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Como os calvinistas explicam Tito 2:11?

Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tito 2.11)  
Um dos recursos bíblicos mais utilizados contra o calvinismo é Tito 2:11. É tido como inexplicável à luz da soteriologia calvinista. Por isso é citado contra a doutrina da eleição incondicional, da graça irresistível e da expiação limitada. Mas será que é isso mesmo ou existe alguma explicação que harmonize esse versículo com as doutrinas da graça como entendidas pelos reformados? Comecemos considerando as palavras e expressões isoladas, depois as implicações da declaração como um todo e, finalmente, a interpretação à luz do contexto.

“Graça de Deus” refere a tudo aquilo que o Senhor faz para redimir o homem do pecado e leva-lo para o céu. Ela é livre - não devida a ninguém, e incondicional - não havendo nenhuma condição prévia e nenhum pagamento posterior. Essa graça se manifestou (apareceu, brilhou) na vinda de Jesus, pois se diz que “a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1:17). Sem dúvida, essa graça é salvífica, pois é qualificada como salvadora, no sentido de meio ou instrumento que produz a salvação. Nas outras quatro ocorrência do termo é traduzida simplesmente como salvação. “Todos os homens” é uma expressão comum na Bíblia, ora significando todos os homens sem exceção, ora todos os tipos ou classes de homens. Em cada caso, o sentido deve ser buscado no contexto.

A relação entre “a graça de Deus se manifestou salvadora” e “todos os homens” apresenta dificuldades, exceto que se advogue o universalismo. Em geral, tanto calvinistas como não calvinistas negam o universalismo, e para harmonizar “graça que salva” com “todos os homens” precisam ponderar os lados da equação. Os não calvinistas atacam a graça, seja tornando-a insuficiente e requerendo uma ação do homem para completa-la, seja diminuindo a sua eficácia, tornando-a apenas potencialmente salvadora, podendo ser resistida e frustrada pela vontade do homem. Os calvinistas, por sua vez, interpretam “todos os homens” à luz do contexto e chegam à conclusão que se refere a toda classe de homens, e não a todos os homens sem exceção.

Notemos, primeiramente, que o versículo começa com a palavra “porquanto”, que é uma conjunção exploratória lógica, ou seja, indica que o que segue é uma justificativa do que precede. Em Tt 2:11-14 Paulo está justificando os imperativos éticos dos primeiros versículos. Sendo assim, “porquanto” indica que devemos ler o que vem antes, no caso, Tito 2:1-10. Ao ler esses versos, notamos algumas coisas. Primeiro, que Paulo está se referindo a pessoas crentes, pois proclama uma ética que deriva da sã doutrina. Segundo, que se trata de pessoas de diversas classes (homens, mulheres, idosos, jovens, escravos). Terceiro, que são gentios, em sua maioria, pelo menos. Se fossem judeus, estariam familiarizados com uma ética derivada da doutrina e não precisariam da justificativa de Paulo. Portanto, “todos os homens” é uma referência à toda classe de homens salvos pela graça, ou seja, independente de etnia, sexo, idade, classe social, todos os que são salvos pela graça devem adornar à sã doutrina com um modo de vida digno.

Mas não são apenas os versos anteriores a Tt 2:11 que limitam a referência paulina aos crentes de diversas classes. O verso 12 continua dizendo que a graça se manifestou “educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente” (Tt 2.12). A graça não se manifesta passivamente, potencialmente salvadora apenas. Tampouco vem, nos salva e vai embora. Mas permanece conosco e efetivamente nos educa quanto à maneira de viver neste mundo. A referência aqui, é óbviamente às classes de crentes referida na parte inicial do capítulo, como os pronomes indicam. O verso 13, “aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.13), também limita a referência de Paulo aos crentes, únicos para os quais a volta de Cristo se constitui numa “bendita esperança”. E, finalmente, o verso 14 declara “o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). O pronome “nos” e a expressão “um povo exclusivamente seu” deixam claro que Paulo tem em mente os crentes, tão somente.

Como vimos, advogar que “todos os homens” refere-se a todos os homens que viveram em todos os tempos e lugares implica numa graça “salvadora que não salva” todos aqueles a quem é manifestada. Por outro lado, o capítulo inteiro está falando de crentes, primeiro prescrevendo um comportamento ético como resultado da sã doutrina, depois justificando esse comportamento frente à manifestação da graça salvadora e finalmente apontando para os resultados presentes e futuros de se viver de acordo com esses mandamentos. Tomar “todos os homens” no sentido da humanidade inteira, sem excluir nenhuma pessoa, é tirar a frase do contexto em que está inserida e dar-lhe um sentido baseado em nossos pressupostos.

Resta-nos observar o que diz o verso 15: “Dize estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te despreze.” (Tt 2.15)

Soli Deo Gloria

Em Efésios 1:4-5 não estaria Paulo se referindo aos apóstolos?

“Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” Ef 1:4-5

Ante a clareza do texto acima em afirmar a eleição, um irmão pergunta se “não estaria o apóstolo Paulo fazendo referência exclusiva aos apóstolos ou outro ‘subgrupo’ entre os que serão salvos”. A implicação é de que os objetos da eleição seria uma classe de crentes e não todos os salvos. Portanto, quem Paulo tinha em mente ao escrever essas palavras?

Alguns argumentam que Paulo está falando da igreja como uma coletividade, sem consideração para com os indivíduos como tais. O argumento baseia-se no fato de que Paulo usa o pronome na primeira pessoa do plural. Uma resposta para esse argumento pode ser lido em meu artigo Eleição Corporativa.

A hipótese de que Paulo poderia estar se referindo a uma parte dos salvos não me havia sido sugerido ainda para essa passagem, mas já recebi para outras, como João 15, que não será considerado aqui. Vamos então, à luz do contexto, avaliar se é possível que Paulo tenha em mente, não os salvos em geral, mas um sobgrupo deles, como os apóstolos.

No primeiro capítulo de Efésios o apóstolo ora se refere a si mesmo como “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus”, ora se refere “aos santos que vivem em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus” (1:1). Mas na maioria das vezes ele usa o pronome na primeira pessoa do plural, incluindo-se nas bênçãos recebidas. A questão é quem mais ele inclui, os demais apóstolos, os crentes de Éfeso ou os crentes em geral? Creio que é este último caso, pela natureza das bênçãos descritas.

Ser “abençoado com toda sorte de bênção espiritual” (1:3) não parece algo restrito a algum grupo de salvos apenas, mesmo uma elite como os apóstolos. Ser “santos e irrepreensíveis perante Ele” (1:5) não é distintivo dos apóstolos, como também não o é “a redenção, pelo seu sangue, a remissão dos pecados” (1:7), nem o ser “feitos herança” (1:11) e “selados com o Santo Espírito da promessa” (1:13). Não existe nenhum grupo entre os crentes a quem se possa atribuir com exclusividade essas bênçãos. Assim, sendo, não há razão suficientemente para concluir que “nos escolheu nele antes da fundação do mundo” (1:4) e “nos predestinou para ele” (1:5) se refira a alguns e não à universalidade dos crentes.

Também não há que se pensar que Paulo estivesse incluindo apenas a ele próprio e aos efésios nessas bênçãos. Quando ele fala de algo que diz respeito a ele e não a toda à igreja, usa a primeira pessoa do singular. Quando se refere a algo específico dos efésios, usa a segunda pessoa do plural. É o caso, por exemplo, do verso 15: “Também eu, tendo ouvido da fé que há entre vós no Senhor Jesus”. Além disso, há que se considerar que a carta que conhecemos como dirigida aos Efésios talvez seja uma carta-circular, enviada a mais de uma igreja. Aponta para isso o fato da palavra Éfeso não constar em alguns manuscritos e a ausência de saudações pessoais, comuns nas epístolas paulinas.

Consideremos, porém, dois versos que parecem contrariar o que foi defendido até aqui. “A fim de sermos para louvor da sua glória, nós, os que de antemão esperamos em Cristo; em quem também vós, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação, tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa” (1. 12-13). Há um contraste entre o “nós, os que de antemão esperamos em Cristo” e o “vós... tendo nele também crido”. É pouco provável que o contraste seja entre os apóstolos e os crentes de Éfeso. Possivelmente a referência é aos judeus, quanto à esperança messiânica, ou ao judeus cristãos, que foram os primeiros a crer em Cristo e os crentes gentios. Seja como for, não creio que se possa afirmar uma dicotomia das bênçãos espirituais referidas entre judeus e gentios, pois de ambos o Senhor fez um só povo, a Igreja.

Concluindo, creio que não há complicações maiores no texto, além da incomensurabilidade das bênçãos descritas. Paulo escreve aos Efésios e descreve as bênçãos espirituais aos salvos, inclusive a eleição e predestinação.

Soli Deo Gloria

O que acontece com crianças que morrem na infância?

O destino eterno dos que morrem na infância suscita debate sempre que a questão é levantada. Porém, as diferenças de opinião não são assim tão grandes. Deixando de lado os pelagianos, os demais cristãos diferem mais em nuanças. Alguns dizem que todos os que morrem na infância serão salvos. O restante diz que não podemos ter certeza de que todos os infantes que morrem na infância serão salvos. Quase ninguém, se é que há alguém, defende com certeza que alguns bebês serão condenados se falecerem nessa idade. E diante da escassez da dados bíblicos sobre o tema, não é prudente causarmos divisão por causa disso. O que não impede de assumirmos uma posição e defende-la.

A discussão começa com o estado das crianças. Os pelagianos negavam o pecado original, logo, todas as crianças nascem puras e se morrem na infância vão para o céu. Para os arminianos todas as crianças, ainda que herdem o pecado original, nascem em estado de graça e se morrerem vão para o céu, mas perderão esse estado na idade de discrição. Os romanistas (e os luteranos e anglicanos, com modificações) creem que todas as crianças nascem condenadas, permanecendo assim até o batismo. Se morrem batizadas, vão para o céu. Se não forem batizadas, não vão. Os reformados creem que todas as crianças nascem contaminadas pelo pecado, e se forem eleitas, são regeneradas e salvas. Mas se dividem em dois grupos. Um deles, acho que a maioria, acredita que não há diferença entre filhos de pais crentes e descrentes, e outro que os filhos de pais crentes gozam de uma posição privilegiada. Esta última é a minha posição e será fra(n)camente defendida neste artigo.

Minha posição pode ser expressa em três afirmações, feitas e explicadas, sem pretensão de serem absolutas.

1. As crianças que morrem na infância, se forem eleitas, serão salvas. Esta minha convicção decorre da relação que a Bíblia estabelece entre eleição e salvação. O decreto da eleição é de tal forma infalível que nenhum eleito jamais irá perecer, mas será levado inevitavelmente à salvação em Cristo. E ninguém que venha a se salvar está fora do grupo dos eleitos. Por isso, todos os bebês que morrem e são salvos haviam sido eleitos na eternidade.

2. Não sei se todas as crianças que morrem na infância são eleitas. Creio que há um silêncio escriturístico a respeito dessa questão, sendo que as posições assumidas geralmente partem de inferências feitas de textos indiretos. O máximo que chego neste ponto é ter esperança de que todos os infantes que morrem sejam salvos. Mas não tenho base bíblica para fazer afirmações categóricas.

3. Os filhos de pais crentes serão salvos, se forem chamados pelo Senhor antes de uma decisão pessoal. E este ponto pede uma fundamentação um pouco melhor, pois creio que temos elementos bíblicos para isso. Quando Deus estabeleceu sua aliança com Abraão, incluiu seus filhos nela. “Estabelecerei a minha aliança como aliança eterna entre mim e você e os seus futuros descendentes, para ser o seu Deus e o Deus dos seus descendentes” (Gn 17:7). E complementa com a promessa, referindo-se aos seus filhos, “e serei o Deus deles” (Gn 17:8). No Novo Testamento temos a promessa “Creia no Senhor Jesus, e serão salvos, você e os de sua casa” (At 16:31). Por isso, os filhos dos crentes são chamados de “descendência santa” (Ed 9:2), “semente consagrada” (Ml 2:15), “semente santa” (Is 6:13), “povo abençoado” (Is 61:9; 65:23) e “santos” (1Co 7:14).

Não é o caso de se dizer, nem que os filhos de crentes não precisam ser regenerados, ou que são automaticamente salvos. O meio ordinário de Deus salvar é a pregação do evangelho. No caso de Abraão, lemos de Deus considerando “Pois eu o escolhi, para que ordene aos seus filhos e aos seus descendentes que se conservem no caminho do Senhor, fazendo o que é justo e direito, para que o Senhor faça vir a Abraão o que lhe havia prometido" (Gn 18:19). A promessa realiza-se pela pregação do evangelho. Daí a ordem “Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar” (Dt 6:6-7). O mesmo padrão se observa na casa do Centurião, de onde lemos “E pregaram a palavra de Deus, a ele e a todos os de sua casa” (At 16:32).

Porém, havendo a promessa e faltando a oportunidade de se pregar para que os filhos creiam, nada deve levar a pensarmos que os pequeninos filhos de crentes não sejam salvos se morrerem. E isso se dá pela regeneração, pois a eles se aplica igualmente as palavras de Davi: “Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5). Alguém talvez pergunte, como pode ser regenerado sem fé? Para o arminiano talvez essa seja uma pergunta embaraçosa. Mas para o calvinista, que crê que a regeneração precede a fé, não há dificuldade alguma em que uma criança seja regenerada sem crer.

Concluindo, reafirmo que creio que somente os eleitos que morrem na infância serão salvos, que não sei se todos os infantes que morrem são eleitos mas, que tenho convicção de que todos os bebês filhos de crentes que morrem são eleitos, portanto, salvos.

Soli Deo Gloria

O Espírito Santo tem ciúmes?

Ou cuidais vós que em vão diz a Escritura: O Espírito que em nós habita tem ciúmes? Tg 4:5 (ACF2007)

Esta é uma passagem que apresenta considerável dificuldades de compreensão, se examinada mais atentamente e à luz de seu contexto. A questão que se levanta é se espírito se refere ao Espírito Santo, ao espírito humano ou a um espírito maligno. O que dá espaço à polêmica é a conotação negativa do termo ciúme, agravada pelo fato da passagem citada por Tiago não ser encontrada no Antigo Testamento na forma em que é expressa.

A dificuldade é evidenciada pela variedade de formas com que “προς φθονον επιποθει το πνευμα ο κατωκησεν εν ημιν” (literalmente “com ciúme anseia o espírito que fez habitar em nós”), é traduzido. A Almeida Revista Corrigida diz “o Espírito que em nós habita tem ciúmes”, a Tradução Brasileira “com zelos anela por nós o Espírito que ele fez habitar em nós”, a Almeida Revista traduz “o Espírito que ele fez habitar em nós anseia por nós até o ciúme”, a Almeida Revista e Atualizada “é com ciúme que por nós anseia o Espírito, que ele fez habitar em nós” e a NVI traz “o Espírito que ele fez habitar em nós tem fortes ciúmes”. A Bíblia de Jerusalém apresenta “Ele reclama com ciúme o espírito que pôs dentro de nós?” e a Almeida Revista e Corrigida Anotada traz a seguinte alternativa: “Porventura o espirito que em nós habita, cobiça para inveja?”.

Traduções em linguagens mais modernas também apresentam várias possibilidades. A Nova Tradução na Linguagem de Hoje diz “o espírito que Deus pôs em nós está cheio de desejos violentos”, a Bíblia Viva traduz “o Espírito Santo, que Deus pôs em nós, vigia sobre nós com terno ciúme” e a Versão Fácil de Ler “Deus quer que o espírito que colocou em nós viva somente para Ele”. Como se vê, pela simples comparação de traduções e versões fica difícil chegar a um consenso. É difícil até mesmo concluir se se trata de uma afirmação (“o espírito tem ciúmes”) ou uma pergunta (“o espírito tem ciúmes?”).

A palavra ciúme

Qual é o significado real do termo traduzido como ciúme? Ele deve ser tomado num sentido bom ou mau? No grego secular o termo phtoneo significa inveja “que faz com que alguém tenha ressentimento contra outra pessoa por ter algo que ele mesmo deseja, sem porém, possuí-lo” (DITNT). Embora pareça ser sinônimo de zelos, “ciúme”, os escritores clássicos distinguem um do outro. Enquanto zelos é “o desejo de ter aquilo que outro homem possui, sem necessariamente ter ressentimento contra aquele que o possui”, pthonos “se ocupa mais em privar o outro da coisa desejada do que em obtê-la”.

No Novo Testamento, a forma verbal ocorre apenas uma vez, enquanto que o substantivo aparece nove vezes. Em Gl 5:26 “invejando-nos uns aos outros” contrasta com “viver no Espírito” (Gl 5:25). Nas epístolas aparece em várias listas de qualidades más. Em Gl 5:21 é uma “obra da carne”, em Rm 1:29 é uma característica daqueles a quem Deus entregou a um “sentimento perverso”, e em Tt 3:3 dos inconversos. Em 1Pe 2:1 é algo que os crentes devem deixar para trás, 1Tm 6:4 diz que nasce de questões e contendas de palavras motivadas pela soberba. Os evangelhos (Mt 27:18; Mc 15:10) nos informam usando esse termo que foi por inveja que os líderes religiosos entregaram Jesus a Pôncio Pilatos. Em Fl 1:15 o termo é contrastado com “boa vontade”.

O que se pode concluir do uso bíblico de phthonos é que refere-se a um “sentimento de desgosto produzido por testemunhar ou ouvir falar da vantagem ou prosperidade de alguém” (Vine). E devido a esse sentido sempre negativo, jamais é utilizado em referência a Deus ou ao Espírito Santo, e se em Tg 4:5 o sujeito é Deus ou o Espírito Santo, trata-se de uma excepcionalidade e tanto.

O texto citado por Tiago

É impossível identificar com certeza qual passagem Tiago tinha em mente. Alguns acreditam que que ele não se referia a nenhuma passagem específica, mas fazia um resumo do ensino do Antigo Testamento. Porém a fórmula de introdução que usa, “a escritura diz” parece requerer uma citação direta. Vejamos algumas das possíveis passagens, sem pretender esgotar as alternativas.

Algumas passagens dizem que Deus é zeloso. Êxodo 20:5 diz que “eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso” e noutra parte “o nome do SENHOR é Zeloso; é um Deus zeloso” (Ex 34:14). Esse zelo divino é primeiramente voltado para a Sua glória, mas também por aqueles que lhe pertencem: “Zelei por Sião com grande zelo, e com grande indignação zelei por ela” (Zc 8:2). Esse zelo faz de Deus um fogo consumidor “o SENHOR teu Deus é um fogo que consome, um Deus zeloso” (Dt 4:24). Porém uma informação deve ser dada aqui. O termo hebraico usado nessas passagens, e em outras correlatas, quando citadas no Novo Testamento ou traduzidas na Septuaginta, é sempre zelos e nunca phthonos.

Uma passagem contraposta a essas é Gn 4:7: “Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. O que dizem que essa é a passagem que Tiago tinha em mente advogam que ciúme não tem a ver com o zelo divino, e sim com desejos pecaminosos dos homens. Nesse caso, espírito é usado em contraposição ao Espírito Santo. “Pois a carne deseja o que é contrário ao Espírito; e o Espírito, o que é contrário à carne. Eles estão em conflito um com o outro, de modo que vocês não fazem o que desejam” (Gl 5:17). Outras passagens poderiam ser sugeridas (Gn 6:3; Is 63:8–16; Ez 36:17; Zc 1:14; 8:2-3), mas infelizmente não ajudam a elucidar a questão.

O sujeito da oração

Tendo levantado as questões anteriores, podemos nos voltar para a discussão da identidade do espírito. Faremos isso considerando quem é o sujeito na oração. As possibilidades são Deus, o Espírito Santo, o espírito do homem e o espírito maligno.

Até onde pude constar a única tradução que se aproxima (a conclusão é questão de interpretação) de um espírito maligno aqui é o Novo Testamento Judaico: “Ou vocês supõem que a Escritura fala em vão ao dizer que há um espírito em nós que deseja intensamente?”. Yiechiel Lichstenstein, citado no Comentário Judaico do Novo Testamento, diz “Em minha opinião, o espírito aqui se refere não a Deus, mas a Satanás”. Ele busca apoio no verso 7, que diz “resisti ao Diabo e ele fugirá de vós” e recorre a Gn 4:7 afirmando que “o espírito maligno é o impulso maligno em nós”, apoiando essa interpretação de Gênesis no Tamulde (Bava Batra 16a): “Ele é Satanás, o impulso maligno”.

Algumas traduções colocam Deus como sujeito e o Espírito (Santo ou humano) como o objeto do ciúme. Um exemplo é a Bíblia de Jerusalém: “Ele reclama com ciúme o espírito que pôs dentro de nós?”, seguida pela Fácil de Ler: “Deus quer que o espírito que colocou em nós viva somente para Ele”. Uma vez aceita essa tradução, resta saber a identidade do Espírito. Algumas versões trazem a expressão “que ele fez habitar em nós” (vamos passar ao largo da discussão sobre os manuscritos usados nas traduções). É uma expressão comum para se referir ao Espírito Santo e inédita em referência ao espírito humano. Nesse caso, é mais provável que espírito seja uma referência ao Espírito Santo.

Parece-me que a maioria das traduções colocam o Espírito Santo como sujeito. A Almeida Revista e Atualizada representam bem esse grupo de traduções e versões: “É com ciúme que por nós anseia o Espírito, que ele fez habitar em nós”. Porém, nem todas afirmam positivamente que o Espírito tem ciúmes, mas colocam a questão na forma interrogativa, que alguns entendem ser uma pergunta retórica, que pede um não como resposta, como sugere a nota da Almeida Revista e Corrigida Anotada: “Porventura o espirito que em nós habita, cobiça para inveja?”.

Finalmente, há a possibilidade de que espírito se refira ao espírito humano. A NTLH parece indicar isso: “O espírito que Deus pôs em nós está cheio de desejos violentos”. Apesar de grafar Espírito, com maiúscula, a Almeida Revista e Atualizada, também pode ser entendida assim. “O Espírito que em nós habita tem ciúmes”. E se “que fez habitar em nós” for admitido como possível para o espírito humano, outras traduções podem ser consideradas como apresentando o espírito humano como aquele que tem ciúmes.

Minha posição

Pela complexidade da passagem, qualquer posição deve ser considerada provisória e sujeita a revisão. Portanto, não pretendo ser dogmático. Mas considerando que ciúme/inveja é tomado sempre num mau sentido na Bíblia e jamais utilizado tendo Deus ou o Espírito Santo como sujeitos, acho muito improvável que a divindade seja representada como tendo ciúmes (lembrando que zelo é uma tradução sui generis aqui). Além disso, o verso seguinte estabelece um contraste, dizendo “Antes, dá maior graça” (Tg 4:6). Portanto, creio que como em todo o Novo Testamento, aqui também ciúme tenha uma conotação má, incompatível com o caráter de Deus. Portanto, vejo duas possibilidades: ou a sentença é interrogativa e retórica (“o Espírito tem ciúme? Não”) ou o espírito referido é o humano, tomado de paixões carnais. Das duas, fico com a primeira, mas considero a segunda também consistente com o contexto e com o restante da Bíblia.

Soli Deo Gloria

Jesus não morreu por todos, mas somente pelos eleitos?


Vou assumir que você crê que Deus elegeu pessoas para a salvação, e aqui não importa se essa eleição é pela presciência, corporativa ou incondicional. Assumindo a eleição como bíblica, vou apresentar um argumento (há outros mais) em favor da redenção particular:

1) O Pai escolheu um grupo definido de pessoas para a salvação;
2. Não há divergência de propósito entre o Pai e o Filho; logo
3. O Filho morreu com o propósito de salvar os eleitos.

Como disse, assumi que 1) é verdadeiro. A própria ideia de eleição implica tomar uma parte de um todo. Não faz sentido "escolher a todos".

A Bíblia, por sua vez, declara 2), a perfeita harmonia entre as pessoas da Trindade, de forma que o Filho não intencionará uma coisa enquanto o Pai  intencionou outra.

Então, a conclusão é de que Jesus morreu com a intenção de tornar certa a salvação daqueles que foram eleitos para a salvação. 

Soli Deo Gloria