Carta de um apóstolo verdadeiro a uma igreja fiel - Cl 1:1-2

Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus, e o irmão Timóteo, aos santos e fiéis irmãos em Cristo que se encontram em Colossos, graça e paz a vós outros, da parte de Deus, nosso Pai. Cl 1:1-2
Pela graça de Deus iniciaremos nossa série de estudos na Carta aos Colossenses, procurando entender sua doutrina e extrair aplicações para nossas vidas. O tema de nosso estudo é “Cristo em vós, esperança da glória” (1:17). Cremos que a maior necessidade da igreja em geral e de cada um de nós em particular é Jesus Cristo, por mais que falemos que “já temos Jesus”. Precisamos conhecer a glória de Cristo revelada nas Escrituras e o experimentar em nossa vida, do contrário, nada nos será suficiente. Mas se nos for revelada a Sua glória e soubermos na prática o que significa “Ele em nós”, então nada mais será necessário. Em suma, se Cristo não nos bastar, nada bastará, e se Ele nos faltar, nada o substituirá. Disso trata a Epístola aos Colossenses.

O autor da carta é “Paulo” (1:1; 1:23; 4:18), judeu e cidadão romano nascido em Tarso, filho de pai fariseu, criado e instruído em Jerusalém, tornando-se excessivamente zeloso pelas tradições, o que o levou a perseguir a igreja, lançando-os na prisão, matando e aprovando quando os matavam. Após um encontro pessoal com Jesus, ocorrido na estrada de Damasco quando ele “respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos do Senhor” (At 9:1), converteu-se ao Senhor. Tornou-se então “apóstolo de Cristo Jesus”, ou seja, um enviado especial de Jesus, seu Senhor. Não devido às suas habilidades, nem por sua escolha pessoal e menos ainda por nomeação de outro homem, mas “por vontade de Deus”. Aos gálatas ele diria “quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça... não consultei carne e sangue”  (Gl 1:15-16).

Escrevendo de uma prisão em Roma, inclui “o irmão Timóteo” na saudação. Este era filho de pai grego e de uma judia piedosa de nome Eunice (2Tm 1:5), a qual o instruiu desde pequeno nas Sagradas Escrituras. Companheiro fiel e assistente dedicado, tinha bom testemunho de várias igrejas (At 16:2). Paulo o chamava “meu cooperador” (Rm 16:21), “meu filho amado” (1Co 4:17), “ministro de Deus” (1Ts 3:2) e “verdadeiro filho na fé” (1Tm 1:2). No final da sua vida, diante da iminente execução, Paulo dirige a ele as suas últimas palavras (2Tm 4:6-8).

A carta é escrita aos crentes que vivem em duas dimensões: “em Colossos” e “em Cristo”. Colossos já havia sido uma cidade importante, mas à época da carta estava obscurecida pelas vizinhas Laodicéia e Hierápolis. Sua população era formada de nativos da Frígia, de imigrantes gregos e de judeus que foram para ali deportados. Isto, e o fato da cidade estar na rota entre Éfeso e Antioquia da Pisídia, fazia da região da Frígia, onde estava Colossos, um caldeirão de filosofias, misticismo e religiões que ameaçavam a jovem igreja de Colossos, o que veio motivar a carta, como veremos oportunamente.

É notável que Paulo não fundou a igreja em Colossos e é bem possível que ele jamais chegou a vê-los pessoalmente (2:1). Como surgiu essa comunidade de fé? Quando Paulo estava em Éfeso, discorria “diariamente na escola de Tirano... por espaço de dois anos, dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor” (At 19:9-10). Um desses ouvintes foi Epafras, morador de Colossos. Ele fundou, além da igreja em Colossos, as de Felipos e Laodicéia. Quando a heresia prevalecente na região ameaçou a jovem igreja de Colossos, ele foi a Roma onde Paulo estava preso, deu-lhes as boas notícias sobre a fé da igreja mas falou de sua preocupação com a saúde espiritual dela. Paulo resolveu enviar uma resposta escrita à igreja, louvando a Deus pela fé, amor e esperança deles, orando por eles a afirmando a supremacia de Cristo como cura contra as heresias.

Não obstante estarem sob ataque de falsos mestres, os colossenses estão “em Cristo”. Isto fazia deles “santos” para com Deus e “irmãos fiéis” para com o próximo (sem excluir crença e fidelidade a Deus). Por isso a saudação “graça e paz” não é mera formalidade, pois essas virtudes vem “da parte de Deus Pai”. Desse modo a primeira palavra, de origem grega, refere-se ao “favor da bondade misericordiosa pela qual Deus, exercendo sua santa influência sobre as almas, volta-as para Cristo, guardando, fortalecendo, fazendo com que cresçam na fé cristã, conhecimento, afeição, e desperta-as ao exercício das virtudes cristãs” (Strong). Paz, palavra de origem hebraica, refere-se primeiramente a “segurança, seguridade, prosperidade, felicidade” que resulta de “uma alma que tem certeza da sua salvação através de Cristo e por esta razão nada teme de Deus e vive contente com porção terrena” (Strong). Assim, a graça é a causa, a paz a cosnequência da salvação.

Algumas observações doutrinais podem ser extraídas dos versos 1 e 2. Podemos aprender sobre a pessoa de Deus, especificamente sobre as duas primeiras pessoas da Trindade, que agem em harmonia sem comprometer a distinção entre Deus Pai e Deus Filho. Paulo é apóstolo do Filho, por vontade do Pai. Os crentes estão em Cristo e recebem graça e paz da parte do Pai. Na expressão “Cristo Jesus” temos referência tanto à eterna divindade (Cristo) como à permanente humanidade (Jesus) do Senhor. O nome Cristo ocorre 23 vezes na carta, bem mais que Jesus, seis vezes, nenhuma delas sozinha. A ênfase na divindade é compreendida quando se considera os aspectos da heresia que motivou a carta.

Vemos também nesses versos iniciais igreja em seu duplo aspecto: triunfante (“em Cristo”) e militante (“em Colossos”). Por estar unida a Cristo, a igreja vive numa realidade de graça e paz inabaláveis, pois são filhos de Deus, “nosso Pai”. Quanto à união com Cristo é interessante observar que “em Cristo” só ocorre nos dois primeiros capítulos da carta, e “no Senhor” nos dois últimos apenas. Isto aponta para a verdade que nossa posição é de “santos... em Cristo”, mas que em nossa atual condição no mundo devemos “andar no Senhor” com santidade. A santidade que Cristo obteve por nós, não exclui a santidade que Ele realiza em nós. Estar em Cristo demanda andar no Senhor.

Consideremos também a doutrina do ofício apostólico. Paulo não banaliza o ofício. Pelo contrário, enfatiza que é apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus, negando que o apostolado possa se originar na vontade de algum homem. Por maior que estimasse Timóteo como cooperador fiel, não o incluiu como apóstolo em nenhuma de suas cartas, o que aliás não fez com ninguém que não fosse apóstolo nomeado pessoalmente por Cristo Jesus. A chamada “restauração apostólica” moderna nada mais é que usurpação indevida e sem fundamento de um ministério que visava pôr o fundamento e não edificar a casa (Ef 2:20).

Disso tudo podemos tirar lições práticas de como servir a Deus em meio ao caos religioso. A primeira delas é que devemos servir na vocação em que fomos chamados e de acordo com os dons e talentos que recebemos. Não devemos aspirar cargos de liderança, mas entender que estamos sob o senhorio de Cristo e é Ele quem decide como e onde vai nos usar. Devemos obter testemunho de fidelidade, sem nos importar se servimos num papel secundário no Reino. Fidelidade, não reconhecimento, deve ser a nossa meta.

Outra lição válida é a santidade devida a Deus. O fato da fonte dessa santidade estar em Cristo, bem como a segurança que a adoção, a graça e a paz nos trazem não excluem, nem diminuem a necessidade de procurarmos viver de forma piedosa. Se estamos em Cristo, andemos no Senhor!

Soli Deo Gloria!

Leia o próximo artigo da série: Graças a Deus por uma igreja virtuosa: Cl 1:3-8

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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