Os conservadores e a infalibilidade da Bíblia

A doutrina da infalibilidade da Bíblia é freqüentemente mal compreendida. Pelo que geralmente se fala, parece que a doutrina é totalmente refutada pela objeção de que ela nada mais é do que inspiração mecânica, o que coincide com o mais desvitalizado literalismo. Procura-se, ainda, refutá-la pela alegação de que há muitos manuscritos da Bíblia, sendo numerosos os casos nos quais eles diferem entre si quanto à maneira de dizer as coisas nos vários textos. E verdade que alguns representantes do fundamentalismo ficam vulneráveis diante de críticas desse teor. Há algumas seitas cuja aceitação literal do conteúdo das Escrituras leva seus adeptos ao ponto de até tentarem pegar em ofídios extremamente venenosos ou fazer coisas igualmente despropositadas. Muitos dentre tais literalistas se recusam a levar em conta certas implicações relacionadas com a existência de diferentes manuscritos da Bíblia. Tendo-se em mente, entretanto, que alguns conservadores como, por exemplo, Machen, também foram eruditos bíblicos de alto nível, então não nos será difícil perceber que os conservadores dispõem de respostas adequadas para não cederem diante de tais críticas, aparentemente óbvias.

Machen e outros conservadores de seu tipo não se cansam de afirmar que só o manuscrito original da Bíblia, isto é, aquele que veio diretamente da inspiração divina, é que será imune a erros. Esses eruditos conservadores não entendem, absolutamente, que as edições da Bíblia atualmente não tenham erros.

Com efeito, os conservadores têm contribuído admiravelmente com a tarefa da erudição bíblica, no propósito de que seja possível a restauração do melhor texto da Bíblia. Embora haja fundamentalistas fanáticos que, declarando ser a Versão do Rei Tiago infalível, têm chegado ao extremo de queimar a Versão Revisada, isso não acontece com todos os conservadores. Grande número dentre eles tem recomendado a leitura das edições revistas. Os conservadores amigos da erudição expressam a convicção de que Deus mesmo permitiu a perda do original da Bíblia, que era imune a qualquer erro, pelo fato de saber que o homem haveria de idolatrá-lo, como é o que acontece com relação às relíquias religiosas. Os homens encarregados de fazerem cópias da Bíblia cometeram erros e isso explica a existência de manuscritos discordantes. Todavia, Deus os preservou de introduzir em suas cópias os tipos de erros que pudessem resultar em prejuízo para a salvação dos pecadores, E. J. Carnell citava um trecho da introdução ao Revised Standard New Testament, onde se lê que um grupo de eruditos não conservadores concorda em que nenhum manuscrito tenha sido encontrado que requeresse qualquer mudança na fé cristã. Isso, nos diz Carnell, é tudo quanto um conservador deseja saber da parte dos eruditos.

Simplesmente não é verdade que o conservador, quem quer que ele seja, não passa de um literalista. O conservador não se sente solicitado a amputar sua mão direita, nem a arrancar um de seus olhos, pelo fato de que Jesus disse que os homens fizessem isso. Os conservadores sabem muito bem que a Bíblia, por vezes, faz uso de linguagem poética e alegórica. Em seus estudos ele não se baseia em uma interpretação literal das palavras das Escrituras; antes, procura obedecer à lição que vem do sentido “natural” dos textos. Nos pontos nos quais a Bíblia, obviamente, deve ser entendida literalmente, o conservador assim a entende. Assim sendo, o conservador crê na ocorrência da ressurreição corporal de Jesus de entre os mortos, pelo fato de que ninguém pode ler os respectivos textos sem entender que eles dizem que Jesus ressuscitou mesmo. Entretanto, o conservador não se sente obrigado a admitir que Isaías tenha visto os montes a saltitarem nem aplaudindo com as mãos. A palavra inspirada de Deus poderá ocorrer em textos poéticos ou em textos de prosa, de modo que temos de interpretá-los no sentido natural que eles contém.

W. E. Hordern
In: Teologia Contemporânea.

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