O Arminianismo Wesleyano

Charles Hodge
O sistema arminiano foi modificado tão profundamente por Wesley e seus partidários e seguidores, que lhe dão a designação de arminianismo evangélico, e reivindicam para ele originalidade e globalidade. Difere do sistema dos remonstrantes:

Ao admitir que, desde a Queda, o homem se acha em um estado de absoluta ou total contaminação e depravação. O pecado original não é mera deterioração de nossa natureza, mas a total depravação moral.

Ao negar que os homens, neste estado da natureza, tenham algum poder para cooperar com a graça de Deus. Os defensores deste sistema consideram a doutrina da capacidade natural, ou da capacidade do homem natural para cooperar com Deus, como semipelagiana, e a doutrina de que os homens tenham por natureza a capacidade de guardar com perfeição os mandamentos de Deus, como pelagianismo puro.

Ao afirmar que a culpa que recai sobre todos os homens pelo pecado de Adão é removida pela justificação que veio a todos os homens pela justiça de Cristo.

Que a capacidade do homem de poder jamais cooperar com o Espírito de Deus não se deve a nada inerente em seu estado natural caído, mas à influência universal da redenção de Cristo. Portanto, cada recém-nascido chega ao mundo livre da condenação com base na justiça de Cristo, e com uma semente da graça divina ou o princípio de uma nova vida implantada no coração. "É indubitável que, pelo delito de um", afirma Wesley, "veio o juízo sobre todos os homens (todos que nascem no mundo) para condenação, e isso afeta a cada criancinha da mesma forma que a cada pessoa adulta. Mas é igualmente verdade que, pela justiça de um, veio sobre todos os homens o dom gratuito (ou seja, para todos os nascidos no mundo, tanto criancinhas quanto adultos) para justificação." E Fletcher declara: "Como Adão trouxe condenação universal e uma semente de morte sobre todas as criancinhas, assim Cristo traz sobre elas uma justificação geral e uma semente universal de vida." "Cada ser humano", diz Warren, "tem uma medida de graça (a não ser que a tenha rejeitado), e os que empregam fielmente este dom da graça serão aceitos por Deus no dia do juízo, sejam eles judeus ou gregos, cristãos ou pagãos. Em virtude da mediação de Jesus Cristo entre Deus e nossa raça apostatada, todos os homens, desde a promessa de Gênesis 3.15, estão sob a economia da graça,e a única diferença entre eles como sujeitos ao governo moral de Deus é que, enquanto todos têm graça e luz suficientes para alcançar a salvação, alguns, sobre e acima disso, têm mais e outros menos." Wesley diz: "Nenhuma pessoa vivente deixa de ter algo da graça preveniente, e cada grau é um grau de vida." E em outro lugar: "Digo que há uma medida de liberdade supernaturalmente restaurada para cada pessoa, juntamente com aquela luz sobrenatural que alumia cada pessoa que vive neste mundo."

Segundo esta visão do plano de Deus, ele decretou ou propôs: (1) Permitir a Queda do homem. (2) Enviar seu Filho para que fizesse plena satisfação pelos pecados de todo o mundo. (3) Com base nesta satisfação, redimir a culpa da primeira transgressão de Adão e do pecado original, e comunicar tal quantidade de graça e luz a todos e a cada um dos homens a ponto de permitir a todos alcançar a vida eterna. (4.) Os que devidamente melhoram aquela graça e perseverança até o fim, são ordenados para a salvação; Deus se propõe, desde a eternidade, salvar àqueles que ele previu perseverar assim na fé e na santidade.

É evidente que o principal ponto de diferença entre os esquemas luteranos mais recentes, arminianos e wesleyanos, e o dos agostinianos consiste que, segundo este último, é Deus, e segundo os outros é o homem, quem determina aqueles que hão de ser salvos. Agostinho ensinou que, da família caída dos homens, todos poderiam ser deixados, com justiça, a perecer em sua apostasia; Deus, porém, meramente por seu beneplácito, elegeu alguns para a vida eterna, enviou seu Filho para a redenção desses, e lhes dá o Espírito Santo para garantir seu arrependimento, fé e santidade até o fim. "Cur autem non omnibus detur [donum fidei], fidelem movere non debet, qui credit ex uno omnes iss in condemnationem, sine dúbio justissimam: ita ut nulla Dei esset justa reprehensio, etiamsi nullus inde liberaritur. Unde constat, magnam esse gratiam, quod plurimi liberantur."

Portanto, é Deus, e não o homem que decide quem há de ser salvo. Ainda que se possa dizer que esta é a questão crucial entre estes grandes sistemas, os quais têm dividido a Igreja em todas as épocas, não obstante a questão envolve necessariamente todas as outras diferenças, como a natureza do pecado original; o motivo de Deus providenciar a redenção; a natureza e o desígnio da obra de Cristo; e a natureza da graça divina, ou a obra do Espírito Santo. E assim, em grande medida, todo o sistema teológico, e necessariamente o caráter de nossa religião, depende da postura que se adote ante esta questão concreta. Portanto, trata-se de um tema de maior relevância prática, e não de um assunto de especulação ociosa.

Charles Hodge
In: Teologia Sistemática

4 comentários:

  1. Excelente texto. Apesar da intenção de Hodge de tentar desmerecer o Arminianismo-Wesleyano a impressão que ficou foi:

    1. O Agostinianismo dá uma maior ênfase no poder do Pecado e na Queda do Homem;

    2. O Wesleyanismo não desconsidera a severidade dos efeitos da queda do homem, mas dá maior ênfase no poder da Graça de Deus. Isto é, onde abundou o pecado, superabundou a graça.

    Poderíamos concluir então que, de acordo com as ênfases dadas, o Agostinianismo é a doutrina da queda do homem (do pecado) e o Wesleyanismo é a verdadeira doutrina da graça de Deus.

    Qual das duas visões é a mais coerente com as Escrituras? Sabemos a resposta.

    Bem esclarecedor esse texto. Obrigado por compartilhar!

    Que o poder da graça de Deus seja mais forte do que o poder do pecado em nossas vidas. Amém!

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    1. Luís,

      Eu não penso que a intenção de Hodge seja desmerecer o arminianismo- wesleyanismo, por discordar de uma posição não implica desprezá-la. Até onde posso avaliar, ele faz uma representação justa do sistema de Wesley, a partir de seus expoentes.

      Também penso que ambos, agostianismo e wesleyanismo dão igual ênfase nos efeitos da Queda, portanto, dizer que um é a doutrina do Pecado e outra da graça, não faz justiça a nenhum dos dois sistema. Diria que, à parte os efeitos da morte de Cristo, não há diferença entre os dois sistemas.

      Porém, veremos diferença entre os dois no que diz respeito ao "poder da graça de Deus", se entendida como a graça preveniente. E se o foco for no poder da graça, não vejo como wesleyanismo tenha maior ênfase que o calvinismo, pois embora se admita que quanto à culpa de Adão a mesma é sempre eficaz, irresistível e objetiva, a mesma não é suficiente para salvar. É necessário que os homens "os que empreguem fielmente este dom da graça" para serem "aceitos por Deus no dia do juízo". Ou seja, é correta a conclusão do Hodge que, em última análise, que nos sistemas luteranos, arminianos e wesleyanos a salvação de uma pessoa depende dessa pessoa e não de Deus, ao contrário do calvinismo que sustenta que é a graça de Deus, e não o uso que o homem faz dela, que o salva.

      Em suma: o calvinismo não atenua nem as consequências do pecado, nem o poder da graça, pelo contrário, afirma que suavizar uma é enfraquecer a outra.

      Em Cristo,

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  2. Olá, Clóvis!

    O texto é muito esclarecedor mesmo quanto ao wesleyanismo. Gostei muito, haja vista eu ser metodista livre. Porém, quanto ao arminianismo clássico, o texto de Hodge não condiz com a verdade. Armínio e os remonstrantes criam na depravação total. Veja:

    ARMÍNIO
    "Neste estado [caído], o livre-arbítrio do homem para o verdadeiro bem não está apenas ferido, enfermo, inclinado, e enfraquecido; mas ele está também preso, DESTRUÍDO, e perdido. E os seus poderes não só estão debilitados e inúteis a menos que seja assistido pela graça, mas não tem poder algum exceto quando é animado pela graça divina." Arminius, James The Writings of James Arminius (three vols.), tr. James Nichols and W.R. Bagnall (Grand Rapids: Baker, 1956), I:252

    TERCEIRO ARTIGO DA REMONSTRÂNCIA
    Que o homem não possui por si mesmo graça salvadora, nem as obras de sua própria vontade, de modo que, em seu estado de apostasia e pecado para si mesmo e por si mesmo, não pode pensar nada que seja bom – nada, a saber, que seja verdadeiramente bom, tal como a fé que salva antes de qualquer outra coisa. Mas que é necessário que, por Deus em Cristo e através de seu Santo Espírito, seja gerado de novo e renovado em entendimento, afeições e vontade e em todas as suas faculdades, para que seja capacitado a entender, pensar, querer e praticar o que é verdadeiramente bom, segundo a Palavra de Deus [Jo 15.5].

    Graça e Paz, meu irmão!

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    1. Marlon,

      Eu conhecia a afirmação de Armínio, inclusive ela se encontra publicada neste blog. Em suma, o que o Hodge diz sobre a doutrina remonstrante (ele não cita diretamente Armínio) é:

      1. Todos os homens derivam de Adão uma natureza corrupta pela qual se inclinam para o pecado, mas os homens são responsáveis apenas por seus próprios atos voluntários. Cita Apologia pro Confessione Remonstrantum, Edição de Lyden, 1630, p.84 e Limborch, Theologia Christiana, 1715, p. 439 em apoio.

      2. Negam que o homem, por sua queda, tenham perdido a capacidade para o bem. Cita Confessio Remonstrantium, VI, 6.

      3. Essa capacidade, por só, não é suficiente para assegurar o regresso da alma para Deus. Confessio Remonstrantium, 6

      4. Esta graça é oferecida a todos os homens em medida suficiente para capacitá-los a arrepender-se, crer e guardar todos os mandamentos de Deus, Apologia pro Confessione Remonstrantum, p. 162 e Limborch, Theologia Christiana, p. 352

      5. Aqueles que, de seu próprio livre-arbítrio, e no exercício daquela capacidade que lhes pertence desde a Quda, cooperam com esta divina graça, são convertidos e salvos, Confessio Remonstrantium, XVII, 8

      6. Os que assim creêm são predestinados para a vida eterna, não como indivíduos, mas como classe, Apologia pro Confessione Remonstrantum, p. 102

      Infelizmente para mim, os textos das citações estão em latim, por isso não sei se o Hodge citou e tirou conclusões corretamente.

      Em Cristo,

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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