Pela verdade, mas com mentira

Alguns devem pensar que se contarmos uma mentira em favor de Deus, ela torna-se tão boa como uma verdade. E até mais, se a verdade em questão colocar Deus em alguma dificuldade. Lembro-me de alguns testemunhos em que há um claro exagero dos fatos, para Deus parecer mais poderoso do que Ele tem se mostrado.


Com o advento da Internet, alguns hoax santos ganharam força. Já ouvi de alguém que viu na net que uma criança nasceu com as palmas das mãos coladas e quando os médicos finalmente conseguiram separar as mãos do bebê estava escrito "Jesus está voltando!". Num outro caso, alguém tirou uma foto de 1Ts 2 e na hora de revelar surgiu uma foto do arrebatamento (veja ao lado). Vi os borrões interpretados como sendo crentes subindo. Enfim, não faltam exemplos de mentiras santas que arrancam glórias e aleluias de pessoas que dormiriam no estudo bíblico, se fossem num.

Um email, cuja autoria não me preocupei em olhar, como todo hoax que se preze, vem com o pedido "Divulguem para o maior número de pessoas que conhecerem, pois não podemos baixar a cabeça diante de tão grande repressão a liberdade religiosa. Se não fizermos nada, certamente o mal vencerá. Como disse o filósofo: "O mal prevalesse quando os bons se omitem".

A mensagem, em caixa alta, relaciona "Leis que tramitam em Brasília contrárias às igrejas, principalmente as evangélicas", pede oração e intercessão e grita "Repassem para o mundo". Essas leis que tramitam (na verdade leis não tramitam, projetos de lei tramitam até se tornar lei ou ser arquivados) são, conforme o email:
  1. Projeto nº 4.720/03 – Altera a legislação do 'imposto de renda' das pessoas jurídicas.
  2. Projeto nº 3.331/04 – Altera o artigo 12 da Lei nº 9.250/95, que trata da legislação do imposto de renda das 'pessoas físicas'. Se convertidos em Lei, os dois projetos obrigariam as igrejas a recolherem impostos sobre dízimos, ofertas e contribuições.
  3. Projeto nº 299/99 – Altera o código brasileiro de telecomunicaçõ es (Lei 4.117/62). Se aprovado, reduziria programas evangélicos no rádio e televisão a apenas uma hora.
  4. Projeto nº6.398/05 – Regulamenta a profissão de Jornalista. Contém artigos que estabelecem que só poderá fazer programas de rádio e televisão, pessoas com formação em JORNALISMO, Significa que pastores sem a formação em jornalismo não poderão fazer programas através desses meios.
  5. Projeto nº 1.154/03 – Proíbe veiculação de programas em que o teor seja considerado preconceito religioso. Se aprovado, será considerado crime pregar sobre idolatria, feitiçaria e rituais satânicos. Será proibido que mensagens sobre essas práticas sejam veiculadas no rádio, televisão, jornais e internet. A verdade sobre esse atos contrários a Palavra de Deus, não poderá mais ser mostrada.
  6. Projeto nº 952/03 – Estabelece que é crime atos religiosos que possam ser considerados abusivos a boa-fé das pessoas. Convertido em Lei, pelo número de reclamações, pastores serão considerados 'criminosos' por pregarem sobre dízimos e ofertas.
  7. Projeto nº 4.270/04[/b] – Determina que comentários feitos contra ações praticadas por grupos religiosos possam ser passíveis de ação civil. Se convertido em Lei, as Igrejas Evangélicas ficariam proibidas de pregar sobre práticas condenadas pela Bíblia Sagrada, como espiritismo, feitiçaria, idolatria e outras. Se o fizerem, não terão direito a se defender por meio de ação judicial.
  8. Projeto de nº 216/04[/b] – Torna inelegível a função religiosa com a governamental. Significa que todo pastor ou líder religioso lançado a candidaturas para qualquer cargo político, não poderá de forma alguma exercer trabalhos na igreja.
Como não gosto de receber correntes de forma alguma e mesmo tendo coisa mais importante para fazer, não resisto a uma googlada, entrei no site da Câmara e fiz uma pesquisa sobre os projetos de lei acima. Eis o resultado:

PL 4720/03 - Não existe um PL com esse número em 2003. Pode ser que seja o PL 4720/01, que "Altera a Lei nº 9.317 de 5 de dezembro de 1996, que dispõe sobre o regime tributária das microempresas e das empresas de pequeno porte e institui o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES e dá outras providências". O projeto não faz nenhuma referência à imposto de renda de igrejas.

O PL 3331/04 sugere que “Do imposto apurado na forma do artigo anterior, poderão ser deduzidos (...) 50% (cinqüenta por cento) das doações, documentalmente comprovadas, a instituições religiosas". Na justificativa, o autor do projeto diz que "além de a inviolabilidade da crença religiosa ser direito fundamental de todos constitucionalmente assegurado, cumpre lembrar o importante papel exercido pelas instituições religiosas na nossa sociedade (...) Assim, com o objetivo de fortalecer a atuação dasinstituições religiosas, incentivando a participação de todos os brasileiros, proponho a dedução de 50% (cinqüenta por cento) do imposto de renda da pessoas físicas das doações, desde que documentalmente comprovadas, a instituições religiosas". Onde está a obrigação da igreja recolher impostos sobre os dízimos?

PL 299/99 - Não encontrei nada sob esse número que limitasse o tempo de programas religiosos no rádio ou TV. O mais próximo que chega disso é a renovação da concenssão de uma rádio em Porto Alegre. Mas, considerando malas-falhas e erres-erres da vida, não seria uma boa um projeto assim?

O PL 6398/05 "Altera as disposições do Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, que “Dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista, corrige as distorções e garante o direito de igualdade, previsto na Constituição Federal”. Não há nada no texto do projeto que ameace um pastor de apresentar programas de rádio e TV. Aliás, nem apresentadores de telejornal precisam ter curso de jornalismo, pelo projeto apresentado. De qualquer forma, desde junho de 2009, por decisão do STJ, o diploma de jornalismo não é mais obrigatório para exercício da profissão.

O PL 1154/03 "Acrescenta a expressão “preconceitos religiosos” ao § 1º do artigo 1º da Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967" que passa a vigorar com a seguinte redação "Não será tolerada a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos religiosos, de raça ou classe". Não vejo grandes problemas aqui, pois o preconceito deve ser combatido sempre.

O PL 952/03 "Torna crime o fato de alguém praticar atos religiosos ou similares que se consubstanciem ludíbrio à boa-fé das pessoas". Este projeto traz algum risco, dependendo da interpretação. Mas na essência ele acrescenta o seguinte artigo ao Código Civil: “Art. 208A. Praticar atos religiosos que atentem contra a boa-fé e a dignidade das pessoas, ludibriando-as ou humilhando-as, com o fim de obter vantagens. Pena – detenção, de seis meses a dois anos.” Estou disposto a correr o risco, para ver alguns estelionatários da fé atrás das grades.

O PL 4270/04 "Altera a redação do § 13 do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, para
excluir da incidência da contribuição previdenciária os valores despendidos pelas entidades religiosas na prestação de serviços religiosos". O referido artigo passa a rezar "Não se considera como remuneração os valores despendidos pelas entidades religiosas e instituições de ensino vocacional na prestação de serviços religiosos, conforme dispuser o regulamento". Se aprovado, este projeto irá desonerar as igrejas de encargos previdenciários. De onde alguém tirou que as igrejas ficam proibidas de pregar sobre as práticas condenadas na Bíblia?

O PLP 216/04, de autoria da juíza Denise Frossard, "Acrescenta a letra j, ao inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidade) tornando explícita a incompatibilidade da função religiosa com a função governamental". Na prática, um pastor que quisesse se candidatar, teria que se licenciar de sua função na igreja, e se eleito, não poderia exercer o ministério pastoral e o cargo público ao mesmo tempo. Não sei das motivações da juíza Frossard (que me parece um tanto hipócrita por manter o título de juíza quando é legisladora e proibir que pastores usem o título na Câmara), mas por motivações próprias penso exatamente como ela. Um pastor não pode ser, ao mesmo tempo, candidato e pastor, ou deputado e pastor.

Concluindo, vemos que os projetos não ameaçam a liberdade religiosa. Há outros projetos tramitando de que alguma forma limitam a atividade evangelística e alguns que realmente são motivados e intentam contra a liberdade de expressão e de culto. Mas o ponto que quero destacar é: o que leva alguém a espalhar inverdades como essas? Só consigo pensar que a intenção é que nas próximas eleições votemos de novo nos candidatos evangélicos ou se possível mandemos mais irmãos para lá. Se for isso, então temos mais um motivo para não votar em políticos evangélicos.
Soli Deo Gloria

6 comentários:

  1. Não sabia que existia a versão Gospel das "aparições de Maria" hehehe
    bom texto! é sempre bom verificar essas noticias meio estranhas, e ficar com pé atrás com isso de perseguição religiosa contra os "coitados" dos pastores de rádio e tv

    Bem, coloquei esse texto no Sola , programando para sair dia 14 a noite!
    e obrigado pelo link e banner do Projeto Spurgeon !
    Abraços
    Armando

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  2. O Silas andou lendo esse spam, tanto é que pregou nesse sábado durante sua sessão "curral eleitoral", conclamando a "sociedade evangélica" a se unir, votando em evangélicos, e atacando os tais projetos de lei, que ele não citou, e vejo aqui que não passavam de mentiras.

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  3. Gabriel,

    Te peguei, andou assistindo o Silas Salafrario, huahuahuahua.

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  4. Cara muito bom seu texto, acabo de receber um santinho por debaixo da minha porta de um pastor, "Pastor Oliveira" candidato a deputado federal pelo PRB no estado do Paraná. O santinho vem com todas as leis que estão acima na parte de trás dizendo que ele vai ser contra todas elas e defender as igrejas. Por curiosidade peguei e digitei na internet uma delas e cai no seu site. Eta povo que inventa.
    Abraços.

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  5. Marco,

    Obrigado por seu comentário. Se uma pessoa se candidata com esse objetivo, ou é despreparado, ou mal intencionado. Se não sabe o que está tramitando não serve para o cargo. Se sabe e mente, não serve para o cargo, de deputado e de pastor.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  6. So tenho ressalvas quanto algumas conclusões, o príncipio da liberdade de expressão deve se basear no princípio de que precisamos suportar charlatões para jamais ameaçar a liberdade de homens de Deus que preguem de boa fé e não de dar ao governo qualquer tipo de controle sobre pastores honestos em nome da repressão de charlatões, uma vez que a definição de homem de Deus śerio e charlatão é muito subjetiva foi por leis iguais a essas que durante muito tempo no Brasil não se construiu templos protestantes, porque os católicos nos consideravam charlatões

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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