Os Pais da Igreja e a Expiação

Na tentativa de evitar a doutrina reformada da expiação limitada, ou da redenção eficaz, sem parecer que estão negando o ensino histórico da igreja, os arminianos recorrem aos chamados Pais da Igreja, aqueles que lideraram a igreja nos primeiros séculos depois dos apóstolos. É um recurso válido recorrer aos antigos, mas nem sempre é seguro e nunca é decisivo. Quero apresentar três razões para isso, aplicando ao caso da doutrina da expiação realizada por Cristo.

A primeira delas é que antiguidade não significa necessariamente ortodoxia. Provam isso heresias como gnosticismo que acometeu a igreja ainda na sua infância e que deixou sequelas que duram até hoje. Quando lemos o Novo Testamento e em seguida os escritos dos chamados pais apostólicos é impossível não perceber as diferenças. Embora citem Paulo e os demais apóstolos em profusão, percebemos que pelo menos a ênfase fui mudada. E práticas simples foram corrompidas por superstições no mínimo bizarras, como os rituais de exorcismo antes do batismo. Por isso, nem tudo que os Pais da Igreja fizeram e ensinaram deve ser aceito sob a premissa de que eles as receberam diretamente dos apóstolos e as conservaram inalteradas.

Os Pais da Igreja não desenvolveram uma doutrina ou teoria da expiação e o fato é que a posição de muitos deles permanece indeterminada. Até os dias de Anselmo, os pais da igreja não se preocuparam em apresentar um entendimento sistematizado da expiação . Suas referências à morte de Cristo se dão num contexto devocional, usando a linguagem da escritura, sem se preocupar em comentar e menos ainda oferecer uma explicação para os textos citados. 

Quando os Pais Apologistas mencionavam a morte de Cristo, sua ênfase era apresentá-la como cumprimento das profecias do Antigos Testamento. Já o interesse de Clemente de Roma era ético e prático. Pela Sua morte, Cristo nos deu um grande exemplo a ser seguido de humildade e deve nos constranger à gratidão a Deus, ao amor ao próximo e ao auto sacrifício. A apresentação de aspectos doutrinários da morte de Jesus era feito de forma débil e não era livre de distorções. A questão da extensão da expiação jamais foi levantada por eles. Afirmar que defenderam a expiação universal é impor a eles uma conclusão a que não chegaram, simplesmente por não refletirem sobre.

Os Pais da Igreja criam numa teoria fantasiosa da expiação. Mesmo não tendo elaborado um entendimento estruturado sobre a doutrina da expiação, e talvez por causa disso, os Pais da Igreja adotaram uma teoria muito estranha sobre a morte de Cristo. Esta teoria assume que por causa do pecado de Adão Satanás tinha o direito e a posse sobre os homens e que para libertá-los Deus deveria pagar uma indenização ao Diabo. 

Uma variação dessa teoria dizia que Deus enganou o Diabo, pois sua humanidade era uma isca e sua divindade um anzol. A implicação clara de Deus usar de um engodo foi justificada pelos pais com a explicação de que Satanás merecia ser enganado. Esta visão da expiação, em suas variações e nuanças, perdurou na igreja até os dias de Anselmo.

Como podemos ver, apelar aos antigos Pais para decidir a respeito de questões teológicas que foram desenvolvidas posteriormente pode não ser a melhor saída. Nenhum deles elaborou um sistema completo. Não se trata de desprezar seus ensinos ou ignorar seus exemplos de fé, e sim de compreendermos o contexto em que viveram e não esperar mais de suas obras do que eles pretendiam com elas.

Soli Deo Glória

13 comentários:

  1. Algumas citações dos pais da igreja cairiam bem neste artigo...

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    1. Caio,

      Sim cairiam. Na verdade, o artigo está sendo adensado com uma pesquisa mais abrangente e possivelmente algumas citações serão adicionadas. O problema maior é minha falta de tempo e habilidade com o inglês, para fazer a tradução.

      Em Cristo,

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  2. Olá Clóvis

    Bom dia

    Quero parabenizá-lo pelo seu esforço e dedicação ao blog. Mesmo eu não tendo uma linha de pensamento calvinista reconheço o seu esforço e dedicação.

    Um abraço e felicidades

    Luiz

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    1. Luiz,

      Obrigado por suas palavras, demonstram maturidade.

      Em Cristo,

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  3. Olá, Clóvis!

    Concordo que os pais eclesiásticos não eram sistemáticos e que tinham um entendimento estranho, para os dias hodiernos, sobre como Cristo pagou os pecados da humanidade. Mas, certamente, eles criam no expiação universal. Com exceção de Agostinho, claro!

    Graça e Paz!

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    1. Marlon,

      Poderia me ajudar com fontes para essa sua afirmação?

      Em Cristo,

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  4. Clóvis,

    Encontrei um artigo que mostra citações dos pais da igreja sobre o assunto. Está em inglês, mas, para aqueles que, assim como eu, não sabem inglês, há o google tradutor!

    Clement of Alexandria (150-220): "Christ freely brings...salvation to the whole human race."

    Eusebius (260-340): "It was needful that the Lamb of God should be offered for the other lambs whose nature He assumed, even for the whole human race."

    Athanasius (293-373): "Christ the Son of God, having assumed a body like ours, because we were all exposed to death [which takes in more than the elect], gave Himself up to death for us all as a sacrifice to His Father."

    Cyril of Jerusalem (315-386): "Do not wonder if the whole world was ransomed, for He was not a mere man, but the only-begotten Son of God."

    Gregory of Nazianzen (324-389): "The sacrifice of Christ is an imperishable expiation of the whole world."

    Basil (330-379): "But one thing was found that was equivalent to all men....the holy and precious blood of our Lord Jesus Christ, which He poured out for us all."

    Ambrose (340-407): "Christ suffered for all, rose again for all. But if anyone does not believe in Christ, he deprives himself of that general benefit."
    He also said, "Christ came for the salvation of all, and undertook the redemption of all, inasmuch as He brought a remedy by which all might escape, although there are many who...are unwilling to be healed."

    Augustine (354-430): Though Augustine is often cited as supporting limited atonement, there are also clear statements in Augustine's writings that are supportive of unlimited atonement. For example: "The Redeemer came and gave the price, shed His blood, and bought the world. Do you ask what He bought? See what He gave, and find what He bought. The blood of Christ is the price: what is of so great worth? What, but the whole world? What, but all nations?"
    He also stated, "The blood of Christ was shed for the remission of all sins."

    Cyril of Alexandria (376-444): "The death of one flesh is sufficient for the ransom of the whole human race, for it belonged to the Logos, begotten of God the Father."

    Prosper (a friend and disciple of Augustine who died in 463): "As far as relates to the magnitude and virtue of the price, and to the one cause of the human race, the blood of Christ is the redemption of the whole world: but those who pass through this life without the faith of Christ, and the sacrament of regeneration, do not partake of the redemption."
    He also said, "The Savior is most rightly said to have been crucified for the redemption of the whole world." He then said, "Although the blood of Christ be the ransom of the whole world, yet they are excluded from its benefit, who, being delighted with their captivity, are unwilling to be redeemed by it."

    Fonte: http://home.earthlink.net/~ronrhodes/Atonement.html

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    1. Marlon,

      Paz seja contigo. Obrigado pelas citações, pedir as referências das fontes seria um pouco demais, né? Mas sem problemas, copiei aqui e vou consultar nos escritos (quanto ao inglês, eu prefiro, não por habilidade com a língua, mas facilita a pesquisa).

      Em Cristo,

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  5. Clóvis,

    As fontes diretas dos pais eclesiásticos já é mais complicado. Mas eu vou pesquisar com uns conhecidos católicos que são estudiosos da patrística! Eles conhecem bem!

    Graça e Paz!

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    1. Marlon,

      Não se preocupe com isso. Tenho as obras dos Pais e consultarei aqui.

      Obrigado.

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    2. Clóvis,

      Você tem em e-book ou em livro tais obras? Se for em e-book, se puder, me envie, por favor.

      Graça e Paz!

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  6. Tenho a impressão que a referência ao "mundo" na morte expiatória de Cristo seria quanto à sua abrangência, ou seja, a salvação é para o mundo e não está limitada a nenhuma etnia. Longe de ser uma defesa de universalismo ou algo "contra" a expiação limitada no sentido "calvinista". Se os Pais já não sabiam mais interpretar Apocalipse não me espanta se já desconhecessem as "doutrinas da graça"...

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    1. André,

      Segundo minhas pesquisas, os pais da igreja utilizaram termos bíblicos, sem se preocupar em esclarecê-los. Então faz todo sentido sentido que usassem mundo como é geralmente utilizado nas Escrituras.

      Em Cristo,

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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