Resposta ao Ministério Cristão Apologético

Luciano, do blog Ministério Cristão Apologético, apresentou uma refutação ao meu artigo Falarão Novas Línguas, intitulado As Novas Línguas, Segundo o Irmão Clóvis. O tom do artigo é amistoso, como deve ser nas controvérsias entre irmãos. Espero que ao apresentar esta tréplica eu consiga manter a cordialidade de nossa conversa.

Vamos repisar os argumentos apresentados por ambas as partes, embora seja recomendável que você leia os artigos referidos acima. Eu baseei minha defesa no fato de que Jesus diz que os crentes irão falar em novas línguas e não em outras línguas e mais decisivamente no fato de que kainos, o termo utilizado para novas, é utilizado para algo em si mesmo novo, inédito. É claro que para isso me apoiei nas distinções feitas pelos linguistas entre neos e kainos, uma vez que não tenho conhecimento para prescindir de tais apoios.

A réplica do Luciano, em síntese, é que em Atos 2 os discípulos falaram em idiomas terrenos, que Paulo usa “outras línguas” e não “novas línguas” em 1Co 14 e que kainos não se distingue de neos em Lc 22:20; Hb 8:8 e Hb 12:24. Antes de apresentar uma tréplica preciso dizer que gostei da abordagem dele, uma vez que não desqualifica simplesmente o que eu escrevo, mas procura apresentar contra-pontos bíblicos. Se parássemos por aqui, acho que já teríamos frutos. Mas, mesmo correndo o risco de estragar o conseguido até agora, vamos avançar um pouco mais.

1. As línguas faladas em Atos 2. Eu tratei um pouco mais extensamente do que farei aqui no artigo Falar em Línguas: Natureza e Atualidade - Parte 3, onde abordei a questão das línguas em Atos 2. Nele, admito que os galileus falaram em línguas que não tinham aprendido, e que os judeus oriundos da Diáspora e que então habitavam em Jerusalém os entenderam falando nos idiomas das terra onde nasceram. Porém, isso se deu como sinal para aqueles ouvintes, e não por necessidade evangelísticas, pois tratavam-se de judeus, que entendiam o aramaico e/ou o grego, falado pelos moradores da Palestina, inclusive Pedro, que aliás pregou-lhes o evangelho numa língua comum a eles. Portanto, o fato de as línguas faladas pelos crentes galileus em seu louvor a Deus terem sido entendidas pelos habitantes de Jerusalém não invalida o fato de que aquelas línguas eram novas no sentido primordial de kainos

2. Paulo não usa o termo novas línguas. Isto é um fato. Como é fato que Paulo não usa adjetivos para línguas, exceto na citação que faz de Isaías, referindo-se aos povos de língua estrangeira. Nas demais vezes, ou se refere à variedade de línguas (expressão que por si só não depõe contra ou a favor de nossos pontos de vistas) ou na maioria das vezes simplesmente línguas. Ora, é sabido que Paulo tem um vocabulário às vezes peculiar e nada sugere que ao não usar o qualificativo novas ele estivesse indicando que as línguas não eram novas em nenhum sentido. Temos aqui um simples argumento do silêncio, pois Paulo não usa kainos, como também não usa neos em relação à línguas.

3. Kainos não se distingue que neos. Acho que este ponto é mais decisivo na nossa disputa, uma vez que os habitantes de Jerusalém terem identificado as línguas faladas pelos galileus com seus idiomas maternos e Paulo não ter usado kainos/neos é pouco conclusivo. Para afirmar seu argumento, o irmão Luciano cita “Este é o cálice da nova [kainos] aliança...” (Lc 22:20), “...firmarei nova [kainos] aliança” (Hb 8:8) e “Mediador da nova [neos] aliança” (Hb 12:24). Devido a mesma aliança ser qualificada com kainos em Hb 8:8 e com neos em Hb 12:24, nosso irmão não vê distinção entre os dois termos. Mas será isso mesmo?

Em primeiro lugar, é reconhecido que kainos e neos são sinônimos e que ambos significam novo, sem serem mutuamente excludentes. Algo que é kainos pode ser chamado de neos, porém o inverso é improvável. No caso citado, a nova aliança é kainos no sentido que é qualitativamente superior à antiga, como também é neos, no sentido de que substitui e sucede a aliança da Lei. Assim, embora haja uma relação entre os dois termos sinônimos, eles não são simplesmente intercambiáveis.

Considere-se ainda que neos ocorre 20 vezes no Novo Testamento e kainos, 38. Nas 20 ocorrências de neos, o sentido é primariamente relativo ao tempo ou outro da mesma espécie: “vinho novo” (Mt 9:17; Mc 2:22; Lc 5:37-39), “moço” (Lc 15:12-13; 22:26; Jo 21:18; At 5:6; 1Tm 5:1-2,11,14; Tt 2:4,6; 1Pe 5:5), “nova massa” (1Co 5:7); “novo homem” (Cl 3:10). Já nas ocorrências de kainos, o sentido é primariamente relativo à qualidade, denotando superioridade ou ineditismo, algo que ainda não estreiou, não foi usado: “odres novos” (Mt 9:17; Mc 2:22; Lc 5:36,38), “coisas novas” (Mt 13:52; Ap 21:5), “nova aliança” (Mt 26:28; Mc 2:28; 14:24; Lc 22:20; 1Co 11:25; 2Co 3:6; Hb 9:15), “túmulo novo” (Mt 27:60; Jo 19:41), “nova doutrina” (Mc 1:27; At 17:19), “remendo novo” (Mc 2:21), “veste nova” (Lc 5:36), “novo mandamento” (Jo 13:34; 1Jo 2:7-8; 2Jo 1:5), “nova criatura” (2Co 5:17; Gl 6:15), “novo homem” (Ef 2:15; 4:24), “novos céus” (2Pe 3:13; Ap 21:1), “nova terra” (2Pe 3:13; Ap 21:1), “nome novo” (Ap 2:17; 3:12), “novo cântico” (Ap 5:9; 14:3), “nova Jerusalém” (Ap 21:2). Quando se examina o conjunto de ocorrências de neos e kainos é notório que o primeiro refere-se a outro da mesma classe, enquanto que o segundo se refere a outro de uma classe superior.

Essa distinção entre kainos e neos é reconhecida pelos dicionaristas. O Dicionário de Strong explica da seguinte maneira as nuanças entre os termos: “νεος é o novo quando contemplado sob o aspecto do tempo, aquilo que tem recentemente vindo à existência. καινος é o novo sob o aspecto da qualidade, aquilo que ainda não passou por revisão ou reparo. καινος, então, muitas vezes significa novo em contraste com aquilo que decaiu com a idade, ou gastou, sendo seu oposto παλαιος. Algumas vezes sugere aquilo que é pouco incomum. Implica freqüentemente em louvor, o novo como superior ao velho. Ocasionalmente, por outro lado, implica o oposto, o novo como inferior àquilo que é velho, porque o velho é familiar ou porque aperfeiçoou-se com a idade. Claro que é evidente que ambas νεος e καινος podem ser algumas vezes aplicadas ao mesmo objeto, mas de pontos de vista diferentes”.

Soli Deo Gloria

8 comentários:

  1. Vou ler os post anteriores para iterar mais da discussão. Mas este post já foi de boa vália para me deixar curioso à outras aplicações destas palavras nas sagradas letras.

    A paz.

    .::::Bryan::::.

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    1. Obrigado pelo interesse. E seus comentários, contrários ou a favor, são muito bem vindos.

      Em cristo,

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  2. Meu irmão... obrigado por responder.

    Abraços

    Depois coloco no MCA...

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  3. O tema é controverso e polêmico, porém a abordagem, quando feita da perspectiva calvinista é esclarecedora. Luciano entrou no debate usando de sabedoria em sua abordagem e soube usar seus argumentos como contraponto ao entendimento de Clóvis.

    Quando as questões de divergencia teológica são tratadas em alto nivel, com inteligencia intelectual e espiritual, ganhamos nós os que podemos nos deleitar diante de exposições argutas esclarecedoras.

    Parabéns, caro Luciano. Fico com a visao reformada e calvinista de Clóvis Gonçalves.

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  4. Marco, que bom que podemos contribuir para o debate.

    mais alguns dias e eu quero postar a resposta do Clóvis no MCA.

    Depois pensarei se continuo o assunto. Mas por hora, mesmo vc e outros ficando do lado dele, glorificamos ao NOSSO Deus, mesmo na divergência 'familiar'.

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  5. http://mcapologetico.blogspot.com.br/2012/07/as-novas-linguas-e-resposta-do-cinco.html

    promessa cumprida...........

    abraços

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  6. Eu não conheço os termos gregos para falar deles, mas na pratica quando frequento algumas vezes certas igrejas, e essa fala em linguas
    eu não entendo o que é dito.

    O dom de linguas descrito na bíblia não esta mais relacionado com o ouvir em sua propria lingua do que "eu" realmente falar outro idioma seja ele qual for?

    E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu.
    E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua.
    E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando?
    Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?
    Atos 2:5-8

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    1. Bosco,

      Paz seja contigo. Você não entender o que é dito em línguas não deve causar surpresa, nem significa que o dom de línguas não seja genuíno caso os ouvintes não o entendam: "Pois quem fala em língua não fala aos homens, mas a Deus. De fato, ninguém o entende; em espírito fala mistérios" (1Co 14:2).

      Agora, se nos cultos em que foi, as pessoas se dirigiam à congregação em línguas, sem interpretação, então havia alguma coisa de errada, não com o dom em si, mas a forma como o mesmo é exercitado.

      Em Cristo,

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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