A essência da profecia


Profecia é vista comumente como "predição do futuro". Alguns entendem que somente deve ser considerada profecia aquela que contiver algum elemento preditivo. Porém, entendo que a previsão do futuro não é essencial à profecia ou que a existência de predição torna um pronunciamento uma profecia.

Uma profecia é um pronunciamento inspirado de um profeta ou, no Novo Testamento, de alguém que possua o dom de profecia. O conteúdo deste pronunciamento tanto pode ser a predição de algo que ainda vai acontecer, como a declaração da vontade ou propósito de Deus. Embora, uma profecia possa ser preditiva, nem sempre o é, e tendo a acreditar que geralmente não seja. Entenda que não estou negando que uma profecia pode se referir a um evento futuro, mas afirmando que não é preciso que haja predição para que se caracterize um pronunciamento inspirado como profecia.

Para entender o que seja profecia, comecemos verificando o que a Bíblia diz sobre profetas. A primeira pessoa a quem a Bíblia diz ser profeta é Abraão, quando Deus disse "restitui a mulher a seu marido, pois ele é profeta e intercederá por ti, e viverás..." (Gn 20:7). Ninguém pensa em Abraão como profeta, pois estamos condicionados a associar profetas a previsões.

Na segunda vez que a palavra profeta ocorre na Bíblia, fica mais claro o seu significado. "Disse o Senhor a Moisés: vê que te constituí como Deus sobre Faraó, e Arão, teu irmão, será teu profeta" (Ex 7:1). Na explicação que Deus dá a Moisés, temos a definição divina para profeta: "Ele falará por ti ao povo; ele te será por boca, e tu lhe serás por Deus" (Ex 4:16). Portanto, profeta nada mais é que um porta-voz, alguém que fala por outrem.

Falando de Jesus como profeta, Deus enfatizou a idéia de alguém que empresta sua voz a outro, e não de alguém que prevê o futuro. O Senhor disse "suscitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar" (Dt 18:18). Jesus reconheceu o cumprimento da profecia em sua vida, dizendo "eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar" (Jo 12:49).

Como vimos, a idéia de que profeta é quem faz prognósticos não é correta, ainda que este também possa anunciar coisas ainda por vir. O que caracteriza um profeta é aquilo que ele faz, vale dizer, anunciar as palavras de Deus usando palavras humanas. Veremos agora que o objetivo do profeta não é predizer, mas fazer o povo voltar-se para Deus.

Sobre o profeta João Batista o anjo disse "converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus" (Lc 1:16), em seu ministério profético Samuel disse ao povo "se é de todo o vosso coração que voltais ao Senhor, tirai dentre vós os deuses estranhos e os astarotes, e preparai o coração ao Senhor, e servi a ele só, e ele vos livrará das mãos dos filisteus" (1Sm 7:3), através de Isaías o Senhor disse "torna-te para mim, porque eu te remi" (Is 44:22) e através de Jeremias "se voltares, ó Israel, diz o Senhor, volta para mim" (Jr 4:1). Mais tarde, o próprio Jeremias proclamou "esquadrinhemos os nossos caminhos, provemo-los e voltemos para o Senhor" (Lm 3:40).

Outro profeta, Oséias, convidava dizendo "vinde, e tornemos para o Senhor, porque ele nos despedaçou e nos sarará; fez a ferida e a ligará" (Os 6:1) e a mensagem contundente de Joel foi "convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, com choro e com pranto" (Jl 2:12), à qual Amós ajuntou "buscai-me e vivei" (Am 5:4). Até o último profeta do Antigo Testamento a mensagem era "tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós outros, diz o Senhor dos Exércitos" (Ml 3:7).

A essência das profecias fica estabelecida quando lemos que "o Senhor advertiu a Israel e a Judá por intermédio de todos os profetas e de todos os videntes, dizendo: Voltai-vos dos vossos maus caminhos e guardai os meus mandamentos e os meus estatutos, segundo toda a Lei que prescrevi a vossos pais e que vos enviei por intermédio dos meus servos, os profetas" (2Re 17:13). Por outro lado, a mero fato de uma predição se cumprir não é prova bastante de que seja uma profecia. "Quando profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te anunciar um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te houver falado, e disser: vamos após outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras desse profeta ou sonhador; porquanto o Senhor, vosso Deus, vos prova, para saber se amais o Senhor, vosso Deus, de todo o vosso coração e de toda a vossa alma" (Dt 13:1-3). A prova definitiva de que se trata de uma profecia é se ela converte os corações ao Senhor, e não que contenha previsões que se cumprem.

Para finalizar, uma última observação. Quando Paulo refere-se ao dom de profecia, não destaca seu caráter preditivo, mas alude que aquele "que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando" (1Co 14:3). Mais adiante, ele acrescenta que a profecia possibilita a "todos aprenderem e serem consolados" (1Co 14:31) e não a tomarem conhecimento de acontecimentos futuros.

Soli Deo Gloria

12 comentários:

  1. "Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap! Clap!"

    Paz Clóvis,

    Ótima postagem essa, obrigado por repartir a bênção.

    Em Cristo,

    Ednaldo.

    ResponderExcluir
  2. Como sempre bem centrado na palavra, reafirmo aqui minha admiração pelo que tem escrito.
    Graça e Paz do Nosso Senhor Jesus...

    ResponderExcluir
  3. Olá Clóvis, graça e paz!

    Excelente essa sua análise da profecia. Infelizmente, pelo menos na prática, pentecostais e neopentecostais estão bem distantes dessas definições bíblicas de profecia.

    Abraços,

    André Aloísio
    O principal dos pecadores (I Tm.1.15)
    http://teologia-vida.blogspot.com

    ResponderExcluir
  4. Ednaldo,

    Soli Deo Gloria!

    Em Cristo,

    Clóvis

    ResponderExcluir
  5. R. Reis,

    À Lei ao ao testemunho...

    Em Cristo,

    Clóvis

    ResponderExcluir
  6. André,

    Publiquei o texto Agostinho e a pregação, "chupado" de seu blog. Mais um, rs rs.

    Sobre profecias e outros dons no meio pentecostal é verdade, precisamos retornar à Bíblia e ver o que ela ensina.

    Em Cristo,

    Clóvis

    ResponderExcluir
  7. Porque o sobrenatural facina o povo fica alucinado com a possibilidade de alguém prever o futuro. No meio evangélico não é diferente. Fica como uma demonstração de poder.
    Mas Deus como sempre está interessado mais no caráter, como você bem mostrou,
    saudações fraternas,
    Roger

    ResponderExcluir
  8. Roger,

    Estava sentindo a sua falta por estas bandas.

    O futuro desperta interesse, logo, qualquer que proponha prever o futuro tem atenção imediata. Profecias hoje tem essa ênfase e é muito fácil desencaminhar pessoas alegando que se está anunciando o que está para acontecer.

    Mas como destaquei no texto, o objetivo da profecia é nos tornar para Deus. Infelizmente, boa parte dos pronunciamentos que recebem esse rótulo estão levando as pessoas para longe de uma aproximação com Deus.

    Em Cristo,

    Clóvis

    ResponderExcluir
  9. OLA IRMÃO,O TENHO COMO UM AMIGO PQ APRENDO MUITO CONTIGO NAS COISAS QUE ESCREVE,OBRIGADO.
    EU GOSTEI MUITO DA MANEIRA COMO COLOCASTE SOBRE AS PROFECIAS,EM NOS FAZER VOLTAR PARA DEUS AO INVÉS DE REVELAÇÕES FUTURAS...
    APROVEITANDO A OPORTUNIDADE GOSTARIA QUE ESCREVESSE SOBRE AS REVELAÇÕES EM SONHOS...
    UM ABRAÇO
    A PAZ

    ResponderExcluir
  10. Leandra,

    Que Deus a abençoe grandemente. Sinto-me honrado por ser tido como seu amigo.

    Escreverei sobre sonhos como revelação oportunamente, se Deus conceder graça.

    Em Cristo,

    Clóvis

    ResponderExcluir
  11. Maravilhoso texto!
    O profeta é aquele que traz edificação para a Igreja, dizendo o que Deus quer, não aquele que prevê o futuro, revela nomes, etc.
    Parabéns!

    ResponderExcluir
  12. Muito bom comentário analisado biblicamente.

    Hoje somos chamados ao reino de Deus para cumprirmos três ofícios da antiga aliança (Ap 1.6):

    *profetas
    *sacerdotes
    *reis

    ResponderExcluir

"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

Sua leitura deste post muito me honrou. Fique à vontade para expressar suas críticas, sugestões, complemetos ou correções. A única exigência é que seja mantido o clima de respeito e cordialidade que caracteriza este blog.