Filipenses 2:13 está traduzido errado?

Um artigo recente procura mostrar que o entendimento calvinista de Filipenses 2:13 erra por se basear na interpretação incorreta do termo energon.  A palavra traduzida como “efetua” (ARA e NVI), “opera” (ARC e TB) e “age” (NTLH) deveria, segundo o artigo, ser traduzido como "energizar", "permitir agir" ou "empoderar".  Ele reconhece que em outras passagens (p. ex. Mt 14:2) o termo também é traduzido como "operar", mas aí o correto seria "estar presente" ou "dar condições". Finalmente, faz-se uma analogia com "um ambiente de trabalho harmonioso", o qual favorece que uma pessoa explosiva torne-se calma, mas não garante que isso aconteça.

Trata-se do mesmo erro identificado por Calvino já em seus dias: “E assim fazem uma divisão entre Deus e o homem: aquele, por seu poder, insufla a este um movimento pelo qual possa agir de conformidade com a natureza nele infundida; este, porém, governa suas ações por determinação da própria vontade. Em suma, querem que o universo, as coisas humanas e os próprios homens sejam governados pelo poder de Deus, porém não por sua determinação”.

Antes de prosseguir com uma defesa das traduções que temos, convém enfatizar que de forma alguma os calvinistas anulam a responsabilidade humana, deixando de lado o versículo 12, onde nos é dito “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor” (Fp 2:12). Mantemos as duas verdades: Deus é quem opera o nosso querer e o nosso efetuar e nós somos responsáveis por desenvolver nossa salvação com temor e tremor. Mas o artigo dá a impressão que para enfatizar esta última é necessário enfraquecer a primeira, o que evidentemente não é o caso. Isto posto, façamos algumas considerações sobre a afirmação de que as traduções que temos são incorretas.

Consideremos, primeiro, que uma tradução falha não deve ser admitida tão facilmente, levando-se em conta que quase todas as versões e traduções concordam entre si. Além das anteriormente mencionadas, encontramos "realiza" (Católica), "operatur" (Vulgata), "obra" (Biblia del Oso, 1569; Reina-Valera, 1909; Latinoamericana de Hoy, Biblia de las Americas), "hace nacer" (Dios Habla Hoy),  "trabaja" (Nueva Traducion Viviente), "produce" (Siglo de Oro; Biblia Textual, Reina-Valera, 1995), "opera" (Giovanni Diodati, 1649; Riveduta) "produit" (Louis Segond), "worketh" (AV, 1873; KJV; Webster), "work" (Good News; RSV; NRSV; Lexham), "working" (CEV; New Century; Holman Christian; New Living; Darby) e "works" (NKJ; NIV; ESV). Parece improvável que traduções de tão variadas épocas, idiomas e tradições tenham sido tão unanimes em traduzir incorretamente um termo.

Em segundo lugar, o termo ocorre em diversos locais no texto sagrado, com o sentido usado na passagem em apreço. Inclui ocorrências do Antigo Testamento grego (LXX), do Novo Testamento e, para além das escrituras canônicas, nos Pais Apostólicos. Toca aos levitas adultos "fazerem o seu serviço" (Nm 8:24) e a mulher virtuosa "faz bem e não mal" ao seu marido (Pv 29:30).  O próprio Deus diz “Quem fez e executou tudo isso? Aquele que desde o princípio tem chamado as gerações à existência, eu, o SENHOR, o primeiro, e com os últimos eu mesmo.” (Is 41.4). Nessas passagens, a tradução grega usa energon. Do Novo Testamento já foi mencionado Mt 14:2, que com a passagem paralela de Mc 6:14 declaram que em João Batista "operam forças miraculosas". Em Rm 7:5 paixões pecaminosas "operavam em nossos membros" e em 1Co 12:6,11 "Deus opera tudo em todos" e o "Espírito realiza todas estas coisas". Na segunda carta, 2Co 1:6 e 2Co 4:12 a tradução traz "torna eficaz" e "opera", respectivamente. Nas duas ocorrências de Gálatas, Deus "opera milagres" (Gl 3:5) e a fé "atua" (Gl 5:6). Em Efésios Deus "faz todas as coisas" (Ef 1:11), "fazendo-O assentar à Sua direita" (Ef 1:20), e é "poderoso para fazer infinitamente mais" (Ef 3:20), enquanto que Satanás é "o espírito que agora atua nos filhos da desobediência" (Ef 2:20).  Em Cl 1:19 o apóstolo refere-se à "eficácia que opera eficientemente" nele, enquanto que a Palavra de Deus está "operando eficazmente" nos crentes da Tessalônica (1Ts 2:13). Na carta seguinte (2Ts 2:7), ele lembra que o "mistério da iniquidade já opera". Finalmente, Tiago 5:16 lembra da eficácia da oração do justo. Conclui-se que a Bíblia é consistente em traduzir energon como “operar” ou equivalente.

Terceiro, e sem desmerecer o conhecimento de grego do autor do artigo e sendo eu próprio deficiente nessa área, consultei o significado dado à palavra pelos mais entendidos. Strong diz que o termo significa "ser eficaz, atuar, produzir ou mostrar poder, efetuar e exibir a atividade de alguém, mostrar-se operativo". Moulton (M-M) diz que o termo traz a ideia de "trabalho efetivo". Para Swanson (DBL), na passagem em foco significa "produzir, fazer que exista".  Para Thomas (NASB), o termo indica "estar trabalhando, trabalhar, fazer".  Liddell (AIGEL) entende a palavra como "estar em ação, operar". O Lexham Analytical Lexicon traduz simplesmente "operar". Para Ortiz (CMDGE), significa "operar, agir, exercer atividade, mostrar poder". Tuggy (LGENT) lista como significados "atuar, operar, ser eficaz, produzir, realizar". Para Cremer (BTLNTG), o termo significa "efetuar, mostrar a própria força" e no caso específico em estudo, "a operação espiritual de Deus no indivíduo". Kittel (CNT) diz que o verbo significa "atuar, estar em ação". Pelo visto, as obras de referência consultadas concordam com o significado adotado pelas traduções e versões bíblicas.

A quarta consideração a ser feita é que o autor ignorou que a palavra energon ocorre duas vezes no mesmo versículo. Tanto a palavra "efetuar" como "realizar" são traduções do mesmo verbo. Assim, se o primeiro "efetuar" tem o mero sentido de "energizar", "permitir agir" ou "empoderar", sem nenhum sentido de orientação ou efetivação, o segundo “realizar” deve ter o mesmo sentido, uma vez que é o mesmo verbo em ambos os casos.

Em quinto lugar, podemos deixar que alguns comentaristas se pronunciem a respeito dessa passagem. Agostinho, citado por Vincent, diz que "nós queremos, mas Deus opera o querer em nós, nós realizamos, mas Deus operar o realizar em nós". O próprio Vincent entende que "o verbo significa operação eficaz".

Calvino comenta que "Deus não apenas assiste à vontade fraca, ou corrige à depravada, mas ainda opera em nós o querer". Noutro lugar ele diz que "a primeira parte de uma boa obra é a vontade; a segunda, o firme empenho em executá-la: Deus é o autor de ambos. Portanto, furtamos ao Senhor, se algo arrogamos para nós, seja na vontade, seja na execução". Para Armínio, "as Escrituras atribuem à graça divina aquilo que, nos regenerados, opera, não apenas para o querer, mas também para o fazer", e ainda "assim, em relação à capacidade de querer e à vontade propriamente dita: “Deus é o que opera em vós, etc.”

Endriksen diz que "esta palavra indica o exercício efetivo do poder". Ele faz um paralelo com o paralítico de João 5 que "não podia caminhar, mas que pela voz de Jesus se levantou, tomou seu leito e começou a andar" e conclui o pensamento citando os Cânones de Dort, que dizem que "a vontade, sendo então renovada, não só é movida e conduzida por Deus, mas também, como consequência dessa influência, chega a ser ativa ela mesma".

Barkley, por sua vez, diz que "a palavra grega traduzida efetuar e realizar é a mesma: energein. Sobre este verbo se têm que notar duas coisas importantes: sempre se usa com respeito à ação de Deus; e sempre se aplica a uma ação efetiva. Todo o processo da salvação é uma ação de Deus e esta ação é efetiva porque é sua ação. A ação de Deus não pode frustrar-se nem ficar inconclusa; deve ser plenamente efetiva". O pentecostal Elienai Cabral afirma que "a expressão “opera em vós” identifica a obra exclusiva de Deus. E Ele quem opera, quem realiza, quem efetua “tanto o querer como o efetuar”. Essa declaração descreve um propósito de Deus para com os cristãos. Ele efetua nos crentes o querer, a vontade de obedecer e desenvolver a salvação".

Concluindo, afirmamos que a tradução operar ou efetuar não é incorreta, pois é adotada por quase todas as versões e traduções e de forma consistente nas várias ocorrências do termo, tanto no Antigo como no Novo Testamento, tendo a concordância de lexicógrafos e comentaristas de diversas tradições teológicas.

Soli Deo Gloria

Livre-arbítrio: um guia para iniciantes

Antes da queda de Adão, o homem era sem pecado e capaz de não pecar. Pois, “viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1.31). Mas o homem também era capaz de pecar. Porque Deus disse: “no dia em que dela [da árvore] comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2.17).

Assim que Adão caiu em pecado, a natureza humana foi profundamente alterada. Agora o homem era incapaz de não pecar. Na queda, a natureza humana perdeu a sua liberdade para não pecar.

Por que o homem é incapaz de não pecar? Porque após a queda “o que é nascido da carne é carne” (João 3.6), e “a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus; na verdade, ela não pode ser, e aqueles que estão na carne não podem agradar a Deus” (Romanos 8.7-8, tradução minha). Ou, como Paulo diz em 1Coríntios 2.14: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”.

Observe o termo não pode que aparece duas vezes em Romanos 8.7-8 e outra vez em 1Coríntios 2.14. Esta é a natureza de todos os seres humanos quando nascemos — o que Paulo chama de “homem natural”, e Jesus chama de “nascido da carne”.

Rebelde demais para se submeter a Deus

Paulo diz que isso significa que nesta condição nós “não podemos agradar a Deus”, ou, dito de outra forma, “não somos capazes de não pecar”. A razão básica é que o homem natural prefere a sua própria autonomia e sua própria glória acima da soberania e da glória de Deus. Isto é o que Paulo intenciona quando diz: “a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita…”.

A submissão alegre à autoridade de Deus, e ao superior valor e beleza de Deus, é algo que não somos capazes de fazer. Isto não acontece porque somos impedidos de fazer o que gostaríamos. É porque nós preferimos a nossa própria autoridade, e estimamos o nosso próprio valor, acima de Deus. Não podemos preferir a Deus como extremamente valioso enquanto preferimos supremamente a nós mesmos.

A razão para esta preferência idólatra é que somos moralmente cegos para a glória de Cristo, de modo que não podemos valorizar a sua glória como superior à nossa. Satanás está empenhado para nos confirmar nesta preferência ofuscante. “O deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2Coríntios 4.4). Assim, quando o homem natural olha para a glória de Deus, seja na natureza ou no evangelho, ele não vê beleza e valor supremos.

Para crermos, nós precisamos ver beleza

Esta é a razão fundamental pela qual o homem natural não pode crer em Cristo. Crer não é apenas afirmar a verdade sobre Jesus, mas também é ver a beleza e o valor de Jesus, de tal maneira que nós o recebemos como nosso tesouro supremo. A forma como Jesus expressou isso foi dizer: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mateus 10.37). Não existe uma relação salvífica com Jesus onde a fé não consiste em valorizar Jesus acima de seus mais queridos tesouros terrenos.

Onde esse despertamento para a glória e valor supremos de Jesus (chamado de “novo nascimento”) não aconteceu, o coração humano caído é incapaz de crer em Jesus. É por isso que Jesus disse aos que se opunham a ele: “Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros e, contudo, não procurais a glória que vem do Deus único?” (João 5.44). Em outras palavras, você não pode crer em Jesus, enquanto você tem maior estima pela glória humana do que pela dele. Pois, crer é exatamente o oposto. Crer em Jesus significa recebê-lo como supremamente glorioso e valioso (João 1.12).

É por isso que o homem natural não pode agradar a Deus. Pois, ele não pode crer em Deus desta maneira. Ele não pode receber a Deus e seu Filho como extremamente valiosos. Mas a Bíblia diz: “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hebreus 11.6). Ou, como Paulo diz, ainda mais enfaticamente, em Romanos 14.23: “tudo o que não provém de fé é pecado”.

A grande renovação por meio de Cristo

Portanto, a dura realidade é que os seres humanos, como nós nascemos — com uma comum natureza humana caída — não somos capazes de não pecar. Somos, como Paulo e Jesus afirmam: “escravos do pecado” (João 8.34; Romanos 6.20). O remédio para esta condição é a livre e soberana graça de Deus operando uma mudança na essência de nossa natureza caída.

Esta mudança miraculosa, comprada pelo sangue, operada pelo Espírito a partir da qual nós percebemos e preferimos é descrita de diversas formas no Novo Testamento. Por exemplo:

Deus iluminando nossos corações: “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo” (2Corinthians 4.6).

Deus fazendo com que nasçamos de novo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos” (1Pedro 1.3).

Deus nos ressuscitando dentre os mortos: “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo” (Efésios 2.4-5).

O dom divino do arrependimento: “que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade” (2Timóteo 2.25-26).

O dom divino da fé: “Porque vos foi concedida a graça de padecerdes por Cristo e não somente de crerdes nele” (Filipenses 1.29).

O efeito dessa mudança miraculosa, operada Espírito é que nós já não somos cegos para a beleza e glória supremas de Cristo; já não preferimos a nossa própria autonomia em vez do governo soberano de Deus; já não amamos a criação de Deus mais do que o Criador; apegamo-nos a Cristo como extremamente valioso; nós confiamos em suas promessas; somos libertos da nossa escravidão à incredulidade e ao pecado, e finalmente, somos capazes de não pecar. “Porque o pecado não terá domínio sobre vós” (Romanos 6.14).

Uma definição de “livre-arbítrio”

Agora, onde o “livre-arbítrio” se encaixa nesta descrição bíblica da nossa condição no mundo?

Para responder a essa pergunta, precisamos de uma definição clara de “livre-arbítrio”. Pode ser útil oferecer três definições: Uma a partir do uso popular, uma a partir do uso bíblico comum e uma proveniente de uma discussão mais técnica.

Uma definição popular

Popularmente, o que a maioria das pessoas querem dizer quando perguntam sobre o livre-arbítrio? Eu penso que a maioria das pessoas quer dizer algo como isto: A nossa vontade é livre se as nossas preferências e nossas escolhas são realmente nossas, de tal forma que possamos ser justamente considerados responsáveis, sejam elas boas ou más. O oposto seria que as nossas preferências e escolhas não são nossas, mas que somos robôs ou fantoches não possuindo quaisquer atos significativos de preferência ou escolha.

Por essa definição, o livre-arbítrio existe tanto em seres humanos caídos quanto nos redimidos. Pois, o que a queda provocou não foi que deixamos de ser pessoas autênticas que preferem e escolhem, mas que a nossa rebelião nos inclina a preferir e escolher o mal. Todos preferem e escolhem de acordo com a sua natureza. Se a natureza é rebelde e insubordinada, como Paulo descreve em Romanos 8.7-8, nós preferimos e escolhemos de acordo com isso. Se a nossa natureza for libertada da rebelião, ela começa a preferir e escolher o que é verdadeiramente belo. Em ambos os casos, a nossa preferência e escolha é “nossa”, e somos “responsáveis” sejam elas boas ou más.

Uma definição bíblica

A segunda definição de livre-arbítrio, expressa na linguagem de Jesus e Paulo, é esta: A vontade humana é livre quando não está sob a escravidão de preferir e escolher irracionalmente. Ela é livre quando é libertada de preferir o que é infinitamente menos preferível do que Deus e de escolher o que levará à destruição. O oposto dessa visão seria que tais preferências e escolhas irracionais e suicidas devem ser chamadas de “liberdade”.

Com base nesta definição, somente aqueles que nasceram de novo têm livre-arbítrio. Esta é a forma que Jesus definiu a noção de liberdade em João 8.32: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. E esta é a maneira como Paulo fala sobre liberdade em Romanos 6: “Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues; e, uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça” (Romanos 6.17-18).

Uma definição técnica

A definição mais técnica de livre-arbítrio que algumas pessoas usam é esta: Nós temos livre-arbítrio, se em última instância ou decisivamente nos autodeterminamos, e as únicas preferências e escolhas pelas quais podemos ser responsabilizados são aqueles nas quais, finalmente ou decisivamente, nos autodeterminamos. A palavra-chave aqui é finalmente ou decisivamente. A questão não é apenas que as escolhas são autodeterminadas, mas que o eu é o final ou decisivo determinador de si mesmo. O oposto desta definição seria que Deus é o único ser que, em última análise, determina a si mesmo, e ele mesmo é, finalmente, o ordenador de todas as coisas, incluindo todas as escolhas, embora existam muitas ou diversas outras causas intervenientes.

Nesta definição, nenhum ser humano tem livre-arbítrio, em tempo algum. Em última análise, nem antes ou após a queda, ou no céu, as criaturas determinam a si mesmas. Há grandes níveis de autodeterminação, como a Bíblia evidencia frequentemente, mas o homem nunca é a causa final ou decisiva de suas preferências e escolhas. Quando a agência do homem e a agência de Deus são comparadas, ambas são reais, mas a de Deus é decisiva. Todavia — e aqui está o mistério que faz com que muitos tropecem — Deus é sempre decisivo de tal forma que a agência do homem é real, e a sua responsabilidade permanece.

Mas, isso não é inconcebível?

Eu digo que muitos tropeçam nisso porque eles o consideram como inconcebível. A minha perspectiva é que a Bíblia ensina a compatibilidade entre a decisiva soberania de Deus e a responsabilidade do homem. Se isso parece inconcebível para você, eu pediria que você não permita que isso o impeça de crer no que a Bíblia ensina.

Mas pode ser útil fazer uma tentativa de ajudar a dar sentido a isso. Os atos de uma pessoa podem ser justamente considerados louváveis ou condenáveis se eles fluem de uma natureza boa ou má que o inclina a apenas um caminho?

Aqui está parte da resposta de João Calvino a essa objeção:

A bondade de Deus é tão entrelaçada à sua divindade, que não é mais necessário ser Deus do que ser bom; enquanto que o diabo, por sua queda, tanto se alienou da bondade que nada pode fazer, senão o mal.

Se alguém mencionar a zombaria profana de que pouco louvor é devido a Deus por uma bondade a que ele é compelido, não é óbvio que cada homem responda: “Não é devido à forçosa compulsão, mas à sua bondade infinita, que ele não pode fazer o mal”?

Portanto, se o livre-arbítrio de Deus em fazer o bem não é impedido porque ele necessariamente deve fazer o bem; e se o diabo, que nada pode fazer, senão o mal, mesmo assim peca voluntariamente; pode ser dito que o homem peca menos voluntariamente, porque ele está sob uma necessidade de pecar? (Institutas, II.3.5).

Muito mais poderia ser dito. Questionamentos não faltam. Meu apelo é que você se concentre no verdadeiro ensino das Escrituras. Tente não levar pressupostos filosóficos ao texto (pressupostos como: a responsabilidade humana não pode coexistir com Deus decisivamente fazer “todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”, Efésios 1.11). Deixe que a Bíblia fale plena e profundamente. Confie que um dia não veremos em espelho, obscuramente, mas face a face (1Coríntios 13.12).

Por: John Piper. © 2016 Desiring God. Original: A Beginner’s Guide to ‘Free Will’
Tradução: Camila Rebeca Almeida. Revisão: William Teixeira. © 2016 Ministério Fiel. 
Todos os direitos reservados. Website: MinisterioFiel.com.br. Original:  “Livre-arbítrio”: Um guia para iniciantes 
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