I. A CONDIÇÃO DO HOMEM CAÍDO
O intelecto e a vontade do homem não passaram incólumes pela Queda. Alguns crentes tendem a diminuir ou até desconsiderar os efeitos devastadores do pecado na natureza do homem, mas o testemunho bíblico é exatamente o contrário. A Bíblia apresenta o pecador como absolutamente incapaz de voltar-se por si mesmo a Deus ou mesmo de preparar-se para a obra da graça.
1. Não quer
Os defensores do livre-arbítrio afirmam que basta o pecador querer para entrar num relacionamento espiritual com Deus e desfrutar das bênçãos da salvação. Esquecem, contudo, que a vontade do homem não é livre, no sentido que pode se inclinar igualmente para as coisas de Deus ou as coisas do mundo. Jesus disse "não quereis vir a mim para terdes vida" (Jo 5:40). Isso se aplica não apenas a quem Jesus se dirigia, mas a todos os homens, pois o Senhor afirma em outro lugar que "a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más" (Jo 3:19). Na parábola das bodas, o Senhor "enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir" (Mt 22:3). Em seu tratado teológico mais profundo, Paulo diz que "não há quem entenda, não há quem busque a Deus" (Rm 3:11). Portanto, a vontade do homem, arruinada pelo pecado, não pode levá-lo a achegar-se a Deus. Por isso Jesus diz que "ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer" (Jo 6:44). Trazer, no original é arrastar.
2. Não pode
O último versículo citado afirma que ninguém pode ir por si mesmo a Cristo, não importa o quanto o arminianos contem em verso e prosa os poderes do livre-arbítrio, a verdade é que somente o Pai pode fazer os homens voltarem-se para Si. Jesus confirma que "ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido" (Jo 6:65). Jesus deixa claro que há pessoas que são "incapazes de ouvir a minha palavra" (Jo 8:43), por isso Isaías clama "Senhor, quem creu em nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor?" (Jo 12:38). Somente aqueles a quem se manifesta o braço do Senhor dão crédito à Palavra do Senhor. A Bíblia diz que os homens estão "mortos nos vossos delitos e pecados" (Ef 2:1). Não meio mortos, ou como que mortos, mas mortos em pecados. Um pecador não pode ir a Cristo mais que um morto pode levantar-se para pegar um copo dágua.
II. A INICIATIVA DIVINA
A Bíblia é tão enfática para demonstrar a incapacidade humana quanto para afirmar que a salvação, do início ao fim, é obra de Deus. É o Senhor que inicia em nós sua obra salvífica, quem mantém segura nossa salvação e que completará a obra no dia de Sua vinda.
1. Na eternidade
A Escritura nos informa que "de longe se me deixou ver o Senhor, dizendo: com amor eterno eu te amei; por isso, com benignidade te atraí" (Jr 31:3). O caso de amor de Deus conosco é antigo, mais precisamente, é tão antigo quanto o próprio Deus. Não houve um momento em que Ele não nos amasse. Por isso "em amor nos predestinou para Ele" (Ef 1:4-5). A eleição eterna, soberana e graciosa decorre desse amor pelos Seus. João também reconhece a antigüidade do amor de Deus, ao escrever "nós amamos porque ele nos amou primeiro" (1Jo 4:19). Quando fomos amados e escolhidos por Deus, fomos dados a Cristo, conforme Ele mesmo diz em João 17:24: "Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste, para que vejam a minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo". A nossa salvação, realizada na história e consumada na vinda de Jesus, teve seu início na eternidade. É o que testemunha o apóstolo, dizendo que Deus "nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos" (2Tm 1:9). É absurdo pensar que a iniciativa de voltar-se para Deus seja do homem, quando a Bíblia declara que antes da Criação Deus já havia provido o meio de salvar os seus escolhidos.
2. Na história
Através de Jeremias o Senhor declara o seu amor por nós e conclui dizendo "por isso, com benignidade te atraí" (Jr 31:3). As cordas que nos puxaram para Deus foram atadas, nas duas pontas, pelo próprio Senhor. O Salvador diz que "ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido" (Jo 6:65). Se o Pai se limitasse a enviar Seu Filho para morrer na cruz e pregadores para anunciar o evangelho, deixando por conta do homem o voltar-se para Ele, então nenhuma pessoa sequer se salvaria. Mas como "pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade" (2Pe 1:3), então muitos tem sido levados a Cristo. A Bíblia afirma que é necessário fé para ser salvo, então esta "é dom de Deus" (Ef 2:8), pois nos "foi concedida a graça... de crerdes nele" (Fp 1:29). O arrependimento é um requisito para herdar a vida eterna? Então podemos estar certos que haverá arrependidos, pois por Deus é "concedido o arrependimento para vida" (At 11:18). Até o exato momento em que Deus nos salva, estávamos mortos, pois aos crentes em Éfeso foi dito que "Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados" (Ef 2:1) e reafirmado "estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, — pela graça sois salvos" (Ef 2:5). Um defunto não é capaz de dar o primeiro passo para Deus. Veja a experiência de Lázaro. Ele ficou morto até o momento que foi ressuscitado por Cristo. Ele era incapaz de dar uma passo para o Senhor, até ouvir a ordem "Lázaro, vem para fora!" (Jo 11:43).
III. E TIAGO, COMO FICA?
Se o ensino geral das escrituras é de que o pecador é incapaz de achegar-se a Deus e que é de Deus o início, meio e fim da salvação, então, como fica a passagem de Tiago? A verdade é que a Bíblia não se contradiz, então é certo que se examinarmos atentamente a passagem em questão ela se revelará em perfeita harmonia com o restante da Palavra de Deus.
1. A quem ele se dirigia
A carta de Tiago é endereçada "às doze tribos que se encontram na Dispersão" (Tg 1:1), ou seja, judeus crentes. Aparentemente, eles haviam entendido de forma errada os ensinamentos de Paulo a respeito da justificação pela fé, entendendo que a mesma não dava lugar para expressão prática da fé, através das obras. Tiago então lhes escreve estabelecendo a relação entre fé e provações (Cap 1), fé e sociabilidade (Cap 2), fé e obras (Cap 2), fé e o domínio da língua (Cap 3), fé e sabedoria (Cap 3), fé e contendas (Cap 4) e fé e oração (Cap 5). Pelos destinatários e pelo assunto, nota-se que Tiago escrevia a crentes.
No capítulo 4, ele diz "de onde procedem guerras e contendas que há entre vós?" (4:1) o que significa que a referência era aos crentes que contendiam na igreja. O verso seguinte confirma que se trata de crentes ao dizer "Nada tendes, porque não pedis" (4:2). Finalmente, o verso que antecede o oitavo declara "sujeitai-vos, portanto, a Deus; mas resisti ao diabo, e ele fugirá de vós" (4:7), o que seria absurdo se se tratasse de pessoas não crentes. Portanto, as pessoas que devem se achegar a Deus na certeza que Ele se chegará a elas não são pecadores inconversos, mas crentes que estão guerreando entre si, possivelmente por questões doutrinárias ou de liderança. Daí que a seção é concluída com "humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará" (4:10).
2. Os termos utilizados
Tiago utiliza o mesmo termo eggizo tanto para os homens (achegai-vos) como para Deus (se chegará). O termo significa "aproximar, juntar uma coisa à outra". Porém, há uma diferença fundamental no modo verbal utilizado nas duas declarações. A primeira afirmação, referente ao homem, está no modo imperativo. O Léxico Grego de Strong diz que "o modo imperativo expressa uma ordem ao ouvinte para realizar uma determinada ação por comando e autoridade daquele que a emite". Assim, "não é um "convite", mas uma ordem absoluta que requer completa obediência da parte de todos os ouvintes". Já a segunda afirmação está no modo indicativo que, segundo Strong "é uma simples afirmação de fato". O que temos nesse versículo é uma ordem seguida de um resultado certo se a ordem for cumprida. Tiago não afirma a capacidade dos pecadores chegarem-se a Deus sem o concurso da graça.
Prova disso é que no próprio versículos há mais duas ordens que utilizam a mesma construção verbal da que estamos analisando: "purificai as mãos, pecadores" e "limpai o coração". Se entendermos que a ordem "achegai-vos a Deus" pode ser cumprida pelo pecador, então de igual modo o homem caído pode purificar suas mãos e limpar seu coração, sem a operação sobrenatural do Espírito Santo. Não creio que os defensores do livre-arbítrio queiram chegar a tanto.
3. O contexto
Já nos referimos acima que o contexto se refere a contenda entre irmãos. Não há elementos textuais para se afirmar que se trata de um apelo evangelístico. Portanto, tomar o versículo 8 de forma isolada e afirmar com base nele que o pecador pode e deve dar o primeiro passo para Deus para que este então se volte para ele é desconsiderar o contexto imediato, o próprio livro de Tiago e o ensino geral das Escrituras.
CONCLUSÃO
Considerando o exposto acima, a começar pela incapacidade humana e pela operação infalível de Deus, vemos que Tiago 4:8 não pode ensinar que cabe ao homem o iniciar a sua salvação. E quando olhamos para o texto em seu contexto e observando a construção no original, confirmamos que de fato o versículo não ensina o que os defensores do livre-arbítrio do homem pretendem. Mais uma vez trata-se de uma conclusão controlada por pressupostos não provados, que os leva a sempre ver uma capacidade que a Bíblia não reconhece no pecador.
O ensino pura e simples de Tiago é que os crentes devem se aproximar de Deus com humildade ao invés de contender, e que ao fazerem isso Deus se aproximará deles e os exaltará.
Soli Deo Gloria
Paz Clóvis,
ResponderExcluirGostei da exposição, o uso dessa passagem pelos arminianos é um verdadeiro "estupro".
O "sujeitai-vos" (v.7), o "chegai-vos" (v.8), e o "humilhai-vos" (v.10), tem ligação com o porquê do "pedi e não recebeis" (v.3). Não há no "chegai-vos" nenhuma alusão ao livre-arbítrio, fazê-lo, é impor ao texto um significado que não tem.
Tiago com estes três imperativos, está dizendo simplesmente "ao agir assim vós estais sendo independentes, portanto "sujeitai-vos", estais distantes de Deus, portanto "chegai-vos a Ele", estais sendo orgulhosos, portanto "humilhais-vos". Nada além disso.
A idéia de Tiago ao escrever chegai-vos é a de que na atual situação, Deus não os rejeitaria, caso eles se aproximassem dEle com um espírito sujeito e humilde. Deus se mantêm no seu trono, é uma certeza que temos, Deus sempre estará no mesmo lugar quando precisar-mos dele.
Em Cristo,
Ednaldo.
Ednaldo,
ResponderExcluirPerfeita sua análise das palavras de Tiago.
Em Cristo,
Clóvis