Presciência, certeza e predestinação

A objeção arminiana contra a predestinação também igualmente vai de encontro à presciência de Deus. O que Deus sabe e conhece antecipadamente deve, na própria natureza do caso, ser tão fixo e certo como o que seja pré-ordenado; e se a pré-ordenação for inconsistente com o livre arbítrio do homem, assim também o será a presciência de Deus (e vice e versa). Pré-ordenação resulta em eventos certos, enquanto presciência pressupõe que eles sejam certos.

Mas, se os eventos futuros são pré-conhecidos por Deus, eles não podem, qualquer que seja a possibilidade, ocorrerem de forma diversa do Seu conhecimento. Se o curso dos eventos futuros é pré-conhecido, a história seguirá um curso que é tão definitivo e certo quanto uma locomotiva se desloca pelos trilhos entre uma cidade e outra. A doutrina Arminiana, por rejeitar a predestinação, rejeita também a base teísta da presciência. O senso comum nos diz que nenhum evento pode ser previamente conhecido a menos que, por alguma maneira, seja física ou mental, tenha sido pré-determinado. Nossa escolha quanto ao que determina a certeza de eventos futuros afunila-se então em duas alternativas - a pré-ordenação do sábio e misericordioso Pai celeste; ou a obra do acaso, físico e cego.

Os socinianos e unitarianos, enquanto não tão evangélicos como os arminianos, são neste ponto mais consistentes, pois após rejeitar a predestinação de Deus, eles também negam que Ele possa conhecer antecipadamente os atos de agentes livres. Eles sustentam que, na própria natureza do caso, pode ser antecipadamente sabido como a pessoa agirá, até que chegue a hora em que a escolha seja feita. Esta visão, é claro, transforma as profecias das Escrituras - na melhor das hipóteses - em adivinhações e palpites perigosos, irresponsáveis, abusivos e obsoletos; e destrói a visão cristã da inspiração das Escrituras. É um ponto de vista que nunca foi aceito por nenhuma Igreja cristã reconhecida. Alguns dos socinianos e unitarianos têm sido intrépidos o bastante para reconhecer que a razão que os levou a negar certa presciência de Deus quanto aos atos futuros dos homens, é que, se assim fosse admitido, seria impossível refutar a teoria calvinista da Predestinação.

Muitos arminianos sentiram a força deste argumento, e enquanto não tenham seguido os Unitarianos na negação da presciência de Deus, deixaram claro que tranqüilamente o negariam, se assim pudessem ou se atrevessem. Alguns falaram depreciativamente da doutrina da presciência, sugerindo que, em sua opinião, era de pouca importância se alguém cresse ou não. Alguns foram mais longe, ao ponto de afirmar claramente que os homens melhor fariam rejeitando a presciência do que admitir a Predestinação. Outros sugeriram que Deus pode voluntariamente negligenciar o conhecimento de alguns dos atos dos homens de maneira a deixá-los livres; mas isso, é claro, destrói a onisciência de Deus. Ainda outros sugeriram que a onisciência de Deus pode implicar somente que Ele sabe todas as coisas, se Ele assim escolher, justamente como a Sua onipotência implica que ele pode todas as coisas, caso Ele assim opte. Mas a comparação não é sustentável, pois aqueles certos atos [dos homens] não são meras possibilidades, mas sim realidades, embora ainda futura; e imputar ignorância daqueles aspectos a Deus é negar-Lhe o atributo da onisciência. Esta explicação resultaria no absurdo de uma onisciência que não é onisciente.

Quando confrontado com o argumento da presciência de Deus, o arminiano admite que eventos futuros estão certos ou fixos. Mas quando lhe é apresentada a questão do livre-arbítrio, ele tende a desejar manter que os atos livres são incertos e em última instância dependentes da escolha da pessoa - o que é uma posição plenamente inconsistente. Um ponto de vista que sustente que os atos livres de homens sejam incertos, sacrifica a soberania de Deus de modo a preservar a liberdade dos homens.

Além do mais, se os atos livres são eles próprios incertos, Deus precisa então esperar até que o evento tenha ocorrido antes de fazer os Seus planos. Na tentativa de converter uma alma, seria esperado que Ele agisse da mesma maneira que se diz sobre Napoleão ao marchar para batalha - com três ou quatro planos diferentes em mente, de modo que se o primeiro falhasse, ele poderia recorrer ao segundo, e se aquele falhasse, ele moveria sua tática para o terceiro e assim por diante - um ponto de vista que é, no geral, inconsistente com a verdadeira visão de Sua natureza. Ele então ignoraria muito do futuro e estaria ganhando diariamente vastas quantidades de conhecimento. Seu governo do mundo também, naquele caso, seria muito incerto e mutável, dependente quanto fosse da conduta imprevista dos homens.

Negar a Deus as perfeições da presciência e da imutabilidade é representá-Lo como um ser desapontado e infeliz, que é freqüentemente colocado em cheque e derrotado por Suas criaturas. Mas quem pode realmente crer que na presença do homem o Grande Jeová deva permanecer sentado, questionando, “O que ele fará?”. Todavia, a menos que o arminianismo negue a presciência de Deus, ficará sem defesa ante a lógica consistência do Calvinismo; pois a presciência implica em certeza e certeza implica em predestinação.

Loraine Boettner
In: A doutrina reformada da predestinação

12 comentários:

  1. Caro Clóvis,

    Parabéns pelo seu trabalho na web. Deus continue abençoando!

    Faça-nos uma visita:

    http://voltemosaocaminho.wordpress.com

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  2. "O que Deus sabe e conhece antecipadamente deve, na própria natureza do caso, ser tão fixo e certo como o que seja pré-ordenado...
    Pré-ordenação resulta em eventos certos, enquanto presciência pressupõe que eles sejam certos.
    Mas, se os eventos futuros são pré-conhecidos por Deus, eles não podem, qualquer que seja a possibilidade, ocorrerem de forma diversa do Seu conhecimento. Se o curso dos eventos futuros é pré-conhecido, a história seguirá um curso que é tão definitivo e certo quanto uma locomotiva se desloca pelos trilhos entre uma cidade e outra.
    ... pois a presciência implica em certeza e certeza implica em predestinação."

    Clóvis,

    A postagem a cima co certeza você diz amém a ela. E todas as vezes que você posta uma matéria deste naipe aprendo que Deus não pregaria isto se pregasse. Claro que a ideia da postagem a cima funciona como um relógio quebrado: ele sempre há de estar correto duas vezes ao dia. Por exemplo, quando você concorda com a afirmativa de que Deus sabe e conhece antecipadamente. Nossa, isto é acertar o alvo. E se os eventos acontecessem de forma diversa ao conhecimento de Deus, poderíamos dizer que Deus teria falhado na sua pré-ciência, o que é totalmente descabido ao caráter de Deus.

    Agora, meu amigo, dizer que Deus conheceu por isto predestinou é querer ser mais real que o rei. Já comentei em uma das postagens deste blog que a pré-ciência é uma observação extrínseca ao objeto observado. Deus conhece todas as coisas. Abraça todos os tempos com sua imensidão. Conhece os fatos antecipadamente. As coisas acontecem não porque Deus as conheceu. Mas Deus as conheceu porque elas iriam acontecer. Deus conhece os fatos e as variantes dos fatos. Porque até que o fato aconteça existem múltiplas escolhas passíveis.

    Por isso, o monstrengo odioso e vil de que a presciência implica em certeza e certeza implica em predestinação nunca esteve no plano do Altíssimo. A mensagem de que Deus predestinou todas as coisas tal qual o curso de uma locomotiva que se desloca pelos trilhos de uma cidade a outra é asquerosa e repelente e tiraria, se verdade fosse, qualquer tipo de glória do Salvador. Pois o plano de Deus seria limitado, falho, e não teria a eficácia de alcançar a todos que dele precisasse. Quem prega essa coisa, predestinação fatalista, responderá por aquilo que pregar. A decepção do Senhor por causa dessas arengas é de tamanha monta que Che a lhe causar ânsias de vômito!

    Graça e paz!

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  3. Marcos Sampaio,

    Soli Deo Gloria.

    O Voltemos ao Caminho é muito bom e recomendo a quem ainda não visiotu.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  4. muito bom blog, nao tem como vir aki sem postar comentario, espero poder aqui tirar muitas das minhas duvidas e por que nao contribuir.

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  5. Caro Clóvis,

    Sou muito grato por recomendar o VC.

    Um forte abraço,
    Marcos Sampaio

    http://voltemosaocaminho.blogspot.com

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  6. Rodrigo,

    Você é muito bem vindo, tanto como leitor como comentador ativo. Com certeza, todos temos contribuições a dar uns aos outros.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  7. Diz uma coisa, Clóvis: você afirma a presciência? Em que termos? Pois o Paulo César aí me deixou confuso quanto ao que você diz.
    Já quanto ao que ele diz... Se se desse conta das implicações de "Deus conhece todas as coisas. Abraça todos os tempos com sua imensidão.", não diria "As coisas acontecem não porque Deus as conheceu. Mas Deus as conheceu porque elas iriam acontecer." Mas diria que Deus conhece. E, assim, porque Ele abarca o tempo, as coisas aconteceram, acontecem e acontecerão conforme o Seu conhecimento, que não é previsão, mas desígnio.
    Mas tudo bem, assim fiquemos!
    No Senhor,
    Roberto

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  8. Roberto,

    Sim, afirmo a presciência de Deus. Mas não no sentido arminiano de que Deus conhece de antemão quem vai crer e perseverar e então escolhe os tais para a salvação.

    Presciência sempre diz respeito a conhecer pessoas e não coisas ou ações, como a fé ou o ato de crer. Segundo, embora a presciência de eventos baste para tornar certos esses eventos, não creio que a determinação divina dependa de sua antevisão, mas o contrário.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  9. Clóvis, meu caro,
    Como conversamos alhures, entendo a linguagem em termos de tempo (como poderíamos nos livrar dela?). A própria Bíblia a usa (como poderia eu então não aceitá-la?). Mas quando passamos a falar com rigor, tecnicamente, é conveniente deixarmos o "por assim dizer" de lado.
    Veja, não é uma questão semântica apenas (como você me sugeriu), embora sempre as conceituações reduzam (ou mesmo, às vezes, eliminem) o problema. É mesmo uma questão de colocar a descoberto as mais profundas pressuposições bíblicas.
    Que quero dizer? Definamos "presciência" como "Deus conhecer de antemão". É bíblico e correto. Praticamente, resolve a questão semântica, pois quer dizer simplesmente que Deus conhece (e veja que não é uma afirmação cronológica, mas a partir da eternidade). Porém, isso é o mesmo que dizer que presciência não tem significado nenhum. Pois se usarmos "ciência" (conhecimento), ou "onisciência" seremos mais precisos, sendo do mesmo modo bíblicos e corretos. Com a indiscutível e enorme vantagem de eliminarmos a conotação em termos de tempo.
    E aqui, finalmente, entra a questão dos pressupostos mais profundos. Pois partimos da eternidade ou do tempo? De Deus ou do homem? É verdade que, como afirma Calvino, o conhecimento de Deus e do homem concorrem, sendo difícil dizer qual vem primeiro e qual ao outro origina. Mas isso é um foco diferente do que o que estou dizendo aqui. Eu falo do ponto de referência, e este deve ser sempre o Logos.
    É por isto que, ainda que use de quando em quando termos como "presciência" ou mesmo "livre-arbítrio", faço-o com moderação, cuidado e, com toda honestidade, não gosto deles.
    No amor do senhor,
    Roberto

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  10. LOUCURA,LOUCURA,LOUCURA TOTAL! O Deus apresentado nesses textos que li aqui é mau e não me parece nada com meu Mestre Jesus que deu a sua vida para nos salvar.Então Jesus morreu para salvar os predestinados a salvação e para condenar os predestinados para perdição.Que confusão essa doutrina calvinista!Por isso preferiro ficar com a doutrina Bíblica.

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  11. Anônimos são mesmo muito engraçados. Quase tanto ao ponto de eu querer um de estimação.
    Este último fala em "doutrina Bíblica". Mas quanto ao que a Bíblia afirma, temos só duas opções: calvinismo ou arminianismo, não restando uma "opção bíblica" entre elas, pois, como eu disse em um lugar: "As posições calvinista (S ^ R ^ ¬A) e arminiana (¬S ^ R ^ A) são contraditórias entre si, ou seja, se uma é verdadeira a outra é falsa."
    Resta absolutizar soberania divina ou liberdade humana. Fico com o Deus Absoluto, que é o Deus da Palavra.
    No Senhor,
    Roberto
    PS: Sobre a questão lógica: http://5calvinistas.blogspot.com/2009/11/soberania-liberdade-e-responsabilidade.html.

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  12. Texto excelente! Mt coerente! Irmao Paulo césar, lendo seu comentário tenho a sensaçao de q vc teme q Deus seja o Deus soberano, q vê e controla td, q é! Seus argumentos nao sao consistentes e, eu temerei emitir palavras tao pesadas qt as q vc emitiu sobre o outro. Me perdoe mas a idéia q vc passa é q lhe falta conhecimento de quem é Deus!

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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