Entrevista com João Calvino

Hoje, dia 10 de julho, comemora-se 500 anos do nascimento de João Calvino. Se você ouviu falar dele, talvez não tenha sido coisa boa. Possivelmente, associaram o nome dele a doutrinas difíceis de aceitar. Pensando nisso, resolvemos entrevistar o próprio e quem sabe lendo a entrevista a seguir, se desfaça essa má impressão sobre sua pessoa e ensino.

Cinco Solas: Comecemos pelo começo, como foi a sua conversão?

João Calvino
: Inicialmente, visto eu me achar tão obstinadamente devotado às superstições do papado, para que pudesse desvencilhar-me com facilidade de tão profundo abismo de lama, Deus, por um ato súbito de conversão, subjugou e trouxe minha mente a uma disposição susceptível, a qual era mais empedernida em tais matérias do que se poderia esperar de mim naquele primeiro período de minha vida.


CS
: Quer dizer então que sua aceitação do evangelho dos reformadores não foi imediata?


JC: Contrariado com a novidade, eu ouvia com muita má vontade e, no início, confesso, resisti com energia e irritação; porque foi com a maior dificuldade que fui induzido a confessar que, por toda minha vida, eu estivera na ignorância e no erro.

CS
: Podemos dizer então que o senhor foi convencido pelos protestantes?


JC
: É o Espírito Santo quem nos regenera e nos transforma em novas criaturas. A regeneração é o ato criador do Espírito Santo, implantando na alma um novo princípio de vida espiritual. A conversão é o primeiro exercício de desse novo princípio gracioso, voltando-se o pecador renascido espontaneamente para Deus.


CS: O senhor é acusado de incentivar a licenciosidade, por defender a doutrina conhecida como "uma vez salvo, salvo para sempre". O que tem a dizer a respeito?

JC
: A herança da vida eterna já nos está garantida, visto, porém, que esta vida se assemelha a uma pista de corrida, temos que nos esforçar para alcançar a meta final. Aqueles que não perseveram são semelhantes ao indolente agricultor que só ara e semeia e então deixa o trabalho inacabado, quando aplainar é indispensável para evitar que a semente seja comida pelas aves ou crestada pelo sol ou destrída pela geada. Felizes porém são aqueles que abraçam o evangelho e permanecem nele!


CS: Isso significa, então, que um nascido de novo pode perder a salvação?

JC: Os eleitos acham-se fora do perigo da apostasia final, porquanto o Pai que lhes deu Cristo, seu Filho, para que sejam por Ele preservados, é maior do que todos, e Cristo promete (Jo 17:12) que cuidará de todos eles, a fim que nenhum deles venha a perecer. E Deus não frustra a esperança que Ele mesmo produz em nossas mentes através de Sua Palavra e não costuma ser mais liberal em prometer do que em ser fiel na concretização do que prometeu.

CS
: Mas, permita-me insistir neste ponto, a doutrina da justificação pregada pelo senhor e pelos outros reformadores não desestimula a santidade?


JC: É certamente verdade que somos justificados em Cristo tão-somente pela misericórdia divina, mas é igualmente verdade e correto que todos quantos são justificados são chamados pelo Senhor para que vivam uma vida digna de sua vocação. Portanto, que os crentes aprendam a abraçá-lo, não somente para a justificação, mas também para a santificação, assim como Ele se nos deu para ambos os propósitos, para que não venham mutilá-lo com uma fé igualmente mutilada. O serviço do Senhor não só implica uma autêntica obediência, como também a vontade de por de lado seus desejos pecaminosos e submeter-se completamente à direção do Espírito Santo.

CS: O senhor também não é muito popular por causa da doutrina da predestinação...

JC
: Só porque afirmo e mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta providência de Deus, uma multidão de homens presunçosos se ergue contra mim alegando que apresento Deus como sendo o autor do pecado. Outros tudo fazem para destruir o eterno propósito divino da predestinação, pelo qual Deus distingue os réprobos e os eleitos.


CS
: Mas o senhor concorda que essa doutrina é de fato polêmica, não concorda?


JC
: A predestinação divina se constitui realmente num labirinto do qual a mente humana é completamente incapaz de desembaraçar-se. Mas a curiosidade humana é tão insistente que, quanto mais perigoso é um assunto, tanto mais ousadamente ela se precipita para ele. Daí, quando a predestinação acha-se em discussão, visto que o indivíduo não pode conter-se dentro de determinados limites, imediatamente, pois, mergulha nas profundezas do oceano de sua impetuosidade. Tenhamos, pois, em mente que será uma loucura querer conhecer todas as coisas relacionadas com a predestinação, exceto o que nos é dado na Palavra de Deus.


CS
: Apesar dessa dificuldade, o senhor defende a doutrina da predestinação...


JC
: O fundamento de nossa vocação é a eleição divina gratuita, pela qual fomos ordenados para a vida antes que fôssemos nascidos. Assim, a nossa vocação e a nossa justificação outra coisa não são que testemunhas da eleição divina, sendo que o Senhor introduziu na comunhão de sua Igreja aqueles que Ele havia preordenado antes de eles nascerem.


CS: Mas se Deus já escolheu a quem irá salvar, que sentido faz orar ou pregar o evangelho?

JC: A pregação é um instrumento para consecução da salvação dos crentes. A pregação é o instrumento da fé, por isso o Espírito Santo torna a pregação eficaz. Elimine-se o evangelho e todos permaneceremos malditos e mortos à vista de Deus. Esta mesma Palavra, por meio da qual somos gerados, passa a ser leite para nos criar, bem como alimento sólido para nossa nutrição contínua. E para incitar os verdadeiros crentes a uma mais profunda solicitude à oração, ele promete que, o que propusera fazer movido pelo seu próprio beneplácito, ele concederia em resposta aos seus pedidos. Tampouco existe alguma inconsistência entre estas duas verdades, a saber: que Deus preserva a igreja no exercício de sua soberana mercê, e que ele a preserva em resposta às orações de seu povo. Pois, visto que sua orações se acham conectadas às promessas graciosas, o efeito daquelas depende inteiramente destas. Aquele que confia na providência divina, deve fugir para Deus com orações e forte clamor.

CS: O senhor escreveu uma teologia sistemática e comentários para quase todos os livros da Bíblia. O que diria àqueles que estão pensando em ler algum livro seu?

JC: A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente e Deus me deu a graça de escrever. Fiz isso de modo mais fiel possível e nunca corrompi uma só passagem da Escritura, nem conscientemente as distorci. Quando fui tentando a requintes, resisti à tentação e sempre estudei a simplicidade. Nunca escrevi nada com ódio a ninguém, mas sempre coloquei fielmente diante de mim o que julguei ser a glória de Deus.

CS
: Para finalizar, que mensagem gostaria de deixar aos nossos leitores?


JC
: O evangelho não é uma doutrina da fala, mas de vida. Não se pode assimilá-lo por meio da razão ou da memória, única e exclusivamente, pois só se chega a compreendê-lo totalmente quando ele possui toda a alma e penetra no mais profundo do coração. Os cristãos deveriam detestar aqueles que tem o evangelho nos lábios, porém não em seus corações.


Nota: As frases de João Calvino foram todas extraídas do livro Calvino de A a Z, de Hermisten Costa, publicado pela editora Vida.


8 comentários:

  1. Paz Clóvis,

    Otima entrevista, perguntas diretas, unidas as claras respostas de Calvino.

    Gostei muito.

    Em Cristo,

    Ednaldo.

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  2. Caríssimo Clóvis,

    Que bela entrevista! Uma idéia fantástica essa sua. Gostei tanto que vou postar no meu blog, como parte da Semana Calvino.
    No amor de Cristo,
    Roberto

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  3. Excelente postagens possui seu blog, teologia educativa e instrutiva.
    Calvino foi o mentor da teologia no periodo reforma e pós reforma, é preciso considera-lo.
    Acesse meu blog.www.vivendoteologia.blogspot.com

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  4. Ednaldo,

    Obrigado pelas suas já habituais visitas e por seus comentários. Realmente, dá gosto ler Calvino, que consegue ser profundo e ao mesmo tempo claro.

    Em Cristo,

    Clovis

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  5. Roberto,

    Obrigado pela sua apreciação e fique à vontade para publicar e divulgar os conteúdos do Cinco Solas.

    Seu blog é excelente.

    Clóvis

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  6. Danilo,

    Deus te abençoe pela sua visita e por suas palavras. Oportunamente estarei conhecendo seu blog.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  7. OLá Clóvis,
    Realmente impressionante. Gostei bastante.
    Quando escrevi o bate papo com Lewis estva achando que eu deveria estar ficando louco...hehehe...mas achei mais um também...

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  8. Daniel,

    Meu pai dizia que de médico e de louco todo mundo tem um pouco. Alguém até sugeriu que eu andava "meio espírita" rsrs

    Que Deus te abeçoe.

    Em Cristo,

    Clóvis

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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