Expiação e fé: mal-entendidos

A interpretação universalista da redenção a partir de algumas passagens da Bíblia, como 1Jo 2:2, quando levada a sério, cria graves problemas para seus proponentes. Se tomarmos as palavras relacionadas à obra de Cristo na cruz (satisfação, propiciação, redenção, resgate, etc.) no sentido que o Novo Testamento lhe conferem e insistirmos que Jesus morreu vicariamente por todos os homens, o universalismo é a conclusão inescapável.

Para evitar disparar a armadilha em que pisaram, os que defendem a expiação universal dizem que ela não é eficaz em si mesma, mas algo potencial. Assim, a cruz não obtém a salvação de fato, apenas a torna possível. O que tranforma essa possibilidade em uma salvação real é a fé. Pelo ato de crer, o homem libera a energia potencial do Calvário. Em última análise, o fator determinante da salvação está no homem, e não em Deus. Esta forma de relacionar expiação e fé é equivocada.



A fé como meio de salvação

Deus usa meios para aplicar a salvação aos que comprou com o Seu sangue. A pregação é um desses meios. "Como crerão nAquele de quem não ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue?" (Rm 10:14). Assim como a pregação, a fé é o meio pelo qual o homem se apropria da salvação. Paulo diz que "pela graça sois salvos, por meio da fé..." (Ef 2:8). Porém, é um erro pensar na fé como causadora da salvação. A fé um meio instrumental, assim como a oração e a pregação do evangelho.

Fé e obras

É comum as pessoas conceberem a fé como uma espécie de obra. A confusão nasce de uma má compreensão da declaração bíblica de que não somos justificado pelas obras, mas pela fé. Na mente de muitos, assim que como no Antigo Testamento se realizava boas obras para ser achado justo diante de Deus, no Novo Testamento a fé ocupou o lugar das obras como algo que o homem deve realizar para ser salvo. Se no passado havia muitas obrigações na forma de preceitos da lei, agora há apenas uma obrigação, a fé. Porém, "justificação pela fé" não é uma idéia paralela a "justificação pelas obras". Pois as obras de fato justificariam aqueles que as pudessem realizar, mas a fé não justifica ninguém.

Paulo mostra a diferença essencial entre fé e obras ao dizer "ao que trabalha não se lhe conta a recompensa como dádiva, mas como dívida" (Rm 4:4). Se a fé fosse algo que o homem faz para Deus, então a salvação deixa de ser graciosa para ser um pagamento. Porém a apóstolo acrescenta "ao que não trabalha, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é contada como justiça" (Rm 4:5). O contraste paulino perde o sentido se fé for algo que o homem deve realizar como sua parte na salvação, como ensinam os sinergistas. Paulo diz que "procede da fé o ser herdeiro, para que seja segundo a graça" (Rm 4:16). Portanto, fé e obras não tem nada em comum.

O sentido bíblico de fé é o de confiar na obra de Cristo e descansar nele. Ao contrário de fazer algo, é exatamente deixar de fazer o que quer que seja, confiando que Jesus já fez tudo o que é necessário à nossa salvação. Fé é um abandono total de qualquer tentativa de fazer algo que nos torne aceitável diante de Deus. É notável como a pergunta do pecador penitente, mas não esclarecido pela Palavra, é sempre "que me é necessário fazer para me salvar?" (At 16:30). E é igualmente notável que a resposta é sempre "crê no Senhor Jesus" (At 16:31), vale dizer, não faça nada, apenas confie e descanse no Senhor. A fé é um movimento para fora de si mesmo, negando qualquer coisa que o homem faz e indo para o que Cristo que fez.

Salvação por obra

Já dissemos que a fé não salva, o que salva é a obra perfeita e completa de Jesus na cruz. No fundo, a salvação é pelas obras, mas como não podíamos realizá-las, Jesus realizou por nós, vivendo uma vida de perfeita justiça e morrendo uma morte em perfeita obediência, em nosso lugar. Assim, atribuir nossa justificação ao nosso ato de crer é no mínimo negar o valor infinito da obra de Cristo no Calvário.

A causa e a fonte de nossa salvação é o sacrifício de Jesus. Sem a obra de Cristo,  qualquer fé é morta. Deus, pelo "seu divino poder nos tem dado tudo o que diz respeito à vida e à piedade" (2Pe 1:3) e isto certamente inclui a fé, haja vista que a Bíblia diz "vos foi concedido, por amor de Cristo, não somente o crer nele, mas também o padecer por ele" (Fp 1:29). E todas as bênçãos relacionadas à salvação, a fé inclusive, fluem do Calvário para nossos corações. Por isso cremos que é a morte de Jesus que confere eficácia à fé, e não o contrário.

Tendo visto que a fé não é causal mas instrumental, que não é equivalente a obras e que implica não fazer nada porque confia que Jesus fez tudo e, finalmente, que a eficácia da morte de Jesus não depende da fé, pelo contrário, a fé resulta da expiação, o que podemos dizer é: não tenha fé na fé, tenha fé na obra de Jesus. Ela torna certa e segura a salvação mediante a fé de todos aqueles por quem Ele entregou sua vida.

Soli Deo Gloria

3 comentários:

  1. Esse é o tipo de coisa que o cristão tem que ser lembrado sempre.
    Senão, esmurece, porque depende do "tamanho" da sua fé. E quando vê que sua fé é pouca, e DEPENDE dela (e não da Cruz), logo, se entristece, esfria...

    Deus te abençoe por nos lembrar!

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  2. Excelente texto... mais uma vez fica claro que ou Cristo é tudo (completo) de Deus para a nossa salvação ou não há salvação para nós. Esse post acaba por revelar o grande erro dos arminianos (como você colocou, sinergistas). Como pode a Graça Especial (Salvação em linha gerais) ser oferecida a todos (todo o individuo da raça humana) se a oferta de Expiação e particular? (o quê, Deus fez uma propaganda enganoso?!). Si o que difere o salvo do não salvo é a fé gerada no coração, e essa fé só é gerada pela Expiação, e como você disse “a eficácia da morte de Jesus não depende da fé, pelo contrário, a (eficiente) fé resulta da (eficiente) expiação” - em parêntese acréscimo meu. Ou todos (cada individuo da raça humana) são salvos ou a Fé Salvadora não é ofertada a todos (cada individuo da raça humana). Só existe duas formas de crer: salvação universal ou expiação particular. Como sabemos que nem todos serão salvos...

    Ou estamos debaixo da Cruz de Cristo... ou debaixo da ira de Deus.

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  3. Neto,

    Não há como ter segurança e alegria completa, se nos fiarmos a alguma coisa "nossa": fé, obediência, serviço... sempre estaremos sujeitos às variações de nossa natureza.

    Mas quando fixamos os olhas na fidelidade divina, e no sacrifício de Jesus, então podemos viver todos os dias, os bons e os nem tanto, em completa gratidão Àquele que nos guarda.

    Em Cristo,

    Clóvis

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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