma ação prevista do homem.

Por outro lado, e em terceiro lugar, ser o livre-arbítrio possível não implica que o homem o tenha. Ao contrário da predestinação, que você reluta em admitir, o livre-arbítrio não é declarado na Escritura. Isto não basta para negar sua existência, mas deveria esfriar o fervor com que muitos o defendem. E admitindo-se que Deus tenha criado o homem com livre-arbítrio, ele passou incólume pela Queda? Dizer que o homem natural, caído, tem livre-arbítrio, tal como tinha no Éden é diminuir, senão negar completamente, o efeito devastador do pecado na natureza humana. É aceitável dizer que o homem tem arbítrio, mas devemos aceitar que tal arbítrio não é livre, mas cativo, pois aquele que é vencido torna-se escravo do vencedor. A Bíblia descreve o homem como escravo, escravidão que inclui a sua vontade.

Em quarto lugar, não ter um arbítrio livre não faz do homem um robô de carne. Um cão não tem livre-arbítrio, age por instinto. Mesmo assim, a diferença entre um cão e uma máquina é, em todos os aspectos, assombrosa. Não ter livre-arbítrio não transforma um cão numa máquina. E há outro abismo igualmente enorme entre um cão e um homem. Por que então o fato de ter um arbítrio escravizado tornaria o homem menos que um cão? A afirmação de que sem livre-arbítrio o homem um robô é infantilmente tola. O que distingue e coloca o homem acima de todos os seres e coisas criadas na terra não é o livre-arbítrio, mas a imagem de Deus que ele carrega.

Em quinto e último lugar, quando digo que o homem não tem um arbítrio livre, não quero dizer que ele não faz escolhas. Faz, e o faz de forma livre, no sentido de que escolhe sem coerção externa. Porém, considerada a sua natureza caída e sua inclinação para o pecado, não tem tem capacidade, por si só, de realizar boas escolhas espirituais, como a de crer e ir a Cristo. Em suma, não nego que o homem natural realize escolhas, mas afirmo que entregue a si mesmo ele sempre escolhe o pecado e nunca o que é aceitável a Deus.

Concluindo, o livre-arbítrio não é uma prova de que a predestinação bíblica não existe, pelo contrário, a existência do livre-arbítrio é que carece de prova escriturística. Além disso, não ter um arbítrio livre não transforma o homem em robô, pois o que o distingue como homem é a imagem de Deus e ele de fato continua fazendo escolhas, mas no que se refere ao bem espiritual é incapaz de boas escolhas.

Soli Deo Gloria

A fé é efeito e não causa da eleição

Quando se expõe o solene e bendito tema da pré-ordenação divina, e o da eterna escolha feita por Deus de algumas pessoas para serem amoldadas à imagem do Seu  Filho,  o diabo envia alguém para argumentar que a eleição se baseia na presciência de Deus, e esta "presciência" é interpretada no sentido de que Deus previu que alguns seriam mais dóceis que outros, que responderiam mais prontamente aos esforços do Espírito e que, visto que Deus sabia que eles creriam, por conseguinte, predestinou-os para a salvação. Mas tal declaração é radicalmente errônea. Repudia a verdade da depravação total, pois defende que há algo bom em alguns homens. Tira a independência de Deus, pois faz com que seus decretos se apoiem naquilo que Ele descobre na criatura. Vira completamente ao avesso as coisas, porquanto ao dizer que Deus previu que certos pecadores creriam em Cristo e, por isso, predestinou-os para a salvação, é o inverso da verdade. As Escrituras afirmam que Deus, em Sua soberania, escolheu alguns para serem recipientes de Seus distinguidos favores (Atos 13:48) e portanto, determinou conferir-lhes o dom da fé. A falsa teologia faz do conhecimento prévio que Deus tem da nossa fé a causa da eleição para a salvação, ao passo que a eleição de Deus é a causa, e a nossa fé em Cristo, o efeito

PINK, A. W.
In: Os Atributos de Deus, Editora Fiel.

A graça é de acordo com a eleição

Clique na capa para ver o livro
E, agora, S. Paulo leva-nos à origem e à fonte, ou melhor, ao principal motivo que levou Deus a nos conceder seu favor. Não era suficiente que Deus revelasse os tesouros de sua bondade e misericórdia para nos atrair à esperança da vida celeste por meio do evangelho — ainda que isto signifique muito. Se S. Paulo tivesse omitido o que vemos aqui agora, as pessoas poderiam supor que a graça de Deus é comum a todos os homens e que Ele a oferece a todos sem exceção, e, conseqüentemente, que cada homem tem o poder de recebê-la de acordo com seu livre-arbítrio, o que significa que poderia haver algum mérito em nós... Entretanto, a fim de eliminar todo mérito da parte do homem, e para mostrar que tudo vem da pura bondade e graça de Deus, S. Paulo diz que Deus nos abençoou de acordo com sua prévia eleição.


João Calvino
In: Lawson L. Steven. A arte expositiva de João Calvino. São José dos Campos, SP: Editora Fierl, 2008.

Cristo é o espelho da nossa predestinação

As admoestações não são inúteis pelo fato de a salvação vir da eleição. Santo Agostinho também mostra que devem ser pregadas tanto a graça da livre eleição e predestinação como também as admoestações e doutrinas da salvação (De Bono Perseverantiae, cap. 14 ss),

Se somos eleitos. Condenamos, portanto, aqueles que, fora de Cristo, perguntam se são eleitos, e o que sobre eles decretou Deus antes de toda a eternidade, pois deve ser ouvida a pregação do Evangelho e deve-se crer nele, e deve-se ter como fora de dúvida que, se alguém crê e está em Cristo, é eleito. Com efeito, o Pai nos revelou em Cristo o eterno propósito da sua predestinação, como ainda há pouco expus, pelo que diz o apóstolo, em II Tim 1.9-10. Deve-se, pois, ensinar e antes de tudo considerar quão grande amor do Pai para conosco nos foi revelado em Cristo. Devemos ouvir o que o próprio Senhor diariamente nos prega no Evangelho, como ele nos chama e diz: “Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mat 11.28); “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16). E ainda: “Não é a vontade de vosso Pai celeste que pereça um só destes pequeninos” (Mat 18.14).

Seja, pois, Cristo o espelho, no qual contemplemos a nossa predestinação. Teremos um testemunho bastante claro e seguro de que estamos inscritos no Livro da Vida, se tivermos comunhão com Cristo, e se ele for nosso e nós dele em verdadeira fé.


Tentação sobre a predestinação. Na tentação sobre a predestinação, que é, talvez, mais perigosa do que qualquer outra, console-nos o fato de que as promessas de Deus são universais para os fiéis, pois ele diz: “Pedi, e dar-se-vos-á... Pois todo o que pede recebe” (Luc 11.9-10). É, finalmente, o que pedimos com toda a Igreja de Deus: “Pai nosso que nos céus” (Mat 6.9). Fomos enxertados no corpo de Cristo, pelo batismo, e da sua carne e do seu sangue nos alimentamos freqüentemente em sua Igreja, para a vida eterna. Fortalecidos por essas bênçãos, segundo o preceito de São Paulo recebemos ordem de operar a nossa salvação com temor e tremor.

A eleição presumida e objetada

Devemos bem esperar acerca de todos. E, embora Deus conheça os que são seus, e nalgum lugar se faça menção do reduzido número dos eleitos, devemos, contudo, bem esperar acerca de todos, e não julgar apressadamente nenhum homem como rejeitado. São Paulo diz aos filipenses: “Dou graças ao meu Deus por tudo que recordo de vós” (ora, ele fala de toda a Igreja dos filipenses), “pela vossa cooperação no Evangelho... Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até o dia de Cristo Jesus” (Fil 1.3-7).

Sobre se são poucos os eleitos. E, quando perguntaram ao Senhor se eram poucos os que seriam salvos, ele não respondeu que poucos ou muitos seriam salvos ou condenados, mas antes exortou todo homem a “esforçar-se por entrar pela porta estreita” (Luc 13.24). É como se dissesse: “Não vos compete inquirir com muita curiosidade acerca dessas questões, mas antes esforçar-vos por entrar no céu pelo caminho estreito”.

O que deve ser condenado nesse caso. Por isso, não aprovamos as afirmações ímpias de alguns que dizem: “Poucos são os eleitos, e, como eu não sei se estou no número desses poucos, não me privarei dos prazeres”. Outros dizem: “Se sou predestinado ou eleito por Deus, nada me impedirá da salvação, já certamente determinada, seja o que for que eu fizer. Mas, se estou no número dos rejeitados, nenhuma fé ou arrependimento poderá valer-me, visto que a determinação de Deus não pode ser mudada. Portanto, todas as doutrinas e advertências são inúteis”. Mas o ensino do apóstolo contradiz estes homens: “O servo do Senhor deve ser apto para instruir... disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento ... livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele, para cumprirem a sua vontade” (II Tm 2.24-26).

A predestinação dos santos

Deus nos elegeu pela graça. Deus, desde a eternidade, livremente e movido apenas pela sua graça, sem qualquer respeito humano, predestinou ou elegeu os santos que ele quer salvar em Cristo, segundo a palavra do apóstolo: “Ele nos escolheu nele antes da fundação do mundo” (Ef 1.4); e de novo: “... que nos salvou, e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos, e manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus” (II Tim 1.9-10).

Somos eleitos ou predestinados em Cristo. Portanto, não foi sem medo, embora não por qualquer mérito nosso, mas em Cristo e por causa de Cristo que Deus nos elegeu, para que aqueles que agora se encontram enxertados em Cristo pela fé também sejam eleitos, mas sejam rejeitados aqueles que estão fora de Cristo, segundo a palavra do apóstolo: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados” (II Co 13.5).

Somos eleitos para um fim determinado. Finalmente, os santos são eleitos em Cristo por Deus para um fim determinado, que o apóstolo esclarece, quando diz: “Ele nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo... para o louvor da glória de sua graça” (Ef 1.4-6).

Carta de John Newton sobre a eleição

Você tem objeções à doutrina da eleição. Você deve, porém, concordar comigo que a Escritura fala dela, e em termos muito fortes e expressivos, especialmente o Paulo. Eu tenho encontrado pessoas sinceras que me disseram que não suportam ler o capítulo 9 de Romanos, mas sempre passam por cima, de modo que seus preconceitos contra eleição os prejudica no tocante uma parte da Escritura. Mas por que fazer isso, a menos que essa doutrina tão temida seja mantida tão claramente que se deva fugir? 

Mas você vai dizer que alguns escritores e pregadores tentam pôr um sentido mais fácil nas palavras do apóstolo. Vamos julgar então, como eu recentemente propus, a partir da experiência. Admitindo, o que eu tenho certeza que você vai admitir, a depravação total da natureza humana, como podemos explicar a conversão de uma alma para Deus, a não ser que se admita uma eleição da graça? A obra deve começar em algum lugar. Ou o pecador procura o Senhor primeiro, ou o Senhor em primeiro lugar busca o pecador. O primeiro caso é impossível, se por natureza estamos mortos em nossos delitos e pecados, se o deus deste século cegou os olhos e mantém a posse de nossos corações, e se nossas mentes carnais, tão longe de estar dispostas a buscar a Deus, são inimigas dele. 

Deixe-me apelar para você mesmo. Eu acho que você se conhece muito bem e pode dizer que você não procurava nem amava o Senhor em primeiro lugar: talvez você seja consciente que por um tempo, no que dependia de você, resistiu à sua chamada e teria perecido, se ele não tivesse te tornado disposto no dia do seu poder e o salvado a despeito de si mesmo. No seu caso, você reconhece que foi ele que começou com você, e este deve ser o caso com todos os que são chamados, uma vez que a totalidade da raça humana é por natureza inimiga de Deus. 

Logo, deve haver uma eleição, a não ser que TODOS sejam chamados. Mas nos é assegurado que o caminho largo, repleto de grandes multidões, leva à destruição. Por que eu e você não estamos nessa estrada? Éramos melhores do que aqueles que ainda continuam nela? O que nos fez diferentes do que éramos? Graça. O que nos fez diferentes daqueles que são agora como nós éramos anteriormente? Graça. Então esta graça, nos seus próprios termos, deve ser diferenciadora, ou graça distintiva, em outras palavras, graça que elege. 

E supor que Deus faz esta eleição ou escolha apenas no momento de nossa chamada, não é apenas antibíblico, mas contrário aos ditames da razão e às idéias que temos das perfeições divinas, especialmente a onisciência e imutabilidade. Os que acreditam que existe, por natureza, algum poder no homem, em que ele pode se voltar para Deus, podem defender uma eleição condicionada à previsão de fé e obediência. Mas ao defenderem isso, deixam eu e você admirados, pois sabemos que o Senhor nos anteviu (como nós somos) em um estado absolutamente incapaz de crer ou obedecer, a menos que ele se agradasse de operar em nós tanto o querer como o fazer, de acordo com seu bom prazer.

John Newton
In: The works of the John Newton.
Tradução livre por Cinco Solas

O chamado do evangelho é universal

O chamado do evangelho precisa ser entregue a todas as pessoas. A Bíblia não deixa dúvida sobre isso. Na Grande Comissão, Jesus disse aos seus discípulos e à igreja de todas as eras: "Vá e faça discípulos de todas as nações". Ainda que as igrejas de persuasão reformada têm afirmado a doutrina da eleição incondicional (de que Deus tem escolhido seu povo graciosamente desde antes da criação do mundo) e a expiação limitada (que Cristo expiou os pecados daqueles que foram escolhidos como seu povo), essas igrejas têm também — com exceções ocasionais — afirmado que a oferta do evangelho deve ser entregue a todos os ouvidos do mundo.

A Escritura claramente ensina que o evangelho precisa ser pregado a todos. Se podemos ajustar isso com a eleição particular, é outra questão. Mas a regra para nossa pregação deve ser a vontade de Deus revelada. Em última análise, cabe a Deus harmonizar o predeterminado resultado da pregação do evangelho com a oferta geral da salvação. Somos limitados aos meios que Deus prescreveu para conduzir pessoas à salvação. E o meio mais importante é a pregação do evangelho.

A vocação evangélica pode ser definida assim: a oferta da salvação em Cristo a pessoas, junto com um convite para vir a Cristo em arrependimento e fé, para que recebam o perdão dos pecados e a vida eterna.

Anthony Hoekema
In: A vocação do Evangelho



Carta a um irmão inquieto - 2

Caro Rick,

Espero que esteja bem de saúde e principalmente gozando de plena comunhão com Cristo. Recebi a resposta à minha primeira carta enviada por email, e após um tempo digerindo-a concluí ser o momento de enviar-lhe uma resposta. Espero que não a tome como uma disposição para a contenda, mas perceba em minhas palavras um sincero interesse na verdade e reconheça que assim como se preocupa com que eu ande nela, tenho a mesma preocupação em relação à você.

Em sua resposta, você reconheceu que a Bíblia até fala de predestinação, mas disse que “não é bem assim”. Alegou que predestinar não significa que Deus decide antes da pessoa nascer se ela vai para o céu ou para o inferno. Que é cada pessoa, quando aceita Jesus, que predestina a si mesmo e que Deus apenas predestinou que quem aceitar a Jesus será salvo. Se uma pessoa quiser, mesmo depois de ter aceitado Jesus pode recusar ser predestinado para o céu. Confesso que suas explicações soaram confusas para mim, além de me parecerem tentativas de fugir do significado do termo predestinar na Bíblia.

O verbo predestinar vem do grego proorizo e significa “decidir de antemão”, ou seja, destinar antecipadamente. Todo verbo de ação tem um sujeito, aquele que realiza a ação, e é indicado pela voz ativa. Em Rm 8:28-29, o sujeito da predestinação é Deus, pois diz que “Deus... os predestinou”. Em Ef 1:3,5 é “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo” que “em amor nos predestinou”. Os objetos da ação são os que sofrem a ação e isto é indicado pela voz passiva, como no verso 11 de Efésios 5, onde está dito que “fomos predestinados”. A análise simples dos verbos demonstra que é Deus que predestina e que o homem é predestinado sem influir nisso.

Também não é correta sua suposição de que o homem se predestina ao crer em Jesus. A palavra predestinação, como já dissemos, significa “destinar de antemão”. Em Romanos 8:30, diz que “aos que predestinou... a estes também chamou”. A predestinação ocorre antes de ouvirmos o chamado do Senhor. Em Atos 13:48 temos um relato esclarecedor sobre a relação entre predestinação e fé: “...e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13:48). A ordem dos eventos é bem clara: a predestinação antecede a fé e não se baseia nela. 

Levemos isso em consideração enquanto analisamos sua afirmação de que a pessoa pode recusar ser predestinada, mesmo depois de ter crido em Jesus. Sendo Deus quem predestina, a predestinação tem que ser infalível. Veja que em Romanos há uma corrente inquebrável: os que conheceu são os mesmos que predestinou, que por sua vez são os mesmos que chamou, que são os mesmos que justificou e que são os mesmos que glorificou. Não há margem para concluir que algum predestinado não chegará finalmente à glória. Não seria o caso se fosse o homem que predestinasse a si mesmo, mas não pode ser de outra forma sendo Deus quem predestina, pois fomos “predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1:11). O autor sagrado acrescenta que fomos “selados com o Santo Espírito da promessa o qual é o penhor da nossa herança, ao resgate da sua propriedade” (Ef 1:13-14). Sendo a predestinação um decreto divino, é tão infalível quanto qualquer decreto de Deus.

Rick, não sei se consegui ser suficientemente claro, seja na interpretação de seu pensamento, seja na transmissão do meu. Mas tenho certeza de que se você examinar o que eu disse, numa atitude de aceitação do que a Bíblia afirma, a verdade irá aflorar. Você chegará à conclusão que predestinar significa decidir o destino desde a eternidade, que é Deus e não o homem que predestina e que sendo a predestinação divina e eterna, ninguém pode mudar essa predestinação pela sua própria vontade.

Quanto às razões que você apresentou, pelas quais “a predestinação não pode ser verdade”, irei lhe escrever oportunamente. Darei um tempo para que reflita sobre o que escrevi e para que tenha tempo de perguntar algo que eventualmente não consegui deixar claro ou firme o suficiente.

Seu sempre irmão em Cristo,

Leia a Carta a um irmão inquieto - 3

A verdadeira eleição


A verdadeira doutrina da eleição é a seguinte. Deus se agradou em escolher alguns homens e mulheres para serem salvos por Jesus Cristo, através seu conselho, que nos é secreto. Ninguém é salvo, a não ser aqueles que são escolhidos. Por essa razão, as escrituras chamam o povo de Deus, em várias passagens, de "eleitos de Deus" e a escolha dessas pessoas para a vida eterna de "eleição de Deus".

Esses homens e mulheres escolhidos por Deus para toda a eternidade são chamados pelo Espírito Santo, no tempo devido. Ele os convence do pecado. Ele os guia a Cristo. Ele trabalha para que se arrependam e tenham fé. Ele os converte, renova e santifica. Ele os mantém, pela sua graça, de cair na perdição e, finalmente, traz a todos para a glória, salvos. Resumindo, a eleição de Deus é o primeiro elo na salvação do pecador, cujo fim é a glória celeste. Portanto, ninguém se arrepende, crê e nasce de novo, a não ser os eleitos. A causa principal e original para que um santo seja da forma que é, é justamente a eleição de Deus.

J. C. Ryle

Em Efésios 1:4-5 não estaria Paulo se referindo aos apóstolos?

“Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” Ef 1:4-5

Ante a clareza do texto acima em afirmar a eleição, um irmão pergunta se “não estaria o apóstolo Paulo fazendo referência exclusiva aos apóstolos ou outro ‘subgrupo’ entre os que serão salvos”. A implicação é de que os objetos da eleição seria uma classe de crentes e não todos os salvos. Portanto, quem Paulo tinha em mente ao escrever essas palavras?

Alguns argumentam que Paulo está falando da igreja como uma coletividade, sem consideração para com os indivíduos como tais. O argumento baseia-se no fato de que Paulo usa o pronome na primeira pessoa do plural. Uma resposta para esse argumento pode ser lido em meu artigo Eleição Corporativa.

A hipótese de que Paulo poderia estar se referindo a uma parte dos salvos não me havia sido sugerido ainda para essa passagem, mas já recebi para outras, como João 15, que não será considerado aqui. Vamos então, à luz do contexto, avaliar se é possível que Paulo tenha em mente, não os salvos em geral, mas um sobgrupo deles, como os apóstolos.

No primeiro capítulo de Efésios o apóstolo ora se refere a si mesmo como “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus”, ora se refere “aos santos que vivem em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus” (1:1). Mas na maioria das vezes ele usa o pronome na primeira pessoa do plural, incluindo-se nas bênçãos recebidas. A questão é quem mais ele inclui, os demais apóstolos, os crentes de Éfeso ou os crentes em geral? Creio que é este último caso, pela natureza das bênçãos descritas.

Ser “abençoado com toda sorte de bênção espiritual” (1:3) não parece algo restrito a algum grupo de salvos apenas, mesmo uma elite como os apóstolos. Ser “santos e irrepreensíveis perante Ele” (1:5) não é distintivo dos apóstolos, como também não o é “a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados” (1:7), nem o ser “feitos herança” (1:11) e “selados com o Santo Espírito da promessa” (1:13). Não existe nenhum grupo entre os crentes a quem se possa atribuir com exclusividade essas bênçãos. Assim, sendo, não há razão suficientemente para concluir que “nos escolheu nele antes da fundação do mundo” (1:4) e “nos predestinou para ele” (1:5) se refira a alguns e não à universalidade dos crentes.

Também não há que se pensar que Paulo estivesse incluindo apenas a ele próprio e aos efésios nessas bênçãos. Quando ele fala de algo que diz respeito a ele e não a toda à igreja, usa a primeira pessoa do singular. Quando se refere a algo específico dos efésios, usa a segunda pessoa do plural. É o caso, por exemplo, do verso 15: “Também eu, tendo ouvido da fé que há entre vós no Senhor Jesus”. Além disso, há que se considerar que a carta que conhecemos como dirigida aos Efésios talvez seja uma carta-circular, enviada a mais de uma igreja. Aponta para isso o fato da palavra Éfeso não constar em alguns manuscritos e a ausência de saudações pessoais, comuns nas epístolas paulinas.

Consideremos, porém, dois versos que parecem contrariar o que foi defendido até aqui. “A fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa” (1. 12-13). Há um contraste entre o “nós, os que de antemão esperamos em Cristo” e o “vós... tendo nele também crido”. É pouco provável que o contraste seja entre os apóstolos e os crentes de Éfeso. Possivelmente a referência é aos judeus, quanto à esperança messiânica, ou ao judeus cristãos, que foram os primeiros a crer em Cristo e os crentes gentios. Seja como for, não creio que se possa afirmar uma dicotomia das bênçãos espirituais referidas entre judeus e gentios, pois de ambos o Senhor fez um só povo, a Igreja.

Concluindo, creio que não há complicações maiores no texto, além da incomensurabilidade das bênçãos descritas. Paulo escreve aos Efésios e descreve as bênçãos espirituais aos salvos, inclusive a eleição e predestinação.

Soli Deo Gloria