Matias Borba, a predestinação e o livre-arbítrio

"Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos" 2Tm 1:9
Matias Borba é um jovem assembleiano de 28 anos, que mantem o blog Encontro com a Bíblia, no qual apresenta os "princípios do verdadeiro evangelho de Jesus Cristo".  Não o conheço pessoalmente, mas lembro-me de cruzar com ele nos corredores do blogspot. Em 2009 ele publicou um sucinto mas interessante artigo sob o título "Predestinação e Livre-Arbítrio". O tom do artigo não é polêmico, e portanto minhas considerações aqui não tem a intenção de polemizar, mas analisar algumas afirmações feitas por ele, sem com isso desmerecer o trabalho que ele faz ou descaracterizar o todo de sua doutrina, que em boa parte é a minha também.

Diferentemente do usual em artigos dessa natureza, Matias apresenta uma definição clara, tanto de livre-arbítrio como de predestinação. Sobre o primeiro, ele diz que é "capacidade de escolha, decidir entre uma coisa e outra" e que por isso "poder da escolha está com o homem, e que Deus não interfere nisto". Este é, seguramente, o maior equívoco de seu artigo, como abordarei mais adiante. Sobre o outro termo ele afirma que a "palavra predestinação procede do grego "proorizo"" e que "o termo significa "destinar por antecipação", no que acerta em cheio.

Voltemos à idéia de livre-arbítrio expressa por Matias. Ele o concebe como poder irrestrito de escolha, no qual "Deus não interfere", se por não poder ou não querer não somos informados. Dessa forma, não fica lugar para a graça de Deus, embora ele a mencione. Pois se Deus não interfere na escolha do homem, que tem a capacidade de escolher igualmente entre a morte e a vida, entre a salvação e a perdição, qual o papel do Espírito Santo no processo de conversão? A idéia se parece tanto com pelagianismo que não seria de se ofender caso alguém a classificasse assim.

Contudo, o ensinamento da Bíblia vai em direção oposta. Jesus disse de forma inequívoca que "ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer" (Jo 6:44) e outra vez "por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido" (Jo 6:65). Isto está em perfeita harmonia com a avaliação do apóstolo, de que "não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus" (Rm 3:11). Mesmo após sua conversão Paulo continuava reconhecendo "não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus" (2Co 3:5). Se a capacidade do crente de pensar em alguma coisa proveitosa vem de Deus, como dizer que Deus não interfere na escolha que o pecador faz? Também neste caso é verdade que "Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2:13).

Quando trata da predestinação, Matias define proorizo corretamente, mas penso que desvia um pouco o foco do objeto da predestinação ao explicar o que "segundo a Bíblia o que é determinado por antecipação". Ele afirma que predestinado é "meio pelo qual deveríamos ser salvos", citando em apoio Ef 1:5: "e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade". Notemos aqui que os objetos da predestinação somos nós ("nos predestinou") e a finalidade foi a adoção para si mesmo, o que não pode ser distinguido da salvação, pois nenhum salvo deixará de ser adotado e nenhum filho de adoção deixará de ser salvo. Lembrando, ainda, que a mesma passagem afirma que fomos "predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade" (Ef 1:11).

Ele afirma, ainda, que fomos "predestinados para sermos conforme a imagem de Deus: (Rm. 8.29)", no que acerta novamente. Mas aqui também precisa ser dito que aqueles que foram predestinados para serem conformados à imagem de Jesus são indistinguíveis dos que foram predestinados para serem salvos. Além disso, este não é todo o propósito de Deus para os predestinados, pois o apóstolo segue descrevendo as ações de Deus no predestinado até que ele seja glorificado, ou seja, introduzido na glória.

Uma palavra final precisa ser dita sobre a expressão utilizada por Matias para descrever a predestinação crida pelos reformados: predestinação fatalista. Esta expressão, recorrente em escritos arminianos, jamais é utilizada por calvinistas, mas é intencionalmente utilizada por aqueles que procuram mal-representar nossa fé. Não sei se é o caso do Matias, mas o fato é que predestinação e fatalismo são conceitos diferentes. O que os dois conceitos tem em comum é o elemento de certeza. Tanto o fatalismo, como o determinismo cristão tem como certo alguns fatos. Mas a causação de um e outro são totalmente diferentes.

O fatalismo presume que há uma força impessoal, mecânica ou até aleatória por trás de todos os eventos. Assim, tudo o que acontece, ocorre de acordo com uma necessidade cega. Já a predestinação presume que existe um Deus pessoal, infinitamente sábio para planejar todos os eventos para Seu propósito e todo poderoso para executar todas as coisas planejadas, para Sua glória. Rotular a predestinação conforme crida historicamente pela igreja e defendida pelos reformadores e calvinistas modernos de fatalista é acusá-los de ateísmo. E ateus não somos.

Soli Deo Glória

11 comentários:

  1. Clóvis,

    Texto, curto, objetivo e bom. Suficiente para jogar por terra a suposta ideia libertária cultivada por tantos.

    Ricardo.

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  2. Ricardo,

    Bom te-lo por aqui. Espero que aos poucos, os arminianos e anti-calvinistas vão compreendendo melhor a forma bíblica de apresentar a eleição e predestinação e assim, sejam convencidos da soberania de Deus na salvação do homem.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  3. Nossa, eu não entendi esse texto aqui, dá a impressão que as duas coisas são separadas, dá prá me esclarecer melhor? Obrigada!

    "aqueles que foram predestinados para serem conformados à imagem de Jesus são indistinguíveis dos que foram predestinados para serem salvos"

    Amanda.

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  4. Oi Amanda,

    Não sei se alcancei o que não entendeu. Mas acho que você está certa e foi o que tentei expressar.

    A salvação envolve, por assim dizer, vários aspectos, tais como eleição, predestinação, expiação, chamada, regeneração, adoção, justificação, santificação, preservação, glorificação, além dos aspectos exteriores, como fé, arrependimento, confissão, etc.

    Embora nenhum deles expresse a totalidade da salvação, o fato de a pessoa participar de um deles assegura que participará de todos, pois "aquele que em vós começou a boa obra a completará até o dia da vinda de nosso Senhor Jesus Cristo".

    Por isso que eu disse não faz sentido dizer "a predestinação não é para a salvação, mas para ser conformes à imagem de Jesus". Ninguém será salvos sem ser santificado, e ninguém será santificado e não salvo.

    Se o crente é predestinado para algum desses aspectos da salvação, ele o é para a salvação em si. O que aliás é dito explicitamente em vários textos bíblicos.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  5. Ah... agora entendi!
    Muito obrigada Clóvis, como é bom ver a graça de Deus capacitando pessoas para serem verdadeiros mestres, estou aprendendo muito aqui! Que Deus continue te capacitando!
    Gde abraço.

    Amanda.

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  6. Deus nos fez a sua imagem e semelhança,com poder ao contrário dos animais nos deu entendimento e livre pensamento somos dono de nossas escolhas,se Deus fosse assim não seria melhor fazer fantoches sem pensamento e entendimento,se Deus fez uns para o céu outros para o inferno por que mandou Cristo afinal, fica ai a pergunta!

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  7. Que a paz do Senhor Jesus esteja com todos.
    Sabemos que a ´Palavra de Deus é o conteúdo de toda à biblia. Dai, tanto no AT quanto no NT temos revelações de Deus, que podem nos direcionar ao entendimento correto do processo de Salvação.Em Gn 3:22 Deus diz que o homem agora é sabedor do bem e do mal. E complementa em Gn 3:7 que o homem tanto pode fazer o bem quanto o mal, e que tem e deve DOMINAR sobre o desejo (inclusive sobre o desejo de fazer o mal).Todavia, erra quem afirma que a criança já nasce com a maldade. É Deus que ensina que a criança é pura até determinada idade não revelada como dito em: Gn.8:21, Dt1:39. Quanto a Eleição ou Livre Arbítrio, não está dando Deus o poder de fazer escolha em Dt11:26-28?,Is45:22-23?,Is5:7,Is9:7,Is45:22-23?. Não afirma Deus que escolheram errado e lamenta em Dt1:39? Não há livre escolha para o que afirma Deus em Dt11:26-28? e quem pode ir contra Deus conforme Ez18:4? Observemos Ez 18:5-9 e 21-23. Quanto a salvo para sempre veja Ez 18:24-28. Considerai também o que disse Jesus em Mateus 10:22 e Mateus 24:13. Se não há risco para o crente, veja Mateus 10:28 e Ap 2:5.

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  8. Anônimo,

    Paz seja contigo. Poderia se apresentar, para que lhe chamemos pelo seu nome? Acho mais legal assim.

    1. Gênesis 4:7 (acho que era essa a referência pretendida) não diz que "o homem tanto pode fazer o bem quanto o mal". O que o texto diz é que "se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta". Aqui fala da condição da aceitação e não da capacidade de aceitação. E quando diz "o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo", refere-se aos maus desejos do homem e de seu dever de dominá-los, mas não afirma a sua capacidade para isso. Aliás, há traduções que colocam a frase na forma interrogativa "Por acaso, será que você pode dominá-la?" (Católica) ou sugerem um tom de ironia "Mas bem que você pode dominar o pecado!" (Viva).

    Continua...

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  9. Caro Anônimo,

    2. Quanto ao estado em que nascem as crianças depois da Queda você disse "erra quem afirma que a criança já nasce com a maldade. É Deus que ensina que a criança é pura até determinada idade não revelada como dito em: Gn.8:21, Dt1:39".

    a) A negação do pecado original é pelagianismo, remonta aos dias de Agostinho e é considerada uma heresia pela igreja.

    b) Se as duas passagens mencionadas tratam da culpa original, merece melhor investigação. Mas a Bíblia ensina claramente a pecaminosidade das crianças, quando Davi diz "Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe" (Sl 51:5) e que "Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham, proferindo mentiras" (Sl 58:3).

    Continua...

    Em Cristo,

    Clóvis

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  10. Anônimo,

    Sobre as passagens postadas por você sobre o livre-arbítrio, permita-me também algumas considerações.

    3.1 "Quanto a Eleição ou Livre Arbítrio, não está dando Deus o poder de fazer escolha em Dt 11:26-28?, Is45:22-23?, Is5:7, Is9:7, Is45:22-23?"

    a) "Eis que, hoje, eu ponho diante de vós a bênção e a maldição: a bênção, quando cumprirdes os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, que hoje vos ordeno; a maldição, se não cumprirdes os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, mas vos desviardes do caminho que hoje vos ordeno, para seguirdes outros deuses que não conhecestes" (Dt 11:26-28). O texto não está afirmando o poder de escolher o bem, e sim a oportunidade de fazer uma escolha. Se o texto estivesse afirmando essa capacidade humana, então significaria que o homem tem poder para obedecer os mandamentos de Deus. Você mesmo reconhece que eles "escolheram errado".

    b) "Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra; porque eu sou Deus, e não há outro" (Is 45:22). Longe do texto pretender destacar alguma capacidade humana, o capítulo inteiro fala de Deus como o único Salvador. O verso anterior diz "não há outro Deus, senão eu, Deus justo e Salvador não há além de mim" (v.21) e um pouco antes "Israel, porém, será salvo pelo SENHOR com salvação eterna; não sereis envergonhados, nem confundidos em toda a eternidade" (v.17). Colocar a ênfase na capacidade do homem é subverter a mensagem do capítulo todo.

    c) "Porque a vinha do SENHOR dos Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta dileta do SENHOR; este desejou que exercessem juízo, e eis aí quebrantamento da lei; justiça, e eis aí clamor" (Is 5:7). Não consigo imaginar como essa passagem ajuda a provar o livre-arbítrio. O texto expõe a incapacidade do homem de produzir o bem, mesmo Deus dando a ele todas as condições para isso: "Que mais se podia fazer ainda à minha vinha, que eu lhe não tenha feito? E como, esperando eu que desse uvas boas, veio a produzir uvas bravas?" (v.4)

    d) "Para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR dos Exércitos fará isto" (Is 9:7). Idem, o que tem a ver essa passagem com o livre-arbítrio capacitante do homem? A passagem condena a "soberba e altivez de coração" dos que dizem "os tijolos ruíram por terra, mas tornaremos a edificar com pedras lavradas; cortaram-se os sicômoros, mas por cedros os substituiremos" (v.9-10).

    Continua...

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  11. Que a paz e o amor de Jesus esteja com todos!
    Irmão Clóvis, o apóstolo Paulo ensina em ICo 4:6b "Não ir além do que está escrito". Vejamos como o irmão interpreta as palavras de Deus em Ezequiel 33:13-16 "Quando eu disser ao JUSTO que certamente viverá, e ele, CONFIANDO NA SUA JUSTIÇA, praticar a iniquidade, NÃO VIRÃO A MEMÓRIA TODAS AS SUAS JUSTIÇAS,mas NA SUA INIQUIDADE,QUE PRATICA,ELE MORRERÁ.(14) Quando eu também disser ao ímpio: CERTAMENTE MORRERÁS; SE ELE SE CONVERTER DO SEU PECADO, PRATICAR JUÍZO E JUSTIÇA (15)Restituindo esse ímpio o penhor, indenizando o que furtou (veja que não morreu quando furtou, porque já estava morto)andando nos estatutos da vida, e não praticando iniquidade (não pecando),CERTAMENTE VIVERÁ, NÃO MORRERÁ. (16)De todos os seus pecados que cometeu NÃO SE TERÁ MEMÓRIA CONTRA ELE, juízo e justiça FEZ, certamente VIVERÁ". Se é Paulo que ensina a predestinação/eleição, porque ele precisa orar pela salvação de Israel? Veja Rm 10:1-3. Paulo diz que Israel rejeitou a justiça de Deus. Em RM 9:32b diz"Pois tropeçaram na pedra de tropeço"(Jesus).É Paulo que afirma em Rm 11:17 que nós, gentíos, entramos (fomos salvos)no lugar dos que de Israel foram cortados. Deus não muda, todos sabemos disto! Quem muda é o homem e recebe disciplina de Deus. Quem pode contestar a sentença de Deus em Êxodo 32:33"Então disse o Senhor a Moisés:Aquele que PECAR CONTRA MIM,a este RISCAREI DO MEU LIVRO". Vejamos o que disse Deus sobre uma promessa feita ao sacerdote de nome Eli em I Samuel 2:30 "Portanto, diz o Senhor Deus de Israel: Na verdade TINHA FALADO EU que a tua casa e a casa de teu pai ANDARIAM DIANTE DE MIM PERPETUAMENTE; porém AGORA DIZ O SENHOR: LONGE DE MIM TAL COISA, porque os que me honram honrarei, PORÉM OS QUE ME DESPREZAM SERÃO DESPREZADOS".Sabemos que Deus escolheu Israel para ser seu povo. No entanto, Deus citou suas exigências para Israel conforme Êxodo 34:10-28. Assim, por Israel desobedecer continuamente, Deus colocou uma pedra de Tropeço em Sião I Pedro 2:6 (Jesus), e Ele assim afirmou em João 15:22"Se eu não viera, nem lhes hovera falado, NÃO TERIAM PECADO,mas agora NÃO TEM DESCULPA DO SEU PECADO. Desta forma, Israel que tinha o livre acesso ao reino de Deus, teve essa condição RETIRADA POR DEUS como visto em Mateus 21:43"Portanto, EU VOS DIGO que o reino de Deus VOS SERÁ TIRADO, e SERÁ DADO A UMA NAÇÃO QUE DÊ SO SEUS FRUTOS".Assim, os judeus que antes eram salvos, agora, para alcançarem salvação (isto mostra que não existe para Israel, plano especial "secreto/não revelado"), precisam aceitar a Jesus como Senhor e Salvador como revelado em João 8:31-32 e João 14:6. Deus fez suas exigências para Israel e tudo se confirma em Josué 24:19-24. Também se revela que TODAS as promessas JÁ FORAM CUMPRIDAS POR DEUS em Josué 21:43-45 e Josué 23:14-16. Que amor de Deus esteja em nossos corações. Que seja nosso alvo levar pessoas a Cristo Jesus. Amem e Amém pessoas almas para e o desejo de servir e ajudar ao próximo,

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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