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Disjunções arminianas injustificadas

“Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem.” (Marcos 10.9)
Na tentativa de manter a coerência do sistema, o arminianismo é obrigado a criar algumas diferenciações artificiais em seus elementos e que carecem de fundamentação nas escrituras. Algumas são defendidas conscientemente, outras afloram quando um ponto em questão é pressionado. Em todo caso, mostram como o sistema padece de robustez, em consequência de negar doutrinas que lhe parecem desagradáveis. Vejamos três casos em que disjunções aparecem, embora vários outros pudessem ser elencados.

Introduzem discórdia de propósitos na Trindade

O primeiro e talvez o mais evidente deles tem a ver com os propósitos das pessoas da Trindade na obra da salvação. No arminianismo, o Pai decidiu salvar apenas os eleitos [1], ou seja, aquelas pessoas que Ele previu que iriam crer e perseverar [2]. Já o propósito do Filho é remir todas as pessoas sem exceção [3], daí Sua morte ter abrangência universal. Ora, se o propósito do Pai é salvar apenas os que creem e o propósito da morte do Filho é expiar o pecado de todas as pessoas indiscriminadamente, então a vontade do Filho está dissociada da vontade do Pai. Jesus morreu por pessoas a quem Deus não pretendia salvar e às quais o Espírito Santo não aplica os benefícios da morte do Filho.

Em toda a Escritura a salvação é obra da Trindade e as três pessoas estão em perfeita harmonia quanto ao escopo da salvação. Não vemos Deus elegendo alguns e não outros, ao passo que Jesus morre vicariamente no lugar de toda a humanidade e o Espírito converte apenas uma parte dos que Jesus remiu. Pelo contrário, na Bíblia aqueles que o Pai predestinou são exatamente os mesmos que o Filho resgatou e aos quais o Espírito chama e regenera.

Dividem a obra sacerdotal de Cristo

No seu primeiro discurso na universidade de Lyden, Armínio escolhe como tema a obra sacerdotal de Cristo. No seu discurso ele promove uma disjunção entre a tarefa sacrificial e a tarefa intercessória de Jesus, afirmando que Jesus morreu por todos, mas intercede apenas pelos crentes [4]. O motivo dessa mudança de escopo é que se Jesus intercedesse por todos e cada um daqueles por quem morreu, todo mundo seria inevitavelmente salvo, posto que nenhuma oração do Filho deixa de ser atendida pelo Pai [5]. Subjaz nesse motivo a diferença na eficácia da morte e da oração de Jesus, pois a primeira não é em si mesmo eficaz para salvar (carece de algo externo à morte de Jesus), enquanto que a oração tem eficácia absoluta.

O sistema sacrificial do Antigo Testamento indica claramente que o sacerdote intercedia pelas mesmas pessoas em favor de quem foi oferecido o sacrifício. E o Novo Testamento reforça que Jesus intercede por quem Ele morreu, e vice-versa. Separar Sua morte sacrifical de Sua oração sacerdotal não é bíblico e implica que o Pai rejeitaria àqueles por quem Jesus ofereceu Sua vida, mas não as rejeitaria se tão somente Jesus oferecesse uma oração em favor delas. A ruptura arminiana da obra de Cristo faz com que Sua oração seja mais aceitável diante de Deus que Seu sofrimento.

Distinguem salvos e eleitos

Uma terceira distinção artificial que o arminiano é levado a fazer é criar duas classes de salvos. Ele é forçado a isso para poder sustentar que um salvo pode vir a perder a salvação sem com isso comprometer a infalibilidade da presciência divina. Se Deus anteviu a fé de alguns e os elegeu baseado nela, não pode estar errado quanto a eles serem salvos e, portanto, todos os eleitos seriam infalivelmente salvos. Isto implicaria que a doutrina da segurança eterna é verdadeira, o que a maioria dos arminianos não está disposta a admitir. A saída encontrada é dizer que nem todo salvo é eleito, criando duas classes de crentes, uma de meros salvos e outra de salvos eleitos, sendo que aqueles, por fim, serão condenados [6]. Por implicação, a eleição de ninguém pode ser confirmada nesta vida, exceto na mente de Deus.

É quase desnecessário dizer que a Escritura desconhece completamente essa distinção. Em toda a Bíblia os eleitos serão levados à fé e serão salvos e os salvos são aqueles que foram eleitos. Existe completa identidade entre salvos e eleitos, a distinção é extrabíblica e artificial. Não existe nenhuma insinuação escriturística de que um crente possa ser um salvo não eleito. Pelo contrário, quando ela afirma a eleição de alguém, afirma sua salvação, e vice-versa. E a eleição pessoal não apenas pode ser confirmada em vida, como os crentes são instados a confirmarem-na pessoalmente.

Conclusão

Convém considerarmos, em conclusão, a necessidade dessas disjunções artificiais. Dissemos que o arminianismo é obrigado a essas divisões como artifício para fugir de declarações bíblicas e suas implicações lógicas. Para não ser acusado de universalismo ao rejeitar a redenção definida, é forçado a manter que as vontades do Pai e do Filho diferem entre si quanto aos objetos da eleição e da expiação. Frente à afirmação bíblica de que o Pai sempre ouve o Filho, que morre em favor de todos, é levado a afirmar que Jesus não intercede por todos aqueles por quem morre. E para poder continuar sustentando que alguém comprado pelo sangue de Jesus, regenerado pelo Espírito Santo e guardado pelo poder do Pai, ainda assim pode vir a perder a salvação, tem que introduzir a estranha afirmação de que todo eleito é salvo, mas nem todo salvo é eleito.

Tão mais simples e bíblico seria afirmar que Jesus morreu com o propósito de salvar infalivelmente a todos que o Pai elegeu e ninguém mais, os quais serão levados à fé pela obra do Espírito, os quais serão guardados até o fim pela Trindade Santa.

Notas

[1] “Deus decretou salvar e condenar certas pessoas em particular” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 227)

[2] “Este decreto tem o seu embasamento na presciência de Deus, pela qual Ele sabe, desde toda a eternidade, que tais indivíduos, por meio de sua graça preventiva, creriam, e por sua graça subsequente perseverariam, de acordo com a administração previamente descrita dos meios que são adequados e apropriados para a conversão e a fé” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 227).

[3] “O preço da morte de Cristo foi pago por todos e por cada um” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 288)

[4] “Mas Cristo é descrito como intercedendo pelos fiéis, e excluindo o mundo, porque, depois que havia oferecido um sacrifício suficiente para remover os pecados de toda a humanidade, foi consagrado como ‘um grande sacerdote sobre a casa de Deus’ (Hb 10.21)” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 43).

[5] "Dessa circunstância, podemos concluir, com a maior certeza, que as orações dEle nunca serão rejeitadas" (Armínio, Obras, vol. 1, p. 43).

[6] “Os cristãos fiéis e os eleitos não são corretamente interpretados como sendo as mesmas pessoas.” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 350). Convém considerar, porém, que mais tarde, Armínio parece defender que “a fé é peculiar ao eleito” (idem, p.255), embora arminianos modernos mantenham a distinção.

A resposta de Armínio ao artigo "Cristo morreu por todos os homens"

Na sua resposta a artigos difamatórios, Armínio responde ao um que lhe é atribuído: "Cristo morreu por todos os homens, e por cada indivíduo".

Sua resposta começa com uma negativa, a de que nunca fez tal afirmação, "quer em público, quer em particular, exceto quando a acompanhei de uma explicação", qual seja, a de que se por ela se pretende dizer que “o preço da morte de Cristo foi pago por todos e por cada um” ele concorda, mas se a ideia é a de que “a redenção que foi obtida por aquele preço é aplicada e transmitida a todos os homens e a cada um”, então ela a desaprova inteiramente.

Em seguida ele diz que se alguém discordar da primeira afirmação, que dê um jeito de responder às passagens (1Jo 2:2; Jo 1:29; Jo 7:51; Rm 14:15 e 2Pe 2:1,3) que "declaram que Cristo morreu por todos os homens". Segundo ele, tudo é uma questão de interpretação, de falar usando os termos que a Bíblia usa. De minha parte, eu acredito que há boas explicações para essas passagens, sem implicar a chamada expiação ilimitada. Mas por ora vamos focar na resposta Armínio.

Primeiro, como faz em grande parte dos artigos, Armínio procura se esquivar, negando ter declarado isso a seco, embora seja exatamente isso que defenda. Dada a sua concordância com ele, ressalvada a explicação dada, o mesmo nem mesmo pode ser chamado de difamatório. 

Em seguida, ele também se esquiva ao assumir uma das duas posições e pedir que os que discordam dela que se virem com as passagens que parecem apoiá-la, ao invés de mostrar, pelas Escrituras, como a primeira posição não implica a segunda. Ele diz que “o preço da morte de Cristo foi pago por todos e por cada um” e que por esse preço pago e recebido se obtém a redenção, mas mesmo assim, "somente os fiéis participariam dessa redenção". Ou seja, a morte de Cristo não é em si eficaz, ele precisa ser tornada eficaz por um outro ato, este realizado pelo homem.

Além disso, a posição assumida é incoerente. Segundo o arminianismo, Deus previu desde a eternidade quem iria crer, ou seja, quais indivíduos seriam os fiéis que participariam dessa redenção e, por implicação, os indivíduos que não creriam.  Mesmo sabendo disso, Deus designou que Seu Filho pagasse o preço da redenção daqueles que Ele sabia que não seriam redimidos de forma alguma. Tal ideia depõe contra a sabedoria divina.

Outra implicação é a de que, como Cristo pagou e o Pai recebeu o preço de redenção de quem não será salvo, pessoas cuja penalidade pelo pecado foi paga irão para o inferno. No inferno haverá pessoas por quem Cristo pagou plenamente o preço devido à salvação delas! Isso significa que para tais pessoas o sacrifício de Cristo foi em si mesmo em vão, pois nem a obra do Filho e nem a vontade do Pai juntas foram capazes de tornar o sacrifício válido para elas.

Soli Deo Gloria

Os benefícios da Mediação de Cristo

57. Quais são os benefícios que Cristo adquiriu pela sua mediação? 

Cristo, pela sua mediação, adquiriu a redenção, juntamente com todos os mais benefícios do pacto da graça. 

Hb 9:12; 1Co 1:20. 

58. Como nos tornamos participantes dos benefícios que Cristo adquiriu? 

Tornamo-nos participantes dos benefícios que Cristo adquiriu, pela aplicação deles, a nós, que é especialmente a obra do Espírito Santo. 

Jo 1:12; Tt 3:5-6; Jo 16:14-15. 

59. Quem são feitos participantes da redenção mediante Cristo? 

A redenção é aplicada e eficazmente comunicada a todos aqueles para quem Cristo a adquiriu, os quais são nesta vida habilitados pelo Espírito Santo a crer em Cristo conforme o Evangelho. 

Jo 6:37,39; 10:15-16; Ef 2:8; Jo 3:5. 

60. Poderão ser salvos por viver segundo a luz da natureza aqueles que nunca ouviram o Evangelho e por conseguinte não conhecem a Jesus Cristo, nem nEle creem? 

Aqueles que nunca ouviram o Evangelho e não conhecem a Jesus Cristo, nem nEle creem, não poderão se salvar, por mais diligentes que sejam em conformar as suas vidas à luz da natureza, ou às leis da religião que professam; nem há salvação em nenhum outro, senão em Cristo, que é o único Salvador do seu corpo, a Igreja. 

Rm 10:14; 2Ts 1:8-9; Ef 2:12: Jo 3:18; 8:24; 1Co 1:21; Rm 3:20; 2:14-15; Jo 4:22: At 4:12; Ef 5:23. 

Catecismo Maior de Westminster
Semana 17

Os Pais da Igreja e a Expiação

Na tentativa de evitar a doutrina reformada da expiação limitada, ou da redenção eficaz, sem parecer que estão negando o ensino histórico da igreja, os arminianos recorrem aos chamados Pais da Igreja, aqueles que lideraram a igreja nos primeiros séculos depois dos apóstolos. É um recurso válido recorrer aos antigos, mas nem sempre é seguro e nunca é decisivo. Quero apresentar três razões para isso, aplicando ao caso da doutrina da expiação realizada por Cristo.

A primeira delas é que antiguidade não significa necessariamente ortodoxia. Provam isso heresias como gnosticismo que acometeu a igreja ainda na sua infância e que deixou sequelas que duram até hoje. Quando lemos o Novo Testamento e em seguida os escritos dos chamados pais apostólicos é impossível não perceber as diferenças. Embora citem Paulo e os demais apóstolos em profusão, percebemos que pelo menos a ênfase fui mudada. E práticas simples foram corrompidas por superstições no mínimo bizarras, como os rituais de exorcismo antes do batismo. Por isso, nem tudo que os Pais da Igreja fizeram e ensinaram deve ser aceito sob a premissa de que eles as receberam diretamente dos apóstolos e as conservaram inalteradas.

Os Pais da Igreja não desenvolveram uma doutrina ou teoria da expiação e o fato é que a posição de muitos deles permanece indeterminada. Até os dias de Anselmo, os pais da igreja não se preocuparam em apresentar um entendimento sistematizado da expiação . Suas referências à morte de Cristo se dão num contexto devocional, usando a linguagem da escritura, sem se preocupar em comentar e menos ainda oferecer uma explicação para os textos citados. 

Quando os Pais Apologistas mencionavam a morte de Cristo, sua ênfase era apresentá-la como cumprimento das profecias do Antigos Testamento. Já o interesse de Clemente de Roma era ético e prático. Pela Sua morte, Cristo nos deu um grande exemplo a ser seguido de humildade e deve nos constranger à gratidão a Deus, ao amor ao próximo e ao auto sacrifício. A apresentação de aspectos doutrinários da morte de Jesus era feito de forma débil e não era livre de distorções. A questão da extensão da expiação jamais foi levantada por eles. Afirmar que defenderam a expiação universal é impor a eles uma conclusão a que não chegaram, simplesmente por não refletirem sobre.

Os Pais da Igreja criam numa teoria fantasiosa da expiação. Mesmo não tendo elaborado um entendimento estruturado sobre a doutrina da expiação, e talvez por causa disso, os Pais da Igreja adotaram uma teoria muito estranha sobre a morte de Cristo. Esta teoria assume que por causa do pecado de Adão Satanás tinha o direito e a posse sobre os homens e que para libertá-los Deus deveria pagar uma indenização ao Diabo. 

Uma variação dessa teoria dizia que Deus enganou o Diabo, pois sua humanidade era uma isca e sua divindade um anzol. A implicação clara de Deus usar de um engodo foi justificada pelos pais com a explicação de que Satanás merecia ser enganado. Esta visão da expiação, em suas variações e nuanças, perdurou na igreja até os dias de Anselmo.

Como podemos ver, apelar aos antigos Pais para decidir a respeito de questões teológicas que foram desenvolvidas posteriormente pode não ser a melhor saída. Nenhum deles elaborou um sistema completo. Não se trata de desprezar seus ensinos ou ignorar seus exemplos de fé, e sim de compreendermos o contexto em que viveram e não esperar mais de suas obras do que eles pretendiam com elas.

Soli Deo Glória

Quem é atraído pela cruz de Cristo?

A extensão da expiação é um dos temas mais debatidos pelos interessados em teologia. Duas posições são defendidas fervorosamente, uma delas afirmando que Jesus morreu para tornar possível a salvação do mundo inteiro e outra que Jesus morreu para tornar certa a salvação dos eleitos somente. O texto acima geralmente é apresentado contra esta última posição, com a suposição de que todos significa "todas as pessoas do mundo, sem exceção".

Consideremos, primeiro, quem está falando. O início do verso 30, "Então, explicou Jesus", deixa claro que o "eu" e "a mim mesmo" do versículo se referem a Jesus. Os pronomes eu e mim são enfáticos, uma vez que a forma verbal indica o sujeito e torna dispensável o uso de pronomes. Certamente a intenção de Jesus é fazer um forte contraste entre a Sua pessoa e o "príncipe deste mundo" mencionado no verso anterior, e que seria expulso pela Sua morte.

Para saber com quem Jesus estava falando, precisamos recorrer ao contexto. Voltando para o versículo 20 lemos que “entre os que subiram para adorar durante a festa, havia alguns gregos; estes, pois, se dirigiram a Filipe, que era de Betsaida da Galileia, e lhe rogaram: Senhor, queremos ver Jesus” (Jo 12.20–21, RA). É importante destacar que esses gregos eram gentios e não judeus helenistas, nascidos na Diáspora. E foi no momento que estes estrangeiros foram apresentados a Jesus por André e Filipe que Jesus se referiu à Sua morte e aos resultados dela. É fundamental ter em mente que o discurso de Jesus foi provocado pela presença dos gregos e dirigido a um auditório misto, composto por judeus e gentios.

Estando claro quem diz e para quem o faz, podemos nos concentrar no que é dito. Jesus faz duas afirmações envolvendo Sua pessoa e vamos considera-las separadamente. Primeiramente Ele diz “e Eu, quando for levantado da terra”. Ser “levantado” é uma referência à sua morte, como o narrador interpreta as palavras de Jesus: “Isto dizia, significando de que gênero de morte estava para morrer” (João 12.33, RA). A mesma linguagem é utilizada em Jo 3:14. É interessante que a voz do verbo levantar é passiva, o que indica que neste caso Jesus não realiza, mas sofre a ação descrita. Convém observar, também, que a palavra “quando” é um advérbio condicional, que indica que a ação seguinte depende do evento ou ação descritos, e por isso o sentido é de “e se, no caso de”.

A declaração de Jesus que está no centro da controvérsia é “atrairei todos a mim mesmo”. O verbo atrair está na voz ativa, significando que é Jesus quem toma a iniciativa e realiza a ação e no modo indicativo, que é utilizado quando quem fala descreve uma ação como sendo real, em oposição a algo que é apenas possível, contingente ou intencional. Compare com a declaração do verso anterior, em que Jesus diz “...agora o seu príncipe será expulso” (João 12.31, RA). O mesmo modo verbal é utilizado, logo dizer que Jesus apenas tentará atrair as pessoas para Si, sem a certeza de que isto ocorrerá de fato, implica reconhecer que Ele apenas tentará expulsar a Satanás, uma vez que as duas coisas, a expulsão de um e a atração de outros são expressas da mesma maneira, e como resultados da mesma ação: a morte de Jesus.

Além disso, quando considerado teologicamente, o termo atrair implica mais que meramente exercer influência moral. Não é como se o Senhor se tornasse atraente na cruz, o pecador olhando-O ali fosse até Ele. Jesus já havia dito que “ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia” (João 6.44, RA), e a palavra traduzida por trazer e atrair é a mesma nos dois casos. O termo aponta tanto para o fato de que é Deus quem atrai como para a realidade de que o homem por si mesmo não pode ir a Cristo. Mais, indica que o homem resiste a esta atração divina, contudo o Senhor vence esta resistência em seus escolhidos. Em vários lugares encontramos indicações de que esta atração não é passiva, pelo contrário, é ativa e poderosa. Os autores bíblicos utilizam-se dela para descrever o puxar redes cheia de grandes peixes (João 21:6,11), o arrastar pessoas ao tribunal (Atos 16:19; Tg 2:6) e o sacar uma espada da bainha (João 18:10).

Mas se considerarmos que essa atração é tanto iniciativa de Deus quanto invencível, como evitar a conclusão de que todas as pessoas serão salvas, uma vez que Jesus diz que atrairá a todos? Chegamos ao cerne do problema. A saída fácil é ignorar o que foi dito até agora e fazer do Crucificado apenas atraente e não Aquele que por Sua morte efetivamente atrai aqueles por quem deu a vida e salva de fato. Nem sempre o caminho fácil e agradável é o correto a seguir.

Examinemos com atenção a expressão todos. Notemos, inicialmente, que “pessoas” ou “homens” não constam do original, como aparece em algumas traduções, e inclusive há quem sugira que o termo se refira a todas as coisas, tudo. Portanto, se a palavra todos for tomada em sentido absoluto, forçosamente teremos que incluir os anjos caídos e os seres inferiores como objetos da atração de Cristo. Ou seja, algum tipo de limitação não expressa é admitida mesmo por universalistas.

O Novo Testamento apresenta diversos lugares em que a palavra todos não pode significar todos os indivíduos sem exceção.  Por exemplo, quando se diz que “ia ter com ele Jerusalém, e toda a Judéia, e toda a província adjacente ao Jordão” (Mt 3:5, RA) e “toda aquela cidade saiu ao encontro de Jesus” (Mt 8:34, RA), obviamente as cidades citadas não ficaram abandonadas enquanto cada homem, mulher e criança iam ver João Batista e Jesus. O mesmo quando lemos que “toda a cidade se ajuntou à porta” (Mc 1:33, RA). E quando Jesus diz que “todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores" (Jo 10:8, RA) não pode significar, por exemplo, que Abraão, Jó e Daniel eram assaltantes. Por falar em Abraão, quando seu servo partiu “levando consigo de todos os bens dele” (Gn 24:10, RA), é claro que não deixou Abraão na miséria e a promessa de Joel, “derramarei o meu Espírito sobre toda a carne” (Jl 2:28, RA), não implica que cada indivíduo sobre a terra é batizado com o Espírito. Quando lemos que Jesus percorria a Judéia “curando todas as enfermidades” (Mt 4:23, RA) devemos lembrar que houve lugar em que “não fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles” (Mateus 13.58, RA). Assim também, quando lemos que os discípulos “tendo partido, pregaram em toda parte” (Mc 16:20, RA), não devemos pensar que pregaram em todos os lugares do mundo, mas em toda parte a que foram. Em cada caso, o contexto nos esclarece quando todos significa todos sem exceção, a maior parte, todos os tipos e classes, etc.

Agora podemos voltar a falar do contexto em que a declaração de Jesus está inserida. Lembramos que o Seu discurso foi feito na presença e motivado pelos não judeus que queriam vê-lo. Portanto, o todos significa que não apenas judeus, mas também gentios seriam atraídos, ou seja, todos sem distinção e não todos sem exceção. Vemos isso de forma recorrente no quarto evangelho. A salvação não depende de laços familiares ou de raça (1:13; 8:31-59), Jesus é o Salvador não apenas dos judeus, mas também dos samaritanos e em consequência, do mundo (4:42), Ele tem outras ovelhas que não são do redil dos judeus, mas do mundo gentio (10:16), morrerá não só pela nação, mas para reunir num só os filhos de Deus que estão dispersos (11:51). Entendemos, então, que por todos o Senhor estava dizendo “não apenas os judeus, mas também os gentios”.

É o que também entende a maioria dos comentaristas e eruditos. Robertson diz que todos “não significa cada homem individual, pois alguns, como Simeão disse (Lc 2:34) são repelidos por Cristo”. Bartley diz que a expressão é uma “referência ao alcance universal do evangelho, que inclui os gentios”. Wiersbie afirma que "Cristo menciona os gentios quando fala em ser "levantado" na cruz. Em Mateus 10:5 e 15:24, Cristo ensinou seus discípulos a evitarem os gentios; todavia, agora ele diz que os gentios também serão salvos pela cruz. (...) Cristo tinha que ser levantado para que 'todos' (v. 32, judeus e gentios) fossem atraídos a Ele. Isso não significa todas as pessoas, sem exceção, mas todas as pessoas, independente da raça". Para Hernandez, todos significa “tanto gregos (ali presentes, v. 20) como judeus, como pessoas de todo povo e nação. Isto enfatiza a composição multinacional e racial do povo de Deus”. Lembrando que “um momento antes os gregos pediram para ver Jesus”, Hendriksen, diz que “Jesus promete atrair a todos os homens a si mesmo. Este todos os homens, neste contexto que coloca gregos junto aos judeus, deve significa homens de toda nação”, acrescentando que “estes gregos representam as nações – os eleitos de todas as nações – que chegariam a aceitar a Cristo com fé viva, através da graça soberana de Deus”. Matthew Henry também diz que “o grande desígnio do Senhor Jesus é atrair a si todos os homens, não só os judeus, mas também os gentios de toda raça, língua, nação e povo”. Luiz Palau também entende que “a cruz é como um ímã ao qual tanto judeus como gentios são atraídos”. Walvoord, interpretando o ser atraído como ser salvo, afirma que “aqueles que serão salvos não virão apenas dos judeus, mas também de toda tribo, língua, linhagem e nação (Ap 5:9)”. Cabal é firme ao declarar que “isto não é universalismo (salvar a todos), mas o evangelho é oferecido a todos sem distinção – atraindo pessoas de todos os tipos para Si mesmo”. Finalmente, para Dockery, todos significa “todas as pessoas sem distinção de sexo, raça, posição social ou nacionalidade”.

Concluindo, a interpretação de que Cristo atrai redentivamente todos os homens a si mesmo, a menos que se advogue o universalismo, impõe que a atração referida por Cristo seja meramente potencial, e não real. Longe de glorificar a Deus e exaltar a obra de Seu Filho na cruz, tal tentativa acaba por anular a eficácia intrínseca de Seu sacrifício, fazendo-a depender, ao final, da vontade do homem e não da intenção divina.

Soli Deo Gloria

Eis o Cordeiro!

Apesar de todos os crentes reconhecerem a centralidade da cruz para a sua fé, poucos tem dedicado algum esforço em compreender a natureza e os benefícios da expiação para suas vidas. Muitos cantam “Sim, eu amo a mensagem da cruz!”, sem se dar conta do conteúdo dessa mensagem. O versículo acima nos ajudará a compreender melhor a finalidade e os resultados da morte de Cristo. Ela também pode lançar luz a respeito de para benefício de quem ela foi designada na eternidade e realizada na história.

"Eis"

Esta é a resposta divina à pergunta do angustiado Isaque: "onde está o cordeiro para o holocausto?" (Gn 22:7). Um cordeiro era necessário, pois o homem havia ofendido o Senhor com seu pecado e a justiça divina requeria uma satisfação. Mas se faltava um cordeiro, então Isaque teria que ser imolado sobre o altar. Se Jesus não viesse, o homem teria que pagar a dívida para com Deus, e sendo essa dívida impagável, ele sofreria eternamente no inferno. Por isso o "eis" de João Batista é a melhor notícia que o homem poderia receber.

"O Cordeiro de Deus"

Para entendermos a profundidade dessa expressão precisamos voltar até aos dias do cativeiro de Israel no Egito, quando Deus lhes ordenou "Aos dez deste mês, cada um tomará para si um cordeiro, segundo a casa dos pais, um cordeiro para cada família. Mas, se a família for pequena para um cordeiro, então, convidará ele o seu vizinho mais próximo, conforme o número das almas; conforme o que cada um puder comer, por aí calculareis quantos bastem para o cordeiro. O cordeiro será sem defeito, macho de um ano; podereis tomar um cordeiro ou um cabrito; e o guardareis até ao décimo quarto dia deste mês, e todo o ajuntamento da congregação de Israel o imolará no crepúsculo da tarde. Tomarão do sangue e o porão em ambas as ombreiras e na verga da porta, nas casas em que o comerem; naquela noite, comerão a carne assada no fogo; com pães asmos e ervas amargas a comerão (...) Porque, naquela noite, passarei pela terra do Egito e ferirei na terra do Egito todos os primogênitos, desde os homens até aos animais; executarei juízo sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor. O sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes; quando eu vir o sangue, passarei por vós, e não haverá entre vós praga destruidora, quando eu ferir a terra do Egito" (Ex 12:3-8;12-13). O pai de família deveria escolher o seu cordeiro, cujo sangue daria proteção aos membros de sua família. Jesus não é apenas um cordeiro pascal, mas o "Cordeiro de Deus", o Seu escolhido, o que morreria para com Seu sangue, livrar da morte os integrantes da família de Deus.

"Que tira o pecado"

Olhemos agora para o efeito da morte do Cordeiro. Ele "tira" o pecado. Tirar é "fazer sair, sacar, arrancar, extrair" (Dicionário Aurélio). No grego, tirar é airõ e traz a idéia de "levar embora, remover, afastar de alguém" (Strong) ou "carregar, levar para fora, levar embora" (Vine). Assim, o "remendo tira parte da veste" (Mt 9:16); "o reino de Deus vos será tirado" (Mt 24:43); Satanás "tira a palavra semeada neles" (Mc 4:15) e "não peço que os tires do mundo" (Jo 17:15); etc. O sangue do cordeiro foi eficaz para livrar da morte o primogênito dos israelitas. Imagine um jovem primogênito observando seu pai colocar o sangue nas ombreiras e na verga da porta. “Será suficiente? Funcionará?”, talvez se perguntasse. Quem sabe à noite não conseguisse pregar os olhos. Mas pela manhã, quando entre os egípcios “não havia casa em que não houvesse morto” (Ex 12:30), o sangue do cordeiro bastou “para que o exterminador não tocasse nos primogênitos dos israelitas” (Hb 11:28).

A expressão “que tira o pecado” aponta para a morte penal e substutiva do Cordeiro de Deus. A mesma palavra tirar é utilizada por Paulo para indicar que a dívida para com Deus foi cancelada na cruz, quando escreve “tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o [airõ] inteiramente, encravando-o na cruz” (Cl 2:14). Portanto, ao tirar o pecado, tornou sem dívida àqueles por quem foi sacrificado, daí a profecia de  Isaías de que “Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si” (Is 53:11).

"Do mundo"

Considerando o que foi dito acima, sobre a finalidade e o resultado da morte do cordeiro, cabe perguntar a extensão da palavra mundo. Se mundo aqui significa “toda a humanidade sem exceção”, então o pecado de “toda humanidade sem exceção” foi tirado, vale dizer, toda a humanidade está justificada diante de Deus. Para evitar essa conseqüência, deve-se solapar a eficiência da morte vicária do Cordeiro. Mas é mais provável que mundo se refira àqueles do mundo por quem Cristo morreu e então a doutrina da morte penal e substutiva de Cristo se mantenha em pé. O testemunho bíblico favorece essa última posição.

Começando pela primeira páscoa, vemos que o sangue do cordeiro foi designado para salvar todos e somente os primogênitos dos judeus e não de todos os moradores do Egito. Paulo ensina que “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (1Co 15:3) e que “Ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5:21). Que o nós nessa passagem não se refere a todos os homens sem exceção fica claro quando diz também “o qual se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso, segundo a vontade de nosso Deus e Pai” (Gl 1:4), contrapondo os crentes e o mundo. Considere ainda que a Tito referiu-se à obra de Cristo dizendo que Ele “a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2:14). 

Conclusão

Considerando que a morte de Cristo foi substutiva, que ela foi proveitosa no sentido que tirou o pecado daqueles porquem foi realizada e que a Palavra de Deus em inúmeras passagens restringe o efeito da morte de Cristo aos eleitos, devemos crer que Jesus não morreu pelos pecados de toda humanidade. Por outro lado, sendo a morte de Cristo eficaz pois alcança plenamente o resultado almejado, não devemos jamais ter medo de perecer, pois Ele já pagou por nós toda a nossa dívida.

Soli Deo Gloria

A satisfação por Cristo

Cremos que Jesus Cristo é um eterno Sumo Sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, o que Deus confirmou por juramento [l]. Perante seu Pai e para apaziguar-Lhe a ira, Ele se apresentou em nosso nome, por satisfação própria [2], sacrificando-se a si mesmo e derramando seu precioso sangue, para purificação dos nossos pecados [3], conforme os profetas predisseram [4].

Pois, está escrito que "o castigo que nos traz a paz estava sobre" o Filho de Deus e que "pelas suas pisaduras fomos sarados" [5]; "como cordeiro foi levado ao matadouro"; "foi contado com os transgressores" [6] (Isaías 53: 5,7,12); e como criminoso foi condenado por Pôncio Pilatos embora este o tivesse declarado inocente [7]. Assim, então, restituiu o que não tinha furtado (Salmo 69:4), e sofreu, "o justo pelos injustos" [8] (lPedro 3:18), tanto no seu corpo como na sua alma [9], de maneira que sentiu o terrível castigo que os nossos pecados mereceram. Assim "o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra" (Lucas 22:44). Ele "clamou em alta voz: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (Mateus 27:46) e padeceu tudo para a remissão dos nossos pecados.

Por isso, dizemos, com razão, junto com Paulo que não sabemos outra coisa, "senão Jesus Cristo, e este crucificado" (1Corlntios 2:2). Consideramos "tudo como perda por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus", nosso Senhor (Filipenses 3:8). Encontramos toda consolação em seus ferimentos e não precisamos buscar ou inventar qualquer outro meio para nos reconciliarmos com Deus, "porque com uma única oferta aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados", [10] (Hebreus 10:14). Por isso, o anjo de Deus O chamou Jesus, quer dizer: Salvador, porque ia salvar "o seu povo dos pecados deles" [11] (Mateus 1:21).

1 Sl 110:4; Hb 7:15-17. 2 Rm 4:25; Rm 5: 8-9; Rm 8:32; Gl 3:13; Cl 2:14; Hb 2:9,17; Hb 9:11-15. 3 At 2:23; Fp 2:8; 1Tm 1:15; Hb 9:22; 1Pe 1:18,19; 1Jo 1:7; Ap 7:14. 4 Lc 24:25-27; Rm 3:21; 1Co 15:3. 5 1Pe 2:24. 6 Mc 15:28. 7 Jo 18:38. 8 Rm 5:6. 9 Sl 22:15. 10 Hb 7:26-28; Hb 9:24-28. 11 Lc 1:31; At 4:12.

Confissão de Fé Belga
Artigo 21

Justificação: o efeito da redenção que é por Cristo

   “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3.24).  
Teólogos irão confundi-los, se você perguntar a eles. Devo tentar o máximo que posso para fazer a justificação clara e simples – até que uma criança a compreenda. Não há coisa alguma que possa ser tida como uma justificativa pelos homens na terra, exceto uma. A justificação, como sabem, é um termo forense – ele é sempre empregado no sentido legal. Um prisioneiro é trazido ao tribunal de justiça para ser julgado. Há somente uma forma pela qual esse prisioneiro pode ser justificado – ele deve ser achado sem culpa e então, se é assim achado, ele é justificado – isto é, é provado que ele é um homem justo. Se vocês o acharem culpado, não poderão justificá-lo. A Rainha pode perdoá-lo, mas ela não pode justificá-lo. As ações não são justificáveis, se ele é culpado em relação a elas – ele não pode ser justificado por conta delas. Ele pode ser perdoado. Mas a realeza, em si mesma, nunca poderá purificar o caráter desse homem. Ele permanece tanto como um criminoso, ao ser perdoado, quanto como o era antes. Não há outro meio, entre os homens, de justificar um homem de uma acusação que está posta contra ele, senão provando sua inocência. Ora, a grande maravilha é que, mesmo sendo provado que somos culpados, somos justificados. O veredito de culpa foi dito contra nós – e, contudo, somos justificados! Pode algum tribunal terreno fazer isto? Não. Restou para o Resgate de Cristo efetuar aquilo que é uma impossibilidade para qualquer tribunal sobre a Terra! Somos todos culpados. Leiam o versículo 23, que imediatamente precede o texto: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Ali, o veredito de culpa é estabelecido e, logo depois, é dito que somos justificados gratuitamente pela Sua Graça!

Agora, deixem-me explicar a forma pela qual Deus justifica o ímpio. Estou prestes a conjecturar um caso impossível. Um prisioneiro foi julgado e condenado à morte. Ele é um homem culpado. Ele não pode ser justificado, pois foi criminado. Mas, agora, imaginem por um momento que uma coisa tal como esta poderia acontecer: uma segunda parte foi introduzida, a qual poderia tomar toda a culpa daquele homem sobre ela! Uma parte que poderia, com efeito, trocar de lugar com aquele homem e, através de um misterioso processo que, é claro, é também impossível para os homens, tornar-se aquele homem. Ou tomar o caráter daquele homem sobre si. Ele, o reto, colocando o rebelde em seu lugar e fazendo dele um homem justo – não poderíamos fazer isso em nossas cortes. Se eu estivesse perante um tribunal e ele concordasse que eu deveria cumprir um ano de detenção, no lugar de algum miserável que foi condenado, ontem, a um ano de prisão, eu não poderia receber sua culpa! Eu poderia receber a sua punição, mas não sua culpa. Agora, o que carne e sangue não podem fazer, Jesus Cristo, pela Sua redenção, o fez. Aqui estou, pecadores. Declaro-Me agora como um representante de todos vocês. Estou condenado a morrer. Deus diz: “Condenarei tal homem, eu devo e vou – eu o punirei”. Cristo chega, põe-me de lado e se coloca em meu lugar. Quando é exigido o argumento, Cristo diz: “Culpado”. Ele toma minha culpa para ser a Sua própria! Quando a punição está para ser executada, Cristo surge. “Puna-me”, ele diz – “Eu imputei minha justiça a esse homem e tomei seus pecados sobre mim. Pai, puna-me e considere aquele homem como se tivesse sido eu. Que ele reine no Céu. Que eu sofra a miséria. Que eu suporte sua maldição e que ele receba minha bênção”

Esta maravilhosa Doutrina da troca de lugares, de Cristo com pobres pecadores, é a Doutrina da Revelação! Ela nunca poderia ter sido concebida pela Natureza! Deixem-me, para que não tenha cometido um erro, me explicar novamente. A maneira pela qual Deus salva um pecador não é, como alguns dizem, passar por cima da pena. Não! A pena foi paga. É a colocação de outra pessoa no lugar do rebelde. O rebelde deve morrer. Deus assim disse. Cristo diz: “Serei o Substituto do rebelde. Ele tomará meu lugar e eu tomarei o dele”. Deus consente com isto. Nenhum monarca terreno teria poder para assentir em tal mudança, mas o Deus do Céu tem o direito de fazer tudo o que lhe apraz! Em Sua infinita misericórdia ele consentiu com ao procedimento. “Filho do meu amor”, ele disse, “Deves ficar no lugar do pecador. Deves sofrer o que ele deveria ter sofrido. Deves ser contado como culpado assim como ele o foi. Somente então olharei para o pecador com outra visão. Olharei para ele como se fosse você. Eu o aceitarei como se ele fosse meu Filho Primogênito, cheio de Graça e de Verdade. Darei a ele uma coroa no Céu e o tomarei ao meu coração para todo o sempre”. Assim é que somos salvos. “Sendo justificados gratuitamente pela Sua Graça, pela Redenção que há em Cristo Jesus”.

E, agora, deixem-me ir além e explicar algumas das características desta justificação. Tão logo um pecador é justificado, lembrem-se, ele é justificado de todos os seus pecados. Aqui está um homem pecador. No momento em que crê em Cristo, ele recebe o perdão imediatamente e seus pecados não são mais dele. Eles são lançados nas profundezas do rio. Eles são colocados sobre os ombros de Cristo e se vão. O homem levanta-se sem pecado à vista de Deus, aceito no Amado. Vocês perguntam: “O quê? Você diz isto literalmente?” Sim, eu digo. Essa é a Justificação pela Fé. O homem deixa de ser considerado pela Justiça Divina como um ser culpado. No momento em que ele crê em Cristo, sua culpa é dele totalmente tirada. Mas vou um passo além. No momento em que o homem crê em Cristo, ele deixa de ser considerado culpado por Deus! E mais, ele se torna justo, meritório – no momento em que Cristo toma seus pecados, ele recebe a justiça de Cristo para que, quando Deus olhar para o pecador, o qual, uma hora atrás, estava morto em pecados, ele o olhe com o mesmo amor e afeição com que sempre viu Seu Filho! O próprio Cristo disse: “Como o Pai me amou, assim eu vos tenho amado”. Ele grandemente nos ama, assim como Seu Pai o amou! Vocês podem acreditar em uma Doutrina como essa? Não ultrapassa ela todo o pensamento? Bem, ela é a Doutrina do Espírito Santo, a Doutrina pela qual devemos esperar, a fim de sermos salvos. Posso, a qualquer pessoa não esclarecida, ilustrar melhor este pensamento? Transmitirei a ela a parábola que nos é dita nos Profetas – a parábola de Josué e o Sumo Sacerdote. Josué entra, vestido com vestes imundas – tais vestes representando os seus pecados. Tira as vestes sujas. Isso é perdão. Põe uma coroa em sua cabeça e o veste com um traje real – o faz rico e reto – isso é justificação. Mas, de onde vieram tais trajes? E, para onde vão esses trapos? Porque os trapos que Josué usava foram tomados por Cristo e as vestes colocadas nele são os trajes com que Cristo se vestia! O pecador e Cristo fazem exatamente como Jônatas e Davi fizeram. Jônatas coloca sua túnica sobre Davi e este dá a Jônatas suas vestes – da mesma forma, Cristo leva os nossos pecados, levamos a justiça de Cristo e é por uma gloriosa substituição e troca de lugares, que os pecadores são livres e são justificados pela Sua Graça!

“Mas”, alguém diz, “ninguém é justificado desta forma até que morra”. Acredite, ele é sim:

“No momento em que crê um pecador
E confia em seu Deus crucificado,
De uma vez recebe ele Seu perdão –
Por Seu sangue, é completa sua Salvação.”

Se aquele jovem ali tem realmente crido em Cristo esta manhã, percebendo, por uma experiência espiritual, o que tenho tentado descrever, ele é tão justificado aos olhos de Deus agora quanto o será quando estiver diante do Seu Trono! Nem mesmo os espíritos glorificados, nas alturas, são mais aceitáveis a Deus do que o pobre homem, abaixo deles, que outrora foi justificado pela Divina Graça! É uma perfeita lavagem, perfeito perdão, perfeita imputação – somos completa e gratuitamente aceitos através de Cristo, nosso Senhor! Somente mais uma palavra, aqui, e então deixarei este assunto da justificação. Aqueles que uma vez foram justificados, o são irreversivelmente. Assim que um pecador toma o lugar de Cristo e Cristo toma o seu lugar, não há temor para uma segunda mudança! Uma vez que Cristo pagou a dívida, a dívida foi paga e nunca será cobrada novamente! Se vocês são perdoados, o são de uma vez e para sempre! Deus não dá ao homem um perdão gratuito, sob Sua própria promessa e, então, mais tarde, se retrata e o pune – longe de Deus fazer tal coisa! Ele diz: “Puni a Cristo. Você pode ir livre”. E, depois disso, podemos “nos regozijar na esperança da glória de Cristo”, pois, “justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”.

E agora ouço alguém clamar: “Essa é uma Doutrina extraordinária!”. Bem, assim alguns podem pensar, mas, deixem-me dizer-lhes: ela é uma Doutrina professada por todas as igrejas Protestantes, embora eles não a preguem! Ela é a Doutrina da Igreja da Inglaterra, é a Doutrina de Lutero, é a Doutrina da Igreja Presbiteriana – ela é abertamente a Doutrina de todas as Igrejas Cristãs – e, se ela parece estranha aos seus ouvidos, é porque seus ouvidos são alienados, não porque ela é estranha! Ela é a Doutrina das Sagradas Escrituras, que ninguém pode condenar a quem Deus justifica e que ninguém pode acusar aqueles por quem Cristo morreu, pois eles estão totalmente livres do pecado! De modo que, como um dos Profetas tem dito, Deus não vê pecado em Jacó, nem iniquidade em Israel. No momento em que eles creem, sendo seus pecados imputados a Cristo, os pecados deixam de ser deles, a justiça de Cristo é a eles imputada e é contada como pertencente a eles, a fim de que, pela Graça de Deus, eles sejam aceitos!

Charles Spurgeon

A redenção que é por Cristo

Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Romanos 3.24).
A figura da redenção é muito simples e é de forma frequente utilizada nas Escrituras. Quando um prisioneiro é preso e feito escravo por um governo bárbaro, antes de ser libertado, é comum que um preço de resgate deva ser pago. Ora, nós, sendo, pela queda de Adão, inclinados para a culpabilidade e sendo, de fato, virtualmente culpados, fomos pelo irrepreensível julgamento de Deus deixados à vingança da Lei. Fomos dados às mãos da Justiça – Justiça que nos reivindicou para sermos seus escravos cativos para sempre – a menos que pagássemos um resgate que possibilitasse a redenção de nossas almas. Éramos, de fato, pobres como pequenas corujas e não tínhamos nada com que nos abençoar a nós mesmos. Éramos, como nosso hino tem dito, “devedores falidos”. Tudo o que tínhamos antes foi vendido. Fomos deixados nus, pobres e miseráveis e não podíamos, por meio algum, encontrar um resgate. Foi só então que Cristo entrou em cena, levantou-se como nosso Fiador e, no lugar de todos os crentes, pagou o preço do resgate para que fôssemos, naquele momento, libertados da maldição da Lei e livrados da vingança de Deus! Podemos, então, tomar nosso caminho, purificados, livres e justificados pelo Seu sangue!

Deixem que me esforce para mostrar-lhes algumas qualidades da Redenção que está em Cristo Jesus. Vocês se lembrarão da multidão que Ele redimiu. Não somente eu, nem somente vocês, mas “uma multidão que homem algum pode numerar”. Um número que excederá todas as estrelas do céu, como ultrapassará todas as contas mortais. Cristo comprou para si próprio alguns dentre cada reino, nação e língua sob o céu! Ele redimiu dentre os homens alguns de cada classe – do maior ao menor; alguns de cada cor – brancos ou negros; alguns de cada posição na sociedade – o melhor e o pior. Para homens de todos os tipos Cristo Jesus se deu como resgate, a fim de que fossem redimidos para Ele mesmo.

Ora, concernente a este Resgate, devemos observar que ele foi totalmente quitado, e de uma só vez. Quando Cristo redimiu Seu povo, Ele o fez de forma completa. Ele não deixou uma única dívida a ser paga, nem ainda um centavo para quitar mais tarde. Deus exigiu de Cristo o pagamento pelos pecados de todo o Seu povo. Cristo se levantou para pagar toda a dívida que seu povo devia, qualquer que fosse. O Sacrifício do Calvário não foi um pagamento parcial – não foi uma exoneração parcial; ele foi um pagamento completo e perfeito e obteve uma remissão completa e perfeita de cada débito de todos os cristãos – tanto dos que já viveram, os que vivem e os que viverão, até o fim dos tempos. Naquele dia, quando Cristo foi pendurado na cruz, Ele não deixou nem mesmo um centavo para que pagássemos, a fim de satisfazer a Deus. Ele não deixou nada que não tivesse satisfeito. Todas as exigências da Lei foram então, ali, pagas por Jeová Jesus, o grande Sumo Sacerdote de todo o Seu povo! E, bendito seja o Seu nome, Ele também pagou tudo de uma vez! Tão inestimável era o Resgate, tão esplêndido e magnífico era o preço exigido por nossas almas, que alguém poderia imaginar que seria maravilhoso se Cristo o tivesse pagado em prestações – uma parte agora e outra depois. As dívidas dos reis eram, algumas vezes, pagas desta forma, uma parte imediatamente e a outra em prestações, ao longo dos anos. Mas não foi assim com nosso Senhor – Ele se deu como Sacrifício uma vez por todas. De uma vez Ele pagou o preço e disse: “Está consumado”, não deixando nada para ser concluído depois, por nós ou por Ele mesmo. Ele não tagarelou um pagamento parcial e então declarou que viria novamente para morrer, ou que sofreria novamente, ou que obedeceria novamente. Mas, sobre os pregos, até o último centavo, o Resgate de todos os Seus eleitos foi pago e um recibo da dívida inteira foi dado a eles. Cristo cravou a cédula em Sua cruz e disse: “Está feito, está feito. Tenho tirado a cédula das ordenanças e a cravei na cruz. Quem é que condenará Meu povo, ou quem é que o acusará? Pois eu, como uma nuvem, apaguei suas transgressões e, como uma densa nuvem, os seus pecados!

E, quando Cristo pagou este Resgate, vocês notarão que Ele fez tudo sozinho! Ele era singular para este fim. Simão, o cireneu, poderia carregar a cruz, mas Simão, o cireneu, não poderia ser pregado nela. Aquele sagrado ciclo do Calvário foi guardado para Cristo somente. Havia dois ladrões com Ele ali, homens injustos, a fim de que ninguém pudesse dizer que a morte de dois justos ajudaram o Salvador. Dois ladrões foram pendurados ali com Ele, para que os homens pudessem ver que havia majestade em Sua miséria e que Ele podia perdoar homens e mostrá-los a Sua Soberania até mesmo enquanto morria! Não havia um justo sequer para sofrer. Nenhum discípulo participou de sua morte. Pedro não foi ali arrastado para ser decapitado. João não foi pregado na cruz lado a lado com Ele. Ele foi deixado ali sozinho! Ele diz: “Eu pisei o lagar sozinho. E não havia ninguém do povo comigo”. Toda a terrível culpa foi colocada sobre Seus ombros! Todo o peso dos pecados do Seu povo foi posto sobre Ele. Quando Cristo parecia cambalear sob esse peso – “Pai, se possível”. Mas, novamente endireitado – “Todavia, não a minha, mas a Tua vontade seja feita”. Toda a punição do Seu povo foi destilada em um cálice – nenhum lábio mortal poderia tomar dele mais do que um único gole. Quando Ele o levou a Seus próprios lábios, esse era tão amargo, que Ele esteve perto de rejeitá-lo. “Passe de mim este cálice”. Mas Seu amor pelo Seu povo era tão forte que ele o segurou em ambas as mãos e —

“Em uma espantosa síntese de amor
A aridez da condenação Ele tomou”

Por todo o Seu povo! Ele o tomou completamente, a tudo suportou, tudo sofreu – de modo que agora e para sempre não há chamas do Inferno para os eleitos, nem um mínimo tormento! Eles não possuem aflições eternas – Cristo sofreu tudo o que eles deveriam sofrer e, agora, eles devem e avançarão livres! Todo o trabalho foi inteiramente completado por Ele, sem o auxílio de ninguém!

E notem, novamente, que isso foi aceito. Na verdade, foi um Resgate considerável. O que poderia ser a ele igualado? Uma alma “profundamente triste até a morte”. Um corpo despedaçado pela tortura, uma morte do tipo mais desumano. E uma agonia de um caráter tal que lábio algum pode descrever, nem pode a mente humana imaginar seu horror! Foi um preço considerável. Mas, digam: ele foi aceito? Houveram preços pagos, algumas vezes, ou ainda propostos, que nunca foram aceitos pela parte a quem foram oferecidos e, portanto, o escravo não foi libertado. No entanto, este foi aceito. Mostrarei a vocês a evidência. Quando Cristo declarou que Ele pagaria a dívida de todo o Seu povo, Deus enviou um oficial para prendê-Lo, a fim de encaminhá-Lo para isso. O oficial o prendeu no Jardim do Getsêmani e, prendendo-O, ele O encaminhou ao tribunal de Pilatos, ao tribunal de Herodes e ao tribunal de Caifás – o pagamento foi feito e Cristo foi sepultado! Ele foi trancado ali em uma vil resistência até que o recebimento do pagamento fosse ratificado no Céu. Ele ali repousou, em seu túmulo, durante uma porção de três dias. Foi declarado que a aceitação seria assim: o Fiador seguiria Seu caminho assim que os compromissos da Sua fiança estivessem cumpridos. Agora, imaginem suas mentes o Cristo sepultado. Ele está no sepulcro. É verdade que Ele pagou toda a dívida, mas o recibo ainda não foi dado. Ele está adormecido naquele túmulo apertado. Preso com um selo em uma enorme pedra, ele dorme ainda em Seu sepulcro. Não foi ainda a aceitação dada por Deus. Os anjos ainda não desceram do céu para dizer: “O trabalho está cumprido. Deus aceitou Teu sacrifício”. Agora é a crise deste mundo! Ele está suspenso, trêmulo, na balança. Aceitará Deus o resgate, ou não? Veremos. Um anjo vem do céu com um colossal esplendor. Ele faz com que a pedra deslize de sua frente. E sai o Cativo, sem nenhuma algema em Suas mãos, com os trajes sepulcrais deixados para trás! Ele está livre, para nunca mais sofrer, nunca mais morrer. Agora —

“Se não tivesse Cristo pagado a dívida,
Ele nunca teria sido posto em liberdade”

Se Deus não aceitasse Seu sacrifício, Ele estaria no sepulcro neste momento! Ele nunca ressurgiria dos mortos! Mas Sua Ressurreição foi a garantia da Sua aceitação por Deus – Ele disse: “Eu tinha uma reclamação sobre você para este momento. Agora, ela está paga. Tome o Teu caminho”. E a Morte entregou o seu Cativo real, a pedra foi rolada para o jardim e o Vitorioso saiu, levando cativo o cativeiro!

E, além disso, Deus deu uma segunda prova de aceitação, pois Ele tomou novamente seu Filho Primogênito aos Céus e O colocou à Sua destra, muito acima de qualquer principado ou potestade! E isso significava dizer: “Sente-se no Trono, pois tendes feito o ato eficaz. Todos os Teus trabalhos e todas as Tuas misérias foram aceitos como o Resgate dos homens”. Ó meus amados, pensem que grandiosa visão deve ter sido quando Cristo ascendeu à Glória! Que nobre comprovação da aceitação de Seu Pai deve ter sido! Vocês não acham que veem a cena na terra? É muito simples. Alguns poucos discípulos estão em pé sobre uma colina e Cristo se eleva no ar lenta e solenemente, como se um anjo apressasse o seu caminho de forma suavemente gradual, como uma névoa exalada do lago até o céu. Vocês podem imaginar o que está acontecendo mais acima? Podem, por um momento, conceber como, quando o poderoso Conquistador adentrou pelas portas do Céu, os anjos O receberam —

“Trouxeram Sua carruagem do alto,
Para ao Seu Trono carregá-Lo,
Suas asas triunfantes bateram e clamaram:
‘Está feito o glorioso trabalho!’”

Vocês podem imaginar quão alto foram os aplausos quando Ele entrou pelas portas do Céu? Vocês podem conceber como os anjos se apertavam para observar, de seu voo, como Ele vinha conquistando? Podem ver Abraão, Isaque, Jacó e todos os santos remidos virem para contemplar ao Salvador e Senhor? Eles haviam desejado vê-Lo e, agora, seus olhos o contemplam em carne e sangue, Aquele que venceu a morte e o Inferno! Vocês podem vê-Lo, com o Inferno à roda dos Seus carros, com a Morte arrastada, como um cativo, pelas ruas reais do Céu? Ó, que espetáculo ali, naquele dia! Nenhum guerreiro romano jamais teve um triunfo tal! Ninguém jamais viu uma visão tão majestosa quanto aquela! A pompa de um universo inteiro, a realeza de toda a criação – querubins, serafins e todos os poderes criados – intensificaram aquela manifestação! E o próprio Deus, o Eterno, totalmente lhe coroou quando apertou Seu Filho ao peito e disse: “Muito bem! Muito bem! Tu terminou a obra que dei-Lhe a fazer. Aqui descanse para sempre, meu Único Aceito”. Ah, mas Ele nunca teria aquele triunfo se Ele não houvesse pago toda a dívida. A menos que Seu Pai tivesse aceito o Resgate, Ele nunca teria sido tão honrado! Mas, porque ele foi aceito, por isso Ele obteve tanta honra!

Charles Spurgeon

Está consumado!

"Está consumado"! Aquele que faz esse anúncio sobre a cruz é o Filho de Deus; foi Ele quem disse havia apenas um dia antes, em vista dessa consumação: "Eu te glorifiquei na terra, consuman­do a obra que me confiaste para fazer". Ele sabe o que está dizendo ao proferir isso; Ele é a "testemunha fiel e verdadeira". Suas pala­vras são verdadeiras e plenas de significado.

Ele faz esse anúncio diante do Pai, como se clamasse a Ele para confirmá-lo. Ele o faz diante do céu e da terra, diante dos homens e dos anjos, diante de judeus e gentios. Ele faz isso por nós. Ouçam, ó filhos dos homens! A obra que salva está concluída. A obra que justifica está feita.

A perfeição anunciada dessa forma é grandiosa e significa­tiva. É aquela pela qual todos os confins da terra se interessam. Tivesse ela sido deixada inacabada, que esperança haveria para o homem ou para a Terra do homem? Mas ela foi começada; levada a cabo e consumada; nenhuma falha se encontra nela; não lhe falta parte alguma; nem um "i" ou um "til" falhou. Ela é completamente perfeita.

Essa perfeição ou consumação nos proclama coisas como estas: a conclusão do propósito do Pai, a conclusão da expiação, a conclusão da obra justificadora, a perfeição do ato de levar o pecado e cumprir a lei, a perfeição da justiça, a perfeição da aliança e do selo da aliança. Tudo foi consumado, e consumado por Aquele que é o Filho do Homem e o Filho de Deus; consuma­do de modo perfeito e eterno; nada precisa ser acrescentado ou tirado dessa obra, seja pelo homem, por Satanás ou por Deus. O sepultamento do Substituto nada acrescenta a essa perfeição; a ressurreição não faz parte dessa obra justificadora. Tudo foi concluído na cruz.

Tudo está tão consumado que o pecador pode imediatamen­te utilizá-lo para ter perdão, descanso, aceitação e justificação. Permanecendo ao lado desse altar, onde o grandioso holocaus­to foi colocado e consumido a cinzas, o pecador sente que lhe foram dadas todas as bênçãos. E que aquilo que foi garantido pelo altar ignora o pecador simplesmente em virtude de ele ter tomado a sua posição diante do altar, identificando-se dessa maneira, com a vítima. Ali, o descontentamento divino contra o pecado exauriu a si mesmo; ali, a justiça foi obtida para o injusto; ali, o aroma suave do descanso está continuamente su­bindo de Deus; ali, a completa inundação do amor divino está sempre fluindo; ali, Deus encontra o pecador em Sua mais ple­na graça, sem reservas ou impedimento; ali, a paz que foi feita por meio do derramamento de sangue é encontrada pelo peca­dor; ali, a reconciliação é proclamada, e a voz que a proclama do altar chega até os confins da terra; ali, os embaixadores da paz tomam sua posição para cumprir sua missão diplomática, rogando aos filhos dos homens que estão perto e distante, di­zendo: Agora "somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus".

A ressurreição foi o selo grandioso e visível posto sobre essa perfeição. Ela foi a resposta do Pai ao clamor vindo da cruz: "Está consumado". Assim como no batismo Ele falou lá de Sua glória excelsa, dizendo: "Este é o meu Filho amado, em quem me com­prazo"; Ele também falou na ressurreição, não através de uma voz audível, mas dando, por meio dela, testemunho não apenas da ex­celência da Pessoa, mas também da perfeição da obra de Seu Filho Unigênito. A ressurreição nada acrescentou à propiciação feita na cruz; ela proclamou que ela já está consumada e é incapaz de ter um acréscimo ou uma perfeição maior.

A ascensão contribuiu para esse testemunho, principal­mente o fato de Ele se assentar à destra de Deus. "Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos peca­dos, ASSENTOU-SE à destra de Deus" (Hb 10.12). "Depois de ter feito a purificação dos pecados, ASSENTOU-SE à direita da Majestade, nas alturas" (Hb 1.3). A postura em pé dos antigos sacerdotes demonstrava que a obra deles era uma obra incom­pleta. O fato de o nosso Sumo sacerdote se assentar notifica a todo o céu que a obra está consumada, e que a "eterna redenção foi obtida". E aquilo que foi anunciado no céu foi proclamado na Terra por aqueles a quem Deus enviou, no poder do Espírito Santo, para contar aos homens as coisas que nem olhos viram e nem ouvidos ouviram.

Esse "assentar-se" continha o evangelho em si mesmo. A primeira nota desse evangelho ressoou em Belém, vinda da manjedoura onde o bebê foi posto; a última, veio do trono do céu, quando o Filho de Deus retornou, em triunfo, de Sua mis­são de graça na Terra e tomou o Seu lugar à destra da Majestade no céu.

Entre esses dois extremos, a manjedoura e o trono, quanta coisa está contida para nós! Todo o amor de Deus está ali. A su­prema riqueza da graça divina está ali. A plenitude do poder, da sabedoria e da justiça, que surgiu não para destruir, mas para salvar, está ali. Esses extremos são as duas paredes divisórias dessa maravilhosa despensa da qual devemos nos alimentar durante os tempos eternos.

Conhecemos um pouco do que está contido nessa casa do te­souro em alguma medida, mas o seu vasto conteúdo é imensurável e está além de toda a compreensão. A revelação eterna desse con­teúdo para nós será uma alegria perpétua. Além da excelência da herança, da beleza da cidade e da glória do reino, que nos levará a dizer: "Caem-me as divisas em lugares amenos", haverá em nos­so conhecimento sempre crescente das "insondáveis riquezas de Cristo", iluminação, renovação e satisfação, as quais, mesmo que todo o brilho exterior se desvanecesse, seriam suficientes para a nossa alma por todas as eras vindouras.

A presente glória de Cristo é a recompensa por Sua humi­lhação aqui. Porque Ele a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz, Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome. Ele usa a coroa de glória porque usou a coroa de espi­nhos. De caminho, bebe na torrente e passa de cabeça erguida (Sl 110.7).

Mas isso não é tudo. Essa glória à qual Ele é agora exaltado é o testemunho permanente, diante de todo o céu, de que Sua obra foi consumada na cruz. Ele disse: "Eu te glorifiquei na ter­ra, consumando a obra que me confiaste para fazer"; e depois ele acrescentou: "Agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo" (Jo 17.4,5).

Horatius Bonar

Satisfazendo ao Diabo

A noção de que foi o diabo que tornou a cruz necessária era geral na igreja primitiva. E certo que Jesus e seus apóstolos falaram acerca da cruz como um meio da derrota do diabo (como examinaremos em capítulo posterior). Mas alguns dos Pais primitivos foram extremamente imprudentes em seus modos de representar tanto o poder do diabo como a maneira pela qual a cruz o privou desse poder. Todos eles reconheciam que desde a Queda, e por causa dela, a humanidade esteve cativa não somente ao pecado e à culpa, mas também ao diabo. Pensavam nele como o senhor do pecado e da morte, e como o maior tirano de quem Jesus nos veio libertar.

Mas, tendo o benefício do passado, podemos dizer que cometeram três erros. Primeiro, concederam ao diabo mais poder do que ele possui. Embora o tenham retratado como rebelde, ladrão e usurpador, tiveram a tendência de falar como se ele tivesse adquirido certos "direitos" sobre o homem, os quais até o próprio Deus era obrigado a satisfazer de modo honrável. Gregório de Nazianzus, no quarto século, foi um dos poucos teólogos primitivos que vigorosamente repudiaram essa idéia. Ele a chamou de "ultraje".

Segundo, por causa dessa idéia tendiam a pensar na cruz como uma transação divina com o diabo; ela era o preço do resgate exigido pelo diabo. Este, mediante o que lhe seria pago de acordo com seus direitos, libertaria os seus cativos. Essa foi uma crença muito popular nos primeiros séculos da igreja.

Terceiro, alguns foram além e representaram a transação em termos de um embuste. Teologicamente, faziam um quadro do diabo como tendo ido longe demais. Embora em nosso caso, pecadores, ele tenha "o poder da morte" (Hebreus 2:14), ele não mantinha autoridade nenhuma sobre Jesus, que era sem pecado, e ao levá-lo à morte, derramou sangue inocente. Portanto, tendo assim abusado do seu poder, este lhe foi tirado. Alguns Pais acrescentam a esta altura que o diabo não sabia bem o que estava fazendo, ou por não ter reconhecido quem Jesus era ou, ao ver a Divindade em forma humana, pensasse que tinha uma oportunidade singular de sobrepujá-la. Mas ele foi enganado. Orígenes foi o primeiro a ensinar inequivocamente que a morte de Jesus foi tanto o preço do resgate pago ao diabo como o meio de seu engano e derrota. Gregório de Nissa, tímido erudito capadócio do quarto século, levou essas idéias um pouco mais longe em seu Grande Catecismo, ou Oração Catequética, usando imagens vividas:
Deus. . . a fim de garantir que o resgate em nosso favor pudesse ser facilmente aceito por ele (isto é, o diabo) que o exigia. . . estava oculto sob o véu de nossa natureza, para que, assim como acontece com os peixes famintos, o anzol da Divindade pudesse ser engolido com a isca de carne, e assim, introduzir a vida na casa da morte. . . (o diabo) fosse banido.
Para nós, a analogia do anzol é grotesca, como também o uso sermônico da imagem da ratoeira de Agostinho. Pedro Lombardo usaria a mesma imagem séculos mais tarde, afirmando que a "cruz foi uma ratoeira que continha a isca do sangue de Cristo". É certo que esses teólogos podem muito bem ter desenvolvido tais quadros como uma concessão à mente popular, e os Pais primitivos viram certa justiça na idéia de que aquele que havia enganado a raça humana, levando-a à desobediência, fosse enganado e levado à derrota. Porém atribuir ação fraudulenta a Deus é indigno dele.

O valor permanente dessas teorias é que, primeiro, levaram a sério a realidade, a malevolência e o poder do diabo (o "valente, bem armado" de Lucas 11:21), e, segundo, que proclamaram a sua derrota decisiva e objetiva na cruz para nossa libertação (por aquele "mais valente" que o atacou e o sobrepujou (Lucas 11:22). Entretanto, R. W. Dale não estava exagerando quando as chamou de "intoleráveis, monstruosas e profanas". Negamos que o diabo tenha sobre nós quaisquer direitos que Deus seja obrigado a satisfazer. Conseqüentemente, toda noção da morte de Cristo que a relacione a uma necessária transação com o diabo, ou com o seu engano, está fora de cogitação.

John Stott
In: A Cruz de Cristo.

A Redenção Particular

A doutrina da redenção é uma das doutrinas mais importantes do sistema da fé. Um erro neste ponto inevitavelmente levará ao erro ao longo de todo sistema de nossa fé.

Agora, vocês estão consciente de que há diferentes teorias da redenção. Todos os cristãos sustentam que Cristo morreu para redimir, mas nem todos os cristãos ensinam a mesma redenção. Temos diferenças quanto à natureza da expiação, e quanto ao plano de redenção. Por exemplo, o arminiano sustenta que Cristo, quando morreu, não morreu como o objetivo de salvar a uma pessoa em particular; e eles ensinam que a morte de Cristo, em si mesma, não garante acima de toda dúvida, a salvação de ninguém. 

Eles creem que Cristo morreu para tornar possível a salvação de todos os homens, ou que fazendo algumas outras coisas, qualquer homem que assim o queira pode alcançar a vida eterna; por conseguinte, estão obrigado a sustentar que se a vontade do homem não cede e não se submete voluntariamente à graça, então a expiação de Cristo é ineficaz. Eles sustentam que não há nada particular nem especial na morte de Cristo. Cristo morreu, dizem eles, tanto por Judas que está no inferno como por Pedro, que se remontou ao céu. Eles creem que para quem tem sido designado para o fogo eterna, houve uma redenção tão verdadeira e real, como para aqueles que se encontram agora diante do trono do Altíssimo.

Mas nós não cremos em nada disso. Nós sustentamos que Cristo, quando morreu, tinha um objetivo em mente, e esse objetivo será cumprido com absoluta segurança, acima de qualquer dúvida. Nós medidos o propósito da morte de Cristo pelo seu efeito. Se alguém pergunta: "qual foi o propósito de Cristo ao morrer?", nós respondemos a essa pergunta por meio de outra: "o que Cristo fez, ou o que fará Cristo por meio de Sua morte?". Pois nós declaramos que a medida do efeito do amor de Cristo, é a medida de Seu propósito. Nós não podemos enganar a nossa razão, pensando que a intenção do Deus Todo-Poderoso pode frustrar-se, ou que o propósito de algo tão grandioso como a expiação, pode falhar por alguma razão.

Sustentamos (não temos medo de dizer o que cremos) que Cristo veio a este mundo com a intenção de salvar "uma grande multidão, a qual ninguém podia contar", e cremos que como resultado disso, cada pessoa por quem Ele morreu, sem nenhuma sombra de dúvida, será purificada do pecado e estará lavada em Seu sangue, ante o trono do Pai. Nós não cremos que Cristo tenha feito uma expiação eficaz por quem está condenado para sempre; não nos atrevemos a pensar que o sangue de Cristo tenha sido derramado sem a intenção de salvar a quem Deus sabia de antemão que não poderiam ser salvos; e alguns deles já estavam no inferno quando Cristo, de acordo com a crença de alguns homens, morreu para salvá-los.

Desta forma acabo de apresentar nossa teoria da redenção, e de sugerir as diferenças que existem entre os dois grandes grupos da igreja que professa a fé. Será minha tarefa demonstrar a grandiosidade da redenção de Cristo Jesus e ao fazer isso, espero ser capacitado pelo Espírito Santo de Deus, para expor a totalidade do grande sistema de redenção, de tal maneira que possa ser entendido por todos nós, ainda que nem todos o possamos aceitar. Pois devem ter em mente que alguns de vocês, talvez, estejam prontos para objetar as coisas que eu afirmo, mas tem de recordar que isto não me afeta. Eu vou ensinar em todo momento essas coisas que eu creio verdadeiras, sem licença e apesar do estorvo de qualquer ser que respire. Vocês tem liberdade de fazer o mesmo em seus próprios lugares, e de pregar seus próprios pontos de vista em suas próprias congregações, da mesma maneira que eu reclamo o direito de pregar as minha convicções, completamente e sem nenhum titubeio.

Charles Haddon Spurgeon
In: A Redenção Particular (Sermão 181)

A Expiação Particular: Um estudo de 1 João 2.1-2

Esta é outra passagem das Escrituras freqüentemente usada por aqueles que iriam argumentar que morte de Cristo é para todos e cada um dos homens. Diz-se que a expressão "todo o mundo" tem que significar "todas as pessoas do mundo", e que a expressão contrastante "não somente pelos nossos" inclui, deliberadamente, todos e cada um dos homens como aqueles pelos quais Cristo morreu, além dos crentes.

Eu poderia responder isso abreviadamente, dizendo que como em outras passagens "o mundo" significa "as pessoas que vivem no mundo"; assim "todo o mundo", não significa mais do que "pessoas vivendo em todo o mundo", como é mencionado em Apocalipse 5.9, a respeito dos redimidos. Mas visto que esse texto em 1 João é tão usado, vou sugerir que se faça um estudo mais detalhado, usando para isso quatro perguntas.

1. A quem João está escrevendo? Embora seja verdade que as Escrituras são para toda a Igreja, contudo, muitas de suas partes foram escritas a determinadas pessoas em particular. Tais partes devem ser entendidas à luz dessa verdade. Notemos portanto que:

a. João foi especialmente um apóstolo aos judeus – Gálatas 2.9
b. Ele escreveu àqueles que ouviram previamente a Palavra de Deus (1 João 2.7) e nós sabemos que a Palavra de Deus era "primeiro ao judeu".
c. ...o contraste que João fez entre "nós" e "o mundo" deixa claro que ele escreve àqueles que, como ele mesmo, eram judeus.
d. ...João freqüentemente adverte contra os falsos profetas por exemplo, 1 João 2.19. Visto que ele escreveu que tais mestres "saíram de nós", ele está obviamente escrevendo aos seus compatriotas.

Lembrando a aversão nacional dos judeus contra todos os gentios e a opinião judaica de que só a nação deles constituía o povo de Deus, o que poderia ser mais natural do que João enfatizar que Jesus morreu não somente pelos judeus crentes, e sim por todos os crentes espalhados pelo mundo inteiro? Temos um outro versículo das Escrituras que enfatiza a mesma coisa: João 11.52. João está claramente desejando evitar que os judeus-cristãos caiam no velhor erro de supor que eles são os únicos cristãos. João insiste em que havia gentios cristãos, também, no mundo inteiro. Não há aqui uma doutrina no sentido de que Cristo morreu por todos os homens.

2. Por que João estava escrevendo? Ele escreveu para confortar os crentes angustiados por seus pecados, a fim de que eles não se desesperassem. "Se alguém pecar..." Daí, observamos que:

a. ...somente os crentes seriam confortados pelo fato de Cristo ser o seu advogado.
b. ...somente os crentes podem ser confortados; os incrédulos estão sob a ira de Deus.
c. ...João descreve como "filhinhos... cujos pecados são perdoados".

Em outras palavras o alvo de João se aplica somente aos crentes. Como pode servir de conforto aos crentes, dizer-lhes que Cristo morreu por todos e por cada um dos homens, muitos dos quais não são salvos? Este versículo não oferece nenhum conforto, a menos que seja entendido como significando que Cristo é o Salvador de todos os crentes em qualquer parte do mundo.

3. Qual é o significado de "propiciação"? A palavra grega aqui traduzida como propiciação está relacionada com a palavra traduzida como "propiciatório", em Hebreus 9.5. Isso nos dá um entendimento do significado da palavra. O "propiciatório" era a sólida placa de ouro usada para cobrir a arca na qual estavam as tábuas da lei (Êxcdo 25.17-22). A lei, que acusava os homens de serem pecadores, estava escondida pelo propiciatório. Essa era uma ilustração de como Jesus Cristo, pela Sua morte, escondeu a lei de Deus, de modo que ela não pode acusar nenhum daqueles que crêem nEle. Jesus é a propiciação (propiciatório) do crente. Poderia ser dito que todos e cada um dos que estão no mundo são livres de serem condenados como pecadores? Poderia ser realmente discutido que Cristo é a propiciação de todo o mundo, nesse sentido?

4. Qual é, então o significado de "todo o mundo"? Esta frase ocorre várias vezes no Novo Testamento, e freqüentemente não significa todos e cada um dos homens. Por exemplo:

Lucas 2.1 – Mas o alistamento somente aconteceu no Império Romano.

Romanos 1.8 – Mas muitas partes do mundo não tinham ouvido a respeito da igreja de Roma naquele tempo.

Colossenses 1.6 – Mas muitas partes do mundo ainda não haviam recebido o evangelho.

Apocalipse 3.10 – O mundo inteiro deve sofrer – mas isso não significa todos, sem exceção, pois alguns serão preservados disso.

Nessas e em outras passagens, todo o mundo significa nada mais que muitas pessoas, indefinidamente. Além disso, em certos versículos das Escrituras, frases como "toda a carne" significam nada mais que todos os tipos de pessoas, como por exemplo: Salmo 98.3; Joel 2.28 (cumprida em Atos 2.17). Algumas vezes, de fato, o mundo significa todos¸exceto os crentes, como por exemplo: 1 João 5.19; Apocalipse 12.9. Esses exemplos nos mostram, claramente, que não é essencial entender a expressão "todo o mundo" como sentido de "todos inclusive". O sentido não precisa ser outro senão o que o contexto da expressão sensatamente permite.

Concluo que esta passagem das Escrituras se refere à obra de Cristo para todos os crentes, judeus e gentios, igualmente. A passagem diz que Cristo é verdadeiramente a propiciação deles. Ninguém argumenta com seriedade que todos os homens, em todos os lugares, são realmente salvos por Cristo. Também de nada adianta sugerir que Cristo é uma propiciação suficiente para todos e cada um dos homens. Jacó não teria sido confortado pelo simples fato de ouvir dizer que havia bastante trigo no Egito. Ele teria morrido de fome se o trigo não houvesse se tornado possessão dele. Da mesma maneira, Cristo só pode ser um conforto para aqueles que, em todo o mundo, são realmente salvos.

John Owen
In: Por quem Cristo morreu?

Arminianismo e expiação

A expiação é definida em termos de sacrifício, reconciliação, redenção, satisfação à justiça divina, pagamento de débito, e portanto, é definida por aqueles a quem Deus predestinou à vida, a saber, os eleitos. Eles são salvos porque Cristo, por sua obra redentora assegurou sua salvação. Aqueles definitivamente perdidos não estão dentro da proteção desta salvação assegurada, e portanto, eles não estão dentro daquilo que a asseguraria, a redenção conquistada por Cristo. É justamente aqui que a diferença entre o Arminianismo e o Calvinismo pode ser mais claramente afirmada. Cristo morreu e ofereceu-se a Si mesmo como sacrifício a Deus para tornar a salvação de todos os homens possível, ou Ele ofereceu-Se como sacrifício para assegurar infalivelmente a salvação de Seu povo? Os arminianos professam a primeira e negam a segunda opção; os artigos em nossa Confissão, como cremos, juntamente com a Sagrada Escritura ensinam o último.

O termo expiação “limitada” gera muitos ataques contrários. Realmente não é a terminologia mais feliz. É passível de entendimento e interpretações errôneas. Por esta razão, alguns preferem o termo expiação “definida” ou “particular”. Porém, o motivo de sermos particularmente insistentes em defender este termo é o que ele historicamente conota e, assim, o desuso do termo “limitada” poderia criar a impressão de que renunciamos à doutrina da qual o termo é um símbolo. Em outras palavras, se o desuso pode animar os inimigos de nossa Fé Reformada, então devemos resolutamente negar a idéia de deixar de usá-lo. A expiação é limitada, porque em seus precisos significado, intenção e efeito, ela é para aqueles e por aqueles somente que estão destinados à salvação no propósito determinado de Deus. Nós podemos louvar a Deus porque estes não são um grupo magro, mas uma multidão que ninguém pode contar, de toda raça, tribo, língua e nação.

Não devemos pensar que o arminiano, por sua doutrina, escapa da expiação limitada. A verdade é que ele professa uma profana doutrina de expiação limitada. Ele professa uma expiação que é tragicamente limitada em sua eficácia e poder, uma expiação que não assegura a salvação de ninguém. O arminiano claramente elimina da expiação aquilo que a faz supremamemente preciosa ao coração cristão. Nas palavras de B.B. Warfield, “a substância da expiação é evaporada para que se refira a elade forma universal”. O que queremos dizer é que, caso abriguemos a posição de restauração universal para toda a humanidade – uma posição contra a qual o testemunho da Escritura é decisivo – uma interpretação da expiação em termos universais deve, com razão, anular seu caráter redentor e substitutivo. Temos de escolher entre uma extensão limitada ou eficácia limitada, ou fazer uma escolha entre expiação limitada ou expiação sem eficácia. A expiação, necessariamente, ou salva os eleitos de forma infalível, ou na verdade não salva ninguém.

Algumas vezes, objeta-se que a doutrina da expiação limitada torna impossível a pregação da salvação completa e livre. Isto é totalmente falso. A salvação consumada pela morte de Cristo é infinitamente suficiente e universalmente digna, e pode-se dizer que sua suficiência infinita e perfeita dignidade nos dá base para uma oferta autêntica de salvação a todos, sem distinção. A doutrina da expiação limitada, tanto quanto a doutrina da eleição soberana, não cria uma barreira para a oferta do Evangelho. A apresentação do Evangelho, oferecendo paz e salvação por meio de Jesus Cristo, é para todos sem distinção, portanto é verdadeiramente do coração da eleição soberana e expiação limitada que esta mensagem de Graça apresentada universalmente nasce. Se pudermos mudar a ilustração, é do alto do monte da soberania divina e da expiação limitada que a oferta livre e completa do Evangelho desce aos nossos pés. A oferta da salvação a todos é autêntica. Tudo que se proclama é absolutamente verdadeiro. Todo pecador, ao crer, inevitavelmente será salvo, porque a fidelidade e o propósito de Deus não podem ser violados.

A crítica de que a doutrina da expiação limitada proibe a oferta livre do Evangelho repousa num profundo engano sobre o que a garantia da pregação do Evangelho, e mesmo o ato primário da fé realmente são. Esta garantia não é a de que Cristo morreu por todos os homens, e sim o convite, a proclamação e a promessa universais do Evangelho unidas aos perfeitos méritos e suficiência de Cristo como Salvador e Redentor. O que o embaixador do Evangelho pede, em nome de Cristo, é que o perdido e incapaz pecador, com base apenas nesta garantia de fé, se entregue a este Salvador, com a segurança de que, confiando nele será salvo. Aquilo em que ele acredita, em primeira instância, não é que ele foi salvo, mas que por crer em Cristo, a salvação torna-se sua. A convicção de que Cristo morreu por ele, ou em outras palavras, de que ele é objeto do amor redentivo de Deus em Cristo, não é o ato primário da fé. No entendimento do crente, é freqüente esta convicção estar tão firmemente ligada ao ato primário de fé que ele é incapaz de estar consciente de uma distinção lógica e psicológica. Porém, apesar disto, o ato primário de fé é uma auto-entrega ao todo-suficiente e digno Salvador, e a única garantia para esta confiança é a indiscriminada, completa e livre oferta de graça e salvação em Cristo Jesus.

John Murray
Tradução: Josaías Cardoso Ribeiro Jr.
Fonte: Monergismo