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A Cadeia Inquebrável da Salvação

Salvação e cinco pontos remetem ao acróstico TULIP, conhecidos como os cinco pontos do calvinismo: total depravação, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Mas neste artigo gostaria de enfatizar outros cinco pontos, relacionados com a ordem de salvação, os quais são geralmente referidos como elos da cadeia inquebrável da salvação divina, que começando na eternidade passada, mergulha na história e continua na eternidade futura.

O texto que nos guiará é Romanos 8:29-30, citado na epígrafe. É importante, desde já, chamar atenção para alguns detalhes importantes sobre esse texto. O primeiro deles, é que os objetos das ações divinas nele mencionados são pessoas e não algo nelas ou delas. As reiteradas referências “aos que” prova tratar-se de pessoas e não de coisas, caso em que o apóstolo usaria “os que” para referir-se aos objetos. O segundo é que se trata de um grupo definido e fixo de pessoas. Novamente, a referência “aos que... também os” implica isso. Os mesmos “aos que” referidos na eternidade passada são os mesmos “aos que” referidos na história e são os mesmos “aos que” que entram na glória. Ninguém é excluído, nenhum é adicionado. Estes dois fatos devem ser levados em conta ao considerarmos os que se segue.

A expressão “de antemão conheceu” é tradução de uma única palavra: proegno. O prefixo pro- indica um conhecimento prévio e eterno e é traduzido por “de antemão” na expressão. Ele denota algo ocorrido na eternidade passada e não na história corrente. Por sua vez, egno é o modo indicativo ativo do verbo ginosko, em seu aspecto aoristo, que significa “conheceu”. Aplicado ao conhecimento divino, não é mera presciência ou previsão. Deus é onisciente, conhecendo num ato simples tudo o que há para ser conhecido, real ou possível. E sendo presciente, conhece todos os fatos desde sempre. Mas proginosko tem um significado mais profundo que o conhecimento exaustivo e infalível de todas as pessoas, coisas e eventos.

De fato, ginosko traz em si a ideia de conhecimento relacional ao invés de mera constatação antecipada de fatos. Quando Deus diz “povo que não conheci me serviu” (2Sm 22.44; Sl 18:43) e Cristo sentencia aos ímpios “nunca vos conheci” (Mt 7.23) não estão falando que não sabiam que eles existiam, mas declarando que não havia um conhecimento relacional. De igual modo, quando o Senhor declara “Eu te conheci no deserto” (Os 13.5), Jesus informa “conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim” (Jo 10.14) e Paulo assegura “o Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2.19) a ideia envolvida não é de mero conhecimento, mas de relacionamento íntimo. Aliás, os judeus usavam a palavra conhecer para se referir à relação sexual entre um homem e uma mulher: “contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt 1.25).

Assim sendo, ser conhecido de antemão significa ser escolhido como objeto do amor redentivo de Deus desde a eternidade. O verbo conhecer tem o sentido bíblico de conhecer intimamente com amor (Jr 1:5; Os 13:5; Am 3:2; 1Co 8:3; Gl 4:9) e expressa a peculiar complacência de Deus para com os Seus. É importante salientar que o texto não informa nada como condição para esse pré-conhecimento eletivo, sejam fé, amor, obras ou obediência. É uma decisão livre e soberana, como indica seu uso em 1Pe 1:20, com referência a Jesus.

Muitos negam que esse pré-conhecimento tenha caráter eletivo, pois ele seria determinativo e eles insistem que a presciência é meramente constatativa. Entendem que “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai” (1Pe 1.2) significa tão somente que Deus previu a fé deles e os elegeu por constatar que eles creriam Nele. Mas tanto aqui como em Paulo, não vemos a fé mencionada como objeto da presciência divina. Aliás, em lugar algum nas Escrituras fé, amor ou outra coisa qualquer é indicada como condição para a eleição. Os eleitos são conhecidos por Deus desde antes da fundação do mundo, para serem objetos do Seu amor e depositários da Sua graça salvadora, sem consideração de algo neles previsto que os diferenciasse dos demais.

Ao conhecimento eletivo de Deus segue-se logicamente a predestinação. Muitas vezes essa ordem é invertida e a predestinação é vista como tratando-se de eleição e reprovação, daí a expressão dupla predestinação, bastante comum. Porém, a ordem bíblica é eleição, seguida da predestinação dos eleitos. Biblicamente falando, a predestinação diz respeito unicamente aos eleitos, não havendo sentido bíblico falar em predestinação para a perdição. “Aos que de antemão conheceu, também os predestinou”.

O termo bíblico predestinou é tradução do verbo proorize, indicativo ativo de proorizo. O prefixo pro- tem o mesmo sentido apontado no seu uso em proegno, ou seja, indica uma ação realizada na eternidade. Portanto, não se pode distinguir uma ordem cronológica entre o conhecimento divino de Seus eleitos e a predestinação deles, embora uma ordem lógica tenha que ser admitida, com a eleição precedendo a predestinação, como mencionado. O verbo horizo carrega o sentido de destinar, determinar, ordenar, designar, estabelecer limites. Portanto, proorize significa predeterminar, decidir de antemão, destinar desde a eternidade.

A questão de quem são os predestinados é bastante clara e não admite controvérsia: são os que foram conhecidos de antemão. O ponto é a que eles foram predestinados, e o complemento esclarece que é “para serem conformes à imagem de seu Filho”. Em outro texto, o destino decidido por Deus para seus eleitos é “a adoção de filhos” (Ef 1:5). Isto de forma alguma nega que a predestinação tenha em vista a salvação, pois esta engloba tudo o que é dito nesta passagem, do conhecimento prévio à glorificação final. Podemos dizer, então, que a predestinação é a preordenação divina de todas as coisas visando conduzir seus eleitos à fé, à adoção de filhos e à progressiva conformação à imagem de Seu filho, a ser completada na glorificação final.

Se mais precisa ser dito sobre a predestinação, é destacar sua força, que vem do fato de que quem predestina é Deus, o Todo-Poderoso! Somos “predestinados segundo o propósito Daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1:11). Sugerir que um predestinado pode vir a apostatar e finalmente se perder é insultar o conhecimento, a sabedoria e o poder do Senhor. É quebrar a cadeia inquebrável. Deus decidiu o destino glorioso dos crentes, nada, nem mesmo os próprios crentes podem alterar esse decreto divino.

Conforme vimos até aqui, os termos pré-conhecidos e predestinados indicam atos realizados na eternidade passada. Mas agora a cadeia de ouro desce para o tempo para indicar a realização do propósito divino, ou seja, a etapa em que os eleitos “são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Assim, “aos que predestinou, a esses também chamou”. E como foi com os termos anteriormente tratados, aqui também requer-se uma compreensão do que seja essa chamada.

Chamar é utilizado tanto para se referir a um convite geral, externo e não eficaz, como a uma chamada pessoal, interna e eficaz. O desconhecimento desses dois aspectos do chamado leva muitos a confundirem-se quanto à sua eficácia. Quando Jesus disse que “muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mt 22.14) estabeleceu uma diferença no número dos que são chamados e dos que são eleitos, sendo aqueles em maior quantidade que estes. Claramente Ele não estava se referindo ao chamado interior, feito pelo Espírito Santo. Porém no texto que estamos considerando, todos os que foram predestinados na eternidade são eficazmente chamados no devido tempo. Aqui, o número de chamados coincide exatamente com o número dos eleitos. Isso porque, em Paulo, ekalese, forma verbal derivada de kaleo, chamar, é sempre eficaz quando feita por Deus (Rm 4:17; 9:7,11,24; 1Co 1:9; 7:17-24; Gl 1:6,15; 5:8,13; Ef 4:1,4; Cl 3:15; 1Ts 2:12; 4:7; 5:24; 2Ts 2:14; 1Tm 6:12; 2Tm 1:9).

Da confusão entre o chamamento exterior pelo evangelho e a chamada interior pelo Espírito Santo resulta a má compreensão e a consequente oposição à doutrina da graça irresistível. Sim, os homens sempre podem resistir, e de fato resistem, ao convite geral do evangelho, o qual é acompanhado de promessa, “muitos são chamados”. Mas nos eleitos desde a eternidade, a graça vence essa resistência, pela operação milagrosa do Espírito no coração deles, “mas poucos, escolhidos”. Se alguém crê, é porque foi predestinado a isso, “creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48).

Dada a natureza caída do homem, em que todas as suas faculdades estão afetadas pelo pecado e o leva a se opor a Deus e a tudo o que Ele oferece, o crente deve ser imensamente grato a Deus por agir nele, tirando seu coração de pedra e dando-lhe um coração de carne, capaz de amá-lo e desejá-lo. E a certeza de que todos os que foram de antemão conhecidos e predestinados na eternidade serão irresistivelmente chamados em tempo oportuno, é um estímulo à evangelização, pois Deus chama seus eleitos à fé mediante a pregação do evangelho.

É maravilhoso considerar o que Deus fez até aqui. Elegeu, predestinou e atraiu para Si pecadores perdidos. Mas como pecadores, transgressores da santa Lei podem se aproximar dAquele que é Fogo Consumidor, sem serem fulminados? E olhando por outro ponto de vista, como pode um Deus três vezes santo e perfeitamente justo receber aqueles que até então viveram em completa rebelião contra Ele? Neste ponto temos que considerar a justificação, ou seja, “a manifestação da sua justiça no tempo presente, para Ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26).

Todos os homens são concebidos em pecado e tão logo nascem, começam a cometer seus próprios pecados, transgredindo a Lei. Isto os torna culpados diante de Deus, e dignos de morte, morte eterna. A justiça de Deus precisa ser satisfeita, um preço precisa ser pago. Por isso Jesus morreu na cruz, para pagar o preço, no lugar e em favor daqueles que foram de antemão conhecidos e predestinados e agora chamados. Os pecados do Seu povo foram colocados sobre Ele e o preço pago satisfez a justiça de Deus, possibilitando que Deus se tornasse justificador de pecadores sem deixar de ser justo. Ao aceitar como satisfatório o sacrifício de Seu Filho, Deus assegurou a justificação de todos aqueles por quem Jesus morreu, os quais em tempo oportuno se apropriarão dessa justiça mediante a fé, pela operação milagrosa do Espírito Santo.

Tão certo que alguém foi amorosamente conhecido por Deus na eternidade e então predestinado a ser chamado em tempo e de modo oportuno, assim é certo que será justificado. O termo edikaiose é um termo forense e significa o pronunciamento de um veredito sobre uma pessoa, de que ela atende plenamente os requerimentos da Lei de Deus. E o modo indicativo do verbo mostra que isso é realizado de uma vez por todas. Dessa forma, todos os que são chamados e creem em Cristo, são desde agora declarados inocentes no tribunal de Deus.

Paulo começa o parágrafo em análise com uma declaração de certeza. “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Nos dois versos seguintes ele dá as razões para essa confiança. “Porquanto” no original é uma partícula lógica que significa porque, justificando a certeza expressa no verso anterior. E a expressão “a esses também glorificou” é o arremate dessa certeza, evidenciado pela forma como o apóstolo utiliza o verbo doxazo.

A glorificação dos justificados é ainda futura, pois se dará na volta do Senhor, porém Paulo a expressa como já realizada, tal a sua certeza na glorificação dos que são chamados segundo o Seu propósito. Mais adiante ele dirá que Deus dá “a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios” (Rm 9.23–24). Tudo o que acontece na vida do crente foi preordenado por Deus, visando o bem último daquele que foi chamado, quer dizer, a sua glorificação ou perfeita conformação à imagem do Filho!

Quando diz que os que amam a Deus foram predestinados “para serem conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8:29) e para “a adoção de filhos” (Ef 1:5), o apóstolo tem em mente uma operação que é iniciada na conversão e que será completada na manifestação em glória do Senhor. “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque haveremos de vê-lo como Ele é” (1Jo 3.2). Os que creem em Cristo podem, e devem, ter certeza de sua eleição na eternidade, de que agora são filhos de Deus, o que o Espírito lhes testemunha no coração e que finalmente serão feitos iguais a Jesus. “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). Aleluia!

Com Rm 8:29-30 o apóstolo pretende eliminar qualquer dúvida dos que amam a Deus de que eles são objetos dos cuidados do Senhor, pois foram “predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). Esse propósito divino não começa com a conversão deles, nem mesmo no nascimento ou concepção. Na eternidade passada eles já eram conhecidos por Deus e objetos de Seu amor. Eles podem crer que Deus “em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1.4–5), muito antes do mundo existir.

O tempo não suspende este cuidado meticuloso de Deus para com seus eleitos. Eles são chamados e justificados e enquanto peregrinam neste mundo “todas as coisas cooperam para o bem” (Rm 8:28) deles, portanto o apóstolo podia dizer “estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8.38–39). Todos os aspectos de sua vida estão sob a amorosa providência de Deus, e mesmo os males redunda no bem deles.

Assim, não deve causar surpresa a certeza inexorável com que Paulo afirma que eles entrarão indubitavelmente na glória do Senhor. Esta certeza todos os que foram justificados ao crerem em Jesus devem ter. “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus.” (Rm 5.1–2). Os sofrimentos dessa vida, que afinal são para o bem deles, não tiram essa certeza. “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18).

Diante disso tudo, o que nos resta? Nada, além de irrompermos em louvor a Ele: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo” (Ef 1.3)!

Soli Deo Gloria

O remédio da graça de Deus

Já é hora de falar do remédio da graça de Deus, pela qual a nossa natureza viciosa é corrigida. Porque, como o Senhor, ajudando-nos, supre-nos do que nos falta, quando a Sua obra se manifesta em nós, assim também fica fácil entender a nossa pobreza. Quando o apóstolo diz aos filipenses que está “plenamente certo de que aquele que começou boa obra neles há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus”, não há dúvida nenhuma de que, ao falar do começo dessa boa obra, ele se refere à origem da conversão deles, quando a vontade deles foi voltada para Deus. Porque o Senhor começa em nós Sua obra infundindo em nosso coração o amor, o desejo e o estudo do bem e da justiça (ou, para falar com mais propriedade), inclinando, formando e dirigindo o nosso coração para a justiça, Ele aperfeiçoa e completa a Sua obra, fortalecendo-nos na perseverança. E a fim de que ninguém fique inquieto pelo fato de que o bem é iniciado em nós por Deus, tanto mais que a nossa vontade, em si mesma muito fraca, é ajudada por Ele, o Espírito Santo declara e determina noutra passagem que a vontade se abandone a Seu cuidado: “Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne; para que andem nos meus estatutos”.

Quem dirá agora que basta que a vontade, em sua fraqueza, seja fortalecida, quando ouvimos que é necessário que ela seja totalmente reformada e renovada? Se a pedra fosse tão mole que, manipulando-a, pudéssemos vergá-la e dar-lhe a forma que quiséssemos, eu não negaria que o coração do homem tem alguma facilidade e inclinação para obedecer a Deus, bastando que fosse fortalecido em sua fraqueza. Mas, se o nosso Senhor quis, com essa figura, mostrar que é impossível tirar algum bem do nosso coração se este não for transformado noutro coração inteiramente novo, não repartamos entre nós e Ele o louvor que Ele só atribui a Si mesmo. Se, pois, quando o Senhor nos converte ao bem, é como se transformasse uma pedra em carne, com certeza o que pertence à nossa própria vontade é anulado, e tudo quanto  sucede pertence a Deus.

João Calvino
In: As Institutas (Edição Especial Para Estudo)

Como os calvinistas explicam Tito 2:11?

Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tito 2.11)  
Um dos recursos bíblicos mais utilizados contra o calvinismo é Tito 2:11. É tido como inexplicável à luz da soteriologia calvinista. Por isso é citado contra a doutrina da eleição incondicional, da graça irresistível e da expiação limitada. Mas será que é isso mesmo ou existe alguma explicação que harmonize esse versículo com as doutrinas da graça como entendidas pelos reformados? Comecemos considerando as palavras e expressões isoladas, depois as implicações da declaração como um todo e, finalmente, a interpretação à luz do contexto.

“Graça de Deus” refere a tudo aquilo que o Senhor faz para redimir o homem do pecado e leva-lo para o céu. Ela é livre - não devida a ninguém, e incondicional - não havendo nenhuma condição prévia e nenhum pagamento posterior. Essa graça se manifestou (apareceu, brilhou) na vinda de Jesus, pois se diz que “a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1:17). Sem dúvida, essa graça é salvífica, pois é qualificada como salvadora, no sentido de meio ou instrumento que produz a salvação. Nas outras quatro ocorrência do termo é traduzida simplesmente como salvação. “Todos os homens” é uma expressão comum na Bíblia, ora significando todos os homens sem exceção, ora todos os tipos ou classes de homens. Em cada caso, o sentido deve ser buscado no contexto.

A relação entre “a graça de Deus se manifestou salvadora” e “todos os homens” apresenta dificuldades, exceto que se advogue o universalismo. Em geral, tanto calvinistas como não calvinistas negam o universalismo, e para harmonizar “graça que salva” com “todos os homens” precisam ponderar os lados da equação. Os não calvinistas atacam a graça, seja tornando-a insuficiente e requerendo uma ação do homem para completa-la, seja diminuindo a sua eficácia, tornando-a apenas potencialmente salvadora, podendo ser resistida e frustrada pela vontade do homem. Os calvinistas, por sua vez, interpretam “todos os homens” à luz do contexto e chegam à conclusão que se refere a toda classe de homens, e não a todos os homens sem exceção.

Notemos, primeiramente, que o versículo começa com a palavra “porquanto”, que é uma conjunção exploratória lógica, ou seja, indica que o que segue é uma justificativa do que precede. Em Tt 2:11-14 Paulo está justificando os imperativos éticos dos primeiros versículos. Sendo assim, “porquanto” indica que devemos ler o que vem antes, no caso, Tito 2:1-10. Ao ler esses versos, notamos algumas coisas. Primeiro, que Paulo está se referindo a pessoas crentes, pois proclama uma ética que deriva da sã doutrina. Segundo, que se trata de pessoas de diversas classes (homens, mulheres, idosos, jovens, escravos). Terceiro, que são gentios, em sua maioria, pelo menos. Se fossem judeus, estariam familiarizados com uma ética derivada da doutrina e não precisariam da justificativa de Paulo. Portanto, “todos os homens” é uma referência à toda classe de homens salvos pela graça, ou seja, independente de etnia, sexo, idade, classe social, todos os que são salvos pela graça devem adornar à sã doutrina com um modo de vida digno.

Mas não são apenas os versos anteriores a Tt 2:11 que limitam a referência paulina aos crentes de diversas classes. O verso 12 continua dizendo que a graça se manifestou “educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente” (Tt 2.12). A graça não se manifesta passivamente, potencialmente salvadora apenas. Tampouco vem, nos salva e vai embora. Mas permanece conosco e efetivamente nos educa quanto à maneira de viver neste mundo. A referência aqui, é óbviamente às classes de crentes referida na parte inicial do capítulo, como os pronomes indicam. O verso 13, “aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.13), também limita a referência de Paulo aos crentes, únicos para os quais a volta de Cristo se constitui numa “bendita esperança”. E, finalmente, o verso 14 declara “o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). O pronome “nos” e a expressão “um povo exclusivamente seu” deixam claro que Paulo tem em mente os crentes, tão somente.

Como vimos, advogar que “todos os homens” refere-se a todos os homens que viveram em todos os tempos e lugares implica numa graça “salvadora que não salva” todos aqueles a quem é manifestada. Por outro lado, o capítulo inteiro está falando de crentes, primeiro prescrevendo um comportamento ético como resultado da sã doutrina, depois justificando esse comportamento frente à manifestação da graça salvadora e finalmente apontando para os resultados presentes e futuros de se viver de acordo com esses mandamentos. Tomar “todos os homens” no sentido da humanidade inteira, sem excluir nenhuma pessoa, é tirar a frase do contexto em que está inserida e dar-lhe um sentido baseado em nossos pressupostos.

Resta-nos observar o que diz o verso 15: “Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze.” (Tt 2.15)

Soli Deo Gloria

Como o calvinismo explica Isaías 5:4?

“Que mais se podia fazer ainda à minha vinha, que eu lhe não tenha feito? E como, esperando eu que desse uvas boas, veio a produzir uvas bravas?” (Is 5.4)

Algumas passagens bíblicas são tidas como inexplicáveis à luz do entendimento calvinista. Eu as chamo de “versículos arminianos” ou anticalvinistas. Certamente que vários calvinistas fizeram exegese dessas passagens, com grande êxito, diga-se. Sendo assim, ao considerá-las não pretendo preencher alguma lacuna, nem intenciono oferecer uma análise melhor, apenas expressar meu entendimento delas.

No caso de Isaías 5:4, a primeira coisa a ser feita é descobrir é “problema calvinista”, se é que ela apresenta algum. Considerando o verso isoladamente, ele não oferece dificuldade ao esquema calvinista. Senão vejamos. A depravação total não é negada, pelo contrário, a vinha produziu “uvas bravas”. Não trata da eleição soberana, nem da redenção particular. Se alguma tentativa de levantar versículo como objeção ao calvinismo, deve ser quanto à graça irresistível e a perseverança dos santos. Mas será que temos um problema real aqui?

A graça eficaz significa que nos eleitos a graça de Deus vence a resistência do homem, não por força violenta, mas renovando sua vontade e o inclinando às coisas de Deus. A doutrina da preservação dos santos diz que um regenerado será guardado pelo poder de Deus de modo a ser certamente salvo no final. Para que essas duas doutrinas sejam negadas pela passagem em apreço, a vinha referida na parábola deve ser eleita, ter sido regenerada e perdido a salvação no final. Vejamos se é o caso.

A explicação da parábola diz que “a vinha do SENHOR dos Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta dileta do SENHOR; este desejou que exercessem juízo, e eis aí quebrantamento da lei; justiça, e eis aí clamor” (Is 5.7). Porém, devemos considerar que “nem todos os de Israel são, de fato, israelitas” (Rm 9.6). Poucos versos antes o Senhor se refere aos “de Israel que forem salvos” (Is 4:2), dizendo que “os restantes de Sião e os que ficarem em Jerusalém serão chamados santos; todos os que estão inscritos em Jerusalém, para a vida” (Is 4.3). Não são todos os de Israel que serão salvos, pois “no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o SENHOR prometeu; e, entre os sobreviventes, aqueles que o SENHOR chamar” (Jl 2.32). Desses que foram inscritos para a vida e chamados pelo Senhor se diz que “o que escapou da casa de Judá e ficou de resto tornará a lançar raízes para baixo e dará fruto por cima” (Is 37.31), o fruto requerido pelo Vinhateiro.

A falibilidade da graça é alegada sob o falso argumento de que Deus fez tudo o que podia ser feito para salvar Israel. “Que mais se podia fazer ainda à minha vinha, que eu lhe não tenha feito? E como, esperando eu que desse uvas boas, veio a produzir uvas bravas?” (Is 5.4). O que o Senhor estava dizendo era que no juízo, e é disso que se trata a parábola, Israel não poderia alegar que não produziu justiça por falta de condições adequadas. Ela produziu uvas bravas não por que a terra era ruim, mal preparada, tomada por pragas e vítima de invasões, mas porque era uma árvore má, pois “não pode a árvore boa produzir frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons” (Mt 7.18), por melhor adubada que seja. E Deus tratou Israel com distinguido cuidado. “São israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas; deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne” (Rm 9.4–5). De Israel, mais do que qualquer outro povo sobre a terra, era justo esperar “que exercessem juízo, e eis aí quebrantamento da lei; justiça, e eis aí clamor” (Is 5.7). Mas afirmar que Deus não tinha poder para fazer mais é desonrar o Onipotente Senhor.

O juízo “tirarei a sua sebe, para que a vinha sirva de pasto; derribarei o seu muro, para que seja pisada” (Is 5.5) não implica perda da salvação, pelo fato já referido de que Israel não foi eleito como nação étnica para a salvação. Portanto, é desnecessário responder à objeção de que a parábola nega a segurança eterna dos salvos. Farei apenas a citação de uma passagem do Novo Testamento que corrobora o que foi dito anteriormente e deixa claro que o abandono da vinha por parte do Senhor não significa que os eleitos e eficazmente chamados perdem a salvação recebida e garantida gratuitamente:

“Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu. Ou não sabeis o que a Escritura refere a respeito de Elias, como insta perante Deus contra Israel, dizendo: Senhor, mataram os teus profetas, arrasaram os teus altares, e só eu fiquei, e procuram tirar-me a vida. Que lhe disse, porém, a resposta divina? Reservei para mim sete mil homens, que não dobraram os joelhos diante de Baal. Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça. E, se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça. Que diremos, pois? O que Israel busca, isso não conseguiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos” (Rm 11.2–7). 

Soli Deo Goria 

A verdadeira fé

Que é a fé? A fé cristã não é opinião e convicção humana, mas confiança extremamente firme, e o claro e inabalável assentimento do espírito, e finalmente a apreensão certíssima da verdade de Deus apresentadas nas Escrituras e no Credo dos Apóstolos, assim como apreensão do próprio Deus, o supremo bem, e especialmente da promessa de Deus e de Cristo, que é o cumprimento de todas as promessas.

A fé é dom de Deus. Mas esta fé é simplesmente um dom de Deus, que só ele pela sua graça, segundo a sua medida, concede aos seus eleitos quando, a quem e quanto ele quer. E ele realiza isso pelo Espírito Santo, pela pregação do Evangelho e pela oração fiel.

O aumento da fé. Essa fé pode também ser aumentada por Deus; se assim não fosse, o apóstolo não teria dito: “Senhor: aumenta-nos a fé” (Luc 17.5). Tudo o que até aqui temos dito com respeito à fé, os apóstolos ensinaram antes de nós. São Paulo disse: “Ora, a fé é hypostasis ou a certeza das cousas que se esperam, a elegchos, isto é, a convicção dos fatos que se não vêem” (Heb 11.1). E noutro passo ele diz que todas as promessas de Deus são sim por Cristo, e pelo mesmo Cristo são amém (II Co 1.20). E aos filipenses ele disse que a eles lhes foi dado crer em Cristo (Fil 1.29). Noutro passo: Deus concedeu a cada um a medida da fé (Rom 12.3). Noutro ainda: “Nem todos têm fé” e, “Nem todos obedecem ao Evangelho” (II Tes 3.2; Rom 10.16). Também Lucas atesta, dizendo: “Creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48). Eis porque São Paulo também a chama “a fé dos eleitos de Deus” (Tit I.1 ), e outra vez: “A fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo” (Rom 10.17). Em outras partes, com freqüência, manda que os homens orem pedindo fé.

Fé eficaz e ativa. O mesmo apóstolo chama a fé “eficaz” e “que atua pelo amor” (Gal 5.6). Ela também acalma a consciência e abre um livre acesso para Deus, de modo que podemos aproximar-nos dele com confiança e dele conseguir o que é útil e necessário. A mesma (fé) conserva-nos no serviço que devemos a Deus e ao próximo, fortalece-nos a paciência na adversidade, molda uma verdadeira confissão e manifesta-a: numa palavra, produz bons frutos de todas as espécies, e boas obras.

A verdadeira justificação dos fiéis

Que é justificação? Segundo o apóstolo no seu tratamento da justificação, justificar significa “perdoar pecados”, “absolver de culpa e castigo”, “receber em graça” e “declarar justo”. Em sua Epístola aos Romanos o apóstolo diz: “É Deus quem os justifica. Quem os condenará?” (Rom 8.33). Justificar e condenar são termos opostos. E nos Atos dos Apóstolos o apóstolo diz: “Tomai, pois, irmãos, conhecimento de que se vos anuncia remissão de pecados por intermédio deste; e por meio dele todo o que crê é justificado de todas as cousas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés” (At 13.38 ss). Na Lei, assim como nos Profetas, lemos: “Em havendo contenda entre alguns, e vierem a juízo, os juizes os julgarão, justificando ao justo e condenando ao culpado” (Deut 25.1). E em Is. cap. 5: “Ai dos que... por suborno justificam o perverso”.

Somos justificados por causa de Cristo. É absolutamente certo que todos nós somos por natureza pecadores e ímpios, e diante do tribunal de Deus somos acusados de impiedade e réus de morte, mas, só pela graça de Cristo, sem qualquer mérito nosso ou consideração por nós, somos justificados, isto é, absolvidos dos pecados e da morte por Deus, o juiz. Que é, com efeito, mais claro do que o que disse São Paulo? “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rom 3.23 ss).

A justiça imputada. Cristo tomou sobre si mesmo e carregou os pecados do mundo, e satisfez a justiça divina. Portanto, é só por causa dos sofrimentos e ressurreição de Cristo que Deus é propício para com nossos pecados e não no-los imputa, mas imputa-nos como nossa a justiça de Cristo (II Co 5.19 ss; Rom 4.25), de modo que agora não só estamos limpos e purificados de pecados ou somos santos, mas também, sendo-nos dada a justiça de Cristo, e sendo nós assim absolvidos do pecado, da morte ou da condenação, somos finalmente justos e herdeiros da vida eterna. Propriamente falando, portanto, só Deus justifica, e justifica somente por causa de Cristo, não nos imputando os pecados, mas a sua justiça.

Somos justificados somente pela fé. E porque recebemos esta justificação, não por quaisquer obras, mas pela fé na misericórdia de Deus e em Cristo, por isso ensinamos e cremos, com o apóstolo, que o pecador é justificado somente pela fé em Cristo e não pela lei ou por quaisquer obras. O apóstolo diz: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rom 3.28). Também: “Porque se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus. Pois, que diz a Escritura? Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça... Mas ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica ao ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça” (Rom 4.2 ss; Gén 15.6). E outra vez: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie”, etc. (Ef 2.8 ss). Portanto, porque a fé recebe Cristo, nossa justiça, e atribui tudo à graça de Deus em Cristo, por isso a justificação é atribuída à fé, principalmente por causa de Cristo, e não porque ela seja obra nossa, visto que é dom de Deus.

Recebemos Cristo pela fé. Além disso, o Senhor mostra sobejamente que recebemos Cristo pela fé, em João, cap. 6, onde ele usa comer por crer, e crer por comer. Pois, como é comendo que recebemos o alimento, assim é crendo que participamos de Cristo. A justificação não é atribuída parcialmente a Cristo ou à fé, e parcialmente a nós. Por conseguinte, não compartilhamos do benefício da justificação em parte por causa da graça de Deus ou de Cristo, e em parte por causa de nós mesmos, de nosso amor, de nossas obras ou de nosso mérito, mas atribuímo-lo totalmente à graça de Deus em Cristo pela fé. Mas também nosso amor e nossas obras não poderiam agradar a Deus, sendo realizados por homens injustos: por isso, é necessário que sejamos justos antes que possamos amar ou praticar obras justas. Somos feitos verdadeiramente justos, como dissemos, pela fé em Cristo, só pela graça de Deus, que não nos imputa os nossos pecados, mas a justiça de Cristo, e por isso, ele nos imputa a fé em Cristo como justiça. Ademais, o apóstolo mui claramente deriva da fé o amor, quando diz: “Ora, o intuito da presente admoestação visa o amor que procede de coração puro e de consciência boa e de fé sem hipocrisia” (I Tim 1.5).

Tiago comparado com Paulo. Por isso, aqui falamos, não de uma fé imaginária, vã e inerte ou morta, mas de uma fé viva e vivificante, a qual, por apreender a Cristo, que é vida e vivifica, é viva e se chama “viva” e se mostra viva por obras vivas. E assim São Tiago não contradiz coisa alguma nesta nossa doutrina. É que ele fala de uma fé vã e morta, da qual alguns se vangloriavam, mas que não tinham Cristo vivendo neles pela fé (Tiago 2.14 ss). São Tiago disse que as obras justificam, contudo sem contradizer o apóstolo (do contrário ele teria de ser rejeitado), mas mostrando que Abraão provou sua fé viva e justificadora pelas obras. É isso o que fazem todos os piedosos, confiados, porém, só em Cristo e não em suas próprias obras. O apóstolo ainda diz: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim. Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morre Cristo em vão”, etc. (Gal 2.20).

Arrependimento e conversão

A doutrina do arrependimento está ligada ao Evangelho. Pois assim diz o Senhor no Evangelho: “Que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações” (Luc 24.47).

Que é arrependimento? Por arrependimento entendemos uma volta atrás da mente no pecador provocado pela Palavra do Evangelho e pelo Espírito Santo, e recebida pela verdadeira fé, com o que o pecador imediatamente reconhece a sua corrupção inata e todos os seus pecados denunciados pela Palavra de Deus; e entristece-se por eles em seu coração, e não apenas os lamenta e francamente confessa diante de Deus com um sentimento de vergonha, mas também com indignação os abomina; cuidando agora zelosamente de emendar-se, num esforço constante em busca da inocência e da virtude, no qual esforço se exercita santamente em todo o resto de sua vida.

O arrependimento é verdadeira conversão a Deus. E este é o verdadeiro arrependimento, uma sincera volta para Deus e para todo o bem, e uma profunda aversão ao Diabo e a todo o mal.

O arrependimento é dom de Deus. Dizemos expressamente que este arrependimento é puro dom de Deus e não uma realização de nossas forças. O apóstolo ordena a um fiel ministro que diligentemente instrua aqueles que se opõem à verdade, “na expectativa de que Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade” (II Tim 2.25). Lamenta os pecados cometidos. Aquela mulher que lavou os pés do Senhor com suas lágrimas, e São Pedro, que chorou amargamente e lamentou ter negado o Senhor (Luc 7.38; 22.62) mostram claramente como deve ser o espírito de um homem arrependido, lamentando seriamente os pecados que cometeu. Confessa os pecados a Deus. E o filho pródigo e o publicano no Evangelho, quando comparados com o fariseu, apresentam-nos as fórmulas mais adequadas de confessar os nossos pecados a Deus. O primeiro disse: “Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus trabalhadores” (Luc 15.18 ss). E o segundo, não ousando erguer os olhos ao céu, bate no peito, dizendo: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (cap. 18.13). E não temos duvida de que foram aceitos em graça por Deus, pois o apóstolo São João diz: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso e a sua palavra não está em nós” (I João 1.9 ss).

A Palavra da Cruz concede vida aos mortos

Como precisamos de mais fé no Espírito Santo em nossos púlpitos! Para que neles subamos dizendo: “Creio no Espírito Santo; não dependo da minha própria força, não dependo da minha própria inteligência. Se Deus, pelo Seu Espírito, usa as minhas palavras, não importa quão hostis as pessoas sejam, elas se voltarão. Elas se tornarão os maiores defensores desta mensagem”.

Será que temos esta fé? Será que estamos conscientes, enquanto labutamos para o Mestre que Deus, pelo Seu Espírito, ainda outorga vida aos mortos? É importante, enquanto pensamos nesta questão, que percebamos a conexão vital entre essa obra do Espírito e a pregação da cruz. É importante que vejamos isso, pois hoje muito se fala sobre o Espírito Santo e se diz muitas coisas que o Espírito anda fazendo e muitos até se vangloriam de que o Espírito atuou sem a Palavra como se os seres humanos, de alguma forma, estivessem cheios de unção. Como se tivessem um poder especial pairando sobre eles. 

Precisamos ver a relação daquilo que Paulo fala quando diz: “Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado”. A razão para isto é porque é exatamente através da pregação da cruz que o Espírito demonstra Seu poder e salva os perdidos. Foi o que Paulo quis dizer em 1Co 1:17 - “Porque não me enviou Cristo para batizar, mas para pregar o Evangelho”. A ênfase é no pregar da Palavra, no pregar o Evangelho; ele faz uma colocação importante quando diz que prega “não com sabedoria de palavra”, ou seja, não como o mundo estava entendendo “para que se não anule a cruz de Cristo”, para que a Palavra não fosse despida do seu poder. 

Paulo disse para os crentes de Tessalônica: “...porque o nosso Evangelho não chegou até vós tão-somente em palavra, mas sobretudo em poder, no Espírito Santo...” (I Ts 1:5). Era o Evangelho vindo com poder. Não era um poder que simplesmente se “derramava” do apóstolo Paulo, pois ele diz que o Evangelho não havia chegado até eles apenas em palavras, mas em poder. Essa idéia de que se pode ter o Espírito sem a Palavra pode trazer grande reboliço, mas só está fazendo a Igreja mais pobre. O Espírito Santo não haverá de abençoar onde Jesus não é exaltado. Quando a cruz de Cristo é jogada para o lado pode ter certeza de que o Espírito Santo é entristecido completamente.

A mensagem da cruz é a “matéria-prima” que o Espíri-to Santo usa para dar vida aos mortos. A mensagem da cruz que o Espírito usa para fazer os mortos reviverem. “Ele fala, e, ouvindo Sua voz, nova vida os mortos recebem.” Como pode um morto ouvir? Eu não sei! Mas, lembre-se que é a voz do Criador. Jesus disse para Lázaro: “Lázaro, Lázaro, levanta-te!” Lázaro ressuscitou. Deus falou e este mundo veio a existir; Ele falou e o mundo existiu. Como Deus faz só Ele sabe. Mas o fato é que Ele faz, e temos de crer nisso, temos de ir em frente nesta fé. 

Que Deus tome esta mensagem da cruz e a use para dar vida aos mortos.

Conrad Mbewe
In: Vida aos mortos

Pecado e livre-arbítrio nos 25 Artigos de Fé Metodista


Artigo 7º - Do pecado original 

O pecado original não está em imitar a Adão, como erradamente dizem os Pelagianos, mas é a corrupção da natureza de todo o descendente de Adão, pela qual o homem está muito longe da retidão original e é de sua própria natureza inclinado ao mal e isto continuamente. 

Artigo 8º - Do livre arbítrio 

A condição do homem, depois da queda de Adão, é tal que ele não pode converter-se e preparar-se pelo seu próprio poder e obras, para a fé e invocação de Deus; portanto, não temos forças para fazer boas obras agradáveis e aceitáveis a Deus sem a Sua graça por Cristo, predispondo-nos para que tenhamos boa vontade e operando em nós quando temos essa boa vontade. 

John Wesley

Por que Deus ordena a conversão?

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O Senhor nos chama à conversão para tornar conhecido que é dEle mesmo que vem o poder e a força para nos converter verdadeiramente. Os preceitos e exortações das Escrituras sobre converter, arrepender, crer, e permanecer firme não são enviadas para que daí possamos concluir que temos poder em nós mesmos para fazer aquilo que nos é ordenado e exortado a fazer, mas eles são enviados para que possamos transformar tais preceitos em orações. Por exemplo, quando ouvimos o mandamento para crer, isto deve fazer com que clamemos como o pai da criança doente fez no Evangelho: "Senhor, ajuda me na minha falta de fé". Quando ouvimos o mandamento para rejeitarmos toda transgressão, devemos implorar como Davi: "Ordene meus passos em tua palavra, e não permita que a iniqüidade tenha domínio sobre mim". Quando ouvimos o mandamento para nos arrepender, isto deve fazer-nos usar a linguagem do penitente: "Converte-me, e converter-me-ei, porque tu és o Senhor meu Deus" (Jr 31:18).

Nathanael Vincent
In: Os puritanos e a conversão

A chamada eficaz e o desesperar-se de si mesmo

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Aqueles que o Espírito chama efetivamente, Ele faz com que se desesperem de si mesmos. Eles são levados a compreender que não há poder neles mesmos, a não ser fora dos caminhos do pecado e da miséria nos quais estão mergulhados. E como são incapazes de se ajudarem, então eles compreendem que são totalmente indignos de serem ajudados. 

Deus pode justamente permitir que permaneçam onde caíram e, não fosse a Sua intervenção, cairiam cada vez mais até não poderem mais ser recuperados. O pecador pode valer-se de suas boas obras, esperando com isso reconciliar-se com Deus por causa daquilo que ele tem feito de errado, entretanto é levado a ver que suas melhores obras estão tão misturadas com o pecado que, não fosse a justiça e a intercessão de Cristo, estas seriam verdadeiras abominações.

Agora ele está abatido no seu interior. Ele não tem confiança na carne (Fl 3:3). Ele não pode fazer nada por si mesmo. Não pode alegar que tenha direitos a ter algo feito em seu favor, mas ele deve esperar a graça de Deus para tudo. Baseado nisso, ele clama pelos caminhos do Senhor (Sl 130:1). Ele percebe que está afundando e clama: "Dasprofundezas a ti clamo, ó Senhor. Senhor salva-me ou perecerei. Estou à beira do inferno e cairei, a menos que a mão da misericórdia me segure". Ele implora com Efraim: "Salva-me, e serei salvo". E como o mal do pecado se torna manifesto à sua vista, assim a bondade de Deus é, em alguma medida, revelada pelo Espírito. 

E, portanto, ele decide se tornar um convertido, não somente pela necessidade, porque dessa maneira ele seria extrema e eternamente miserável, mas também por escolha, porque esse é o caminho para a verdadeira felicidade. E este desejo de ser convertido é como se fosse o primeiro sopro da operação do Espírito em todos aqueles que Ele chama efetivamente para voltarem-se para Deus, como também são as muitas outras maneiras como o Senhor chama os pecadores à conversão, muitas das quais tornaram-se sem efeito, porque aqueles que foram chamados são surdos, desobedientes e rebeldes.

Nathaniel Vincent
In: Os puritanos e a conversão

Uma boa confissão


As cadeias que me prendiam foram soltas ao vento,
Pelo grande amor de Deus eu, pobre escravo, foi liberto;
e a graça do céu com frescura em minh'alma sopra, é certo
Tal como são os bons ventos do verão que ao mar dão alento.

Não há no mundo algo tão escuro, coisas tão más,
Como a escravidão do pecado que a minh'alma prendia;
Nada mais abjeto que a astúcia e a malícia que eu sentia,
E essas vis paixões, sob o controle de Satanás.

Por vários anos suportei o inferno em meu coração;
Ao pensar em Deus, o que eu via era só escuridão;
De noite eu não tinha descanso, e prazer nenhum de dia,
E a dura sombra de um destino infeliz eu temia.

E somente aquela luz é que poderia adentrar
Num calabouço tão profundo assim como era o meu!
Criar um mundo seria mais fácil que libertar
Este escravo da prisão, esta alma que adormeceu.

Que haja luz, disse a Palavra, dirigindo-se a mim.
Em minh'alma uma aflição profunda logo então passou;
Foi só olhar ao Salvador, a escura noite sem fim
Como um sonho esquecido, do meu coração despencou.

Clamei então por misericórdia; e os joelhos dobrei,
Com o coração compungido e mui triste confessei.
Numa ação momentânea, o mal de anos saiu então,
Da minh'alma, tal como as palavras que eu falo se vão.

E agora, glória a Deus e ao amado Senhor que morreu!
Nem o cervo montanhês, nem o pássaro na altura,
Nem onda de prata que se quebra na maré escura,
E uma criatura tão livre e feliz quanto eu.

Aclamem todos o Precioso Sangue tão amado,
Que operou em mim essas doces maravilhas do amor;
Que a cada dia multidões tenham se purificado
Para a glória de Deus, e a libertação do pecador.

Frederic W. Faber
In: Este mundo: lugar de lazer ou campo de batalha?

O poder que converte é o mesmo que preserva


O mesmo poder que converte para a fé em Cristo é o mesmo poder que ajuda a alma diante de todas as responsabilidades, tentações, conflitos e sofrimentos. Todo aquele que é um Cristão, é pela Graça e pela constante operação renovadora de Deus, sem a qual nunca poderia cumprir nenhuma incumbência para Deus ou resistir a nenhuma tentação de Satanás, do mundo e do homem.

Artigo 26
Primeira Confissão Londrina, 1642/44

A apresentação do evangelho é de graça

A apresentação do Evangelho para a conversão dos pecadores é absolutamente de graça, não requer como algo necessário nenhuma antecipada qualidade ou preparação. Os terrores da Lei, ou um ministério da Lei não é necessário, senão para uma alma desnuda, como pecador e sem Deus; para receber a Cristo, como Cristo, como crucificado, morto, sepultado e ressuscitado, sendo feito um Príncipe e Salvador para os pecadores.

Artigo 25
Primeira Confissão Londrina, 1642/44


A fé é produzida pela palavra de Cristo

Esta fé normalmente é engendrada pela pregação do Evangelho, a palavra de Cristo, sem considerar nenhum poder ou capacidade do ouvinte, o qual está totalmente passivo e morto em delitos e transgressões. Assim, ele crê e está convertido pelo mesmo poder que levantou a Cristo dentre os mortos.

Artigo 24
Primeira Confissão Londrina, 1642/44

Os três elementos da evangelização


1. A apresentação dos fatos do evangelho e dos meios de salvação. A obra que Cristo realizou pela nossa salvação precisa ser clara e cuidadosamente colocada. Isso deve ser feito em linguagem compreensível ao povo de hoje e relevante às necessidades e problemas presentes. Tão importante quanto isso é que o pregador precisa, antes de tudo, ser fiel às Escrituras. Num sentido, a mensagem do Cristo crucificado vai parecer sempre irrelevante e ofensiva. Não é prazeroso escutar que somos pecadores, por natureza objetos da ira de Deus e incapazes de, por nossa própria força, escapar desse juízo. Paulo cria dessa forma: mesmo assim, continuava a pregar o evangelho que ofendia a alguns: “Mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus" (I Co 1.23,24).

2. Um convite para vir a Cristo em arrependimento e fé. O convite do evangelho precisa ser mais que uma apresentação; precisa incluir um convite honesto. Jesus mesmo convida pessoas a virem a ele em arrependimento e fé: "Vinde a mim, todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei" (Mt 11.28). O pregador não pode minimizar a seriedade do pecado, mas precisa enfatizar a importância do genuíno arrependimento.

Deve ser deixado claro que fé não é apenas um assentimento intelectual a certas verdades, mas o vir a Cristo com todo o ser, incluindo compromisso de serviço. A vocação evangélica é ao mesmo tempo uma ordem, como uma convocação vinda de um rei. Observe como Jesus expressa isso na Parábola da Grande Ceia: “Respondeu-lhes Jesus: Sai pelos caminhos e atalhos e obriga a todos a entrar, para que a casa fique cheia". O convite do evangelho não é algo que deixe a pessoa livre para aceitar ou declinar, como alguém que é convidado para o futebol, mas é uma ordem do soberano Senhor de toda a criação que manda que venhamos a ele para salvação — uma ordem que não pode ser ignorada a custo de uma eterna perdição.

É um erro sério pensar que pastores que pregam a membros de igrejas estabelecidas não precisam fazer convites para receberem a Cristo como Salvador. Herman Bavinck conduz significante discussão sobre extremos a serem evitados na pregação. Pregação equilibrada, diz ele, precisa combinar a ênfase sobre o pacto e sobre o evangelismo. Em sermões dirigidos a pessoas que não tenham ouvido antes o evangelho, o pregador precisa não apenas convidar seus ouvintes a crer e se arrepender; precisa também edificá-los na fé. Em sermões dirigidos a membros de igrejas estabelecidas, por outro lado, o pregador não deve se satisfazer em edificar os crentes na fé, meramente esboçando as implicações da fé que devem ter. É necessário, e sempre será, mesmo na pregação dirigida a crentes, um apelo sério ao arrependimento e à fé. Nenhum pregador pode ingenuamente presumir que todos em sua igreja sejam salvos. Sempre haverá crianças e jovens que ainda não assumiram o compromisso com Cristo, e haverá adultos que não fizeram uma decisão clara pelo Senhor. Esses também precisam ouvir e serem chamados ao Senhor.

3. A promessa do perdão e da salvação. O convite do evangelho precisa também incluir a promessa de que aquele que responde propriamente ao chamado receberá o perdão e a vida eterna em comunhão com Cristo. Essa promessa é, contudo, condicional: você recebe perdão e salvação se você arrepende-se e crê. Mais adiante discutiremos com mais detalhes sobre arrependimento e fé. Quando digo que a promessa incluída no evangelho é condicional, não quero dizer que seja uma condição que um ser humano possa preencher em sua própria força. Só Deus pode capacitar o ouvinte do convite do evangelho a se arrepender e crer. O ouvinte precisa, portanto, orar pedindo a Deus que lhe dê poder, e precisa louvar a Deus quando ele o fizer. Essa condição precisa ser cumprida para que a bênção seja recebida — isso o pregador precisa deixar claro.

Anthony Hoekema
In: A vocação do evangelho

Os que tem fé nunca podem cair totalmente

Os que têm a fé produzida neles, pelo Espírito, nunca podem totalmente cair; e ainda que muitas tormentas e inundações lhes fustiguem, não podem ser removidos daquele alicerce e rocha sobre o qual são estabelecidos; ou melhor, serão guardados pelo poder de Deus para a salvação; donde gozarão da possessão que para eles foi comprada, estando seus nomes gravados nas palmas das mãos do próprio Deus.

Artigo 22
Primeira Confissão Londrina, 1642/44

A fé é produzida nos eleitos pelo Espírito Santo


A fé é o dom de Deus, produzida nos corações dos eleitos pelo Espírito de Deus; por meio de quem chegam a ver, conhecer e crer na verdade das Escrituras, e as excelências dela por cima de toda outra escritura e coisas do mundo, porque manifestam a glória de Deus em seus atributos, a excelência de Cristo em sua natureza e em seus ofícios, e o poder da plenitude do Espírito em suas obras e operações; e assim podem descansar suas almas sobre a verdade que têm crido.

Artigo 22
Primeira Confissão Londrina, 1642/44

Quão invencível é a graça de Jeová!


Quão invencível é a graça de Jeová! Nenhuma criatura tem o poder de atrair o homem a Cristo. Exibições, evidências miraculosas, ameaças, inovações são usadas em vão. Somente Jeová pode trazer a alma a Cristo. Ele derrama seu Espírito com a Palavra, e a alma sente-se alegre e poderosamente inclinada a vir a Jesus. “Apresentar-se-á voluntariamente o teu povo, no dia do teu poder” (Sl 110.3). “Acaso, para o SENHOR há coisa demasiadamente difícil?” (Gn 18.14.) “Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu querer, o inclina” (Pv 21.1). 

Considere um exemplo: um judeu estava assentado na coletoria, próxima à porta de Cafarnaum. Sua testa estava enrugada com as marcas da cobiça, e seus olhos invejosos exibiam a astúcia de um publicano. Provavelmente, ele ouvira falar de Jesus; talvez O ouvira pregando nas praias do mar da Galiléia. Mas seu coração mundano ainda permanecia inalterado, visto que ele continuava em seu negócio ímpio, assentado na coletoria. O Salvador passou por ali e, quando olhou para o atarefado Levi, disse-lhe: “Segue- me!” Jesus não disse mais nada. Não usou qualquer argumento, nenhuma ameaça, nenhuma promessa. Mas o Deus de toda graça soprou no coração do publicano, e este se tornou disposto. “Ele se levantou e o seguiu” (Mt 9.9). 

Agradou a Deus, que opera todas as coisas de acordo com o conselho da sua vontade, dar a Mateus um vislumbre salvador da excelência de Jesus; a graça caiu do céu no coração de Mateus e o transformou. Ele sentiu o aroma da Rosa de Sarom. O que significava o mundo agora para ele? Mateus não se importava mais com os lucros, os prazeres e os louvores do mundo. Em Cristo, ele viu aquilo que é mais agradável e melhor do que todas essas coisas do mundo. Mateus se levantou e seguiu a Jesus. 

Aprendamos que uma simples palavra pode ser abençoadora à salvação de almas preciosas. Freqüentemente, somos tentados a pensar que tem de haver algum argumento profundo e lógico, para trazer as pessoas a Cristo. Na maioria das vezes, colocamos nossa confiança em palavras altissonantes. No entanto, a simples exposição de Cristo aplicada ao coração pelo Espírito Santo vivifica, ilumina e salva. “Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz o SENHOR dos Exércitos” (Zc 4.6). Se o Espírito age nas pessoas, estas simples palavras: “Segue a Jesus”, faladas em amor, podem ser abençoadas e salvar todos os ouvintes. 

Aprendamos a tributar todo o louvor e glória de nossa salvação à graça soberana, eficaz e gratuita de Jeová. Um falecido teólogo disse: “Deus ficou tão irado por Herodes não lhe haver dado glória, que o anjo do Senhor feriu imediatamente a Herodes, que teve uma morte horrível. Ele foi comido por vermes e expirou. Ora, se é pecaminoso um homem tomar para si mesmo a glória de uma graça tal como a eloqüência, quão mais pecaminoso é um homem tomar para si a glória da graça divina, a própria imagem de Deus, que é o dom mais glorioso, excelente e precioso de Deus?” Quantas vezes o apóstolo Paulo insiste, em Efésios 1, que somos salvos pela graça imerecida e gratuita? E como João atribui toda a glória da salvação à graça gratuita do Senhor Jesus — “Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados... a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!” (Ap 1.5, 6). 

Quão solenes foram as palavras de Jonathan Edwards, em sua obra Personal Narrative (Narrativa Pessoal)! “A absoluta soberania e graça gratuita de Deus, em demonstrar misericórdia àquele para quem Ele quer expressar misericórdia, e a absoluta dependência do homem quanto às operações do Espírito Santo têm sido para mim, freqüentemente, doutrinas gloriosas e agradáveis. Estas doutrinas têm sido o meu grande deleite. A soberania de Deus parece-me uma enorme parte de sua glória. Tenho sentido deleite constante em aproximar-me de Deus e adorá-Lo como um Deus soberano, rogando-Lhe misericórdia soberana”.

Robert Murray McCheyne


A importância do lar na conversão dos filhos


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Meu pai, pastor batista, nunca deixou de compartilhar o evangelho; minha mãe sempre conversava comigo sobre o evangelho; nossa igreja nunca deixou de proclamar o evangelho. Eu já tinha ouvido a mensagem da cruz tantas vezes que, quando a professora começou a repeti-la naquele domingo, a história mais me parecia um par de sapatos velhos, muito confortável, mas comum.

Apesar disso, havia alguma coisa especial naquela mensagem; o Espírito Santo iniciou sua obra em meu coração. Sem mais nem menos, algo mudou. Percebi de maneira completamente nova que a cruz tinha a ver com o meu pecado, e que aquela história bastante conhecida exigia uma resposta. Fiquei desarmado, convencido de que era pecador. Passei o resto do dia imaginando Jesus pregado na cruz, morrendo e sendo sacrificado em pagamento pelo que eu tinha feito. Lembro-me vividamente de que, naquela noite, deitado na cama, fiz uma oração simples, como só uma criança sabe fazer, e pedi que Deus perdoasse meus pecados. Não foi a maior confissão que o mundo já ouviu. Também não foi perfeita do ponto de vista da teologia nem precisa do ponto da vista da soteriologia. Mas foi obra do Espírito Santo, que de modo gentil e persuasivo levou a mim, um garoto de seis anos, à cruz do Salvador. 

Penso carinhosamente naquele domingo como o dia em que nasci de novo, pelo poder do Espírito Santo que trabalhou em minha vida por meio da proclamação do evangelho. Quando reflito naquele dia, não posso deixar de reconhecer que dois grupos de pessoas foram vitais em minha conversão e subsequente discipulado: meus pais e a igreja local.

O plano de Deus é que haja uma bela parceria entre o lar e a igreja local. Na verdade, a intenção de Deus é que o lar cristão seja um microcosmo do corpo de Cristo. Como George Whitefield disse: “Cada lar... uma pequena igreja, cada pai um sacerdote, cada família um rebanho...”.

No entanto, é raro ver na história mundial o lar cristão funcionando, ainda que remotamente, como uma pequena igreja. Quando me lembro dos amigos de infância que participavam da escola dominical comigo, vejo que muitos não tiveram a bênção de ser discipulados por seus pais. Poucos deles são ativos na igreja hoje.

Ted Thompson