Disjunções arminianas injustificadas

“Portanto, o que Deus ajuntou não separe o homem.” (Marcos 10.9)
Na tentativa de manter a coerência do sistema, o arminianismo é obrigado a criar algumas diferenciações artificiais em seus elementos e que carecem de fundamentação nas escrituras. Algumas são defendidas conscientemente, outras afloram quando um ponto em questão é pressionado. Em todo caso, mostram como o sistema padece de robustez, em consequência de negar doutrinas que lhe parecem desagradáveis. Vejamos três casos em que disjunções aparecem, embora vários outros pudessem ser elencados.

Introduzem discórdia de propósitos na Trindade

O primeiro e talvez o mais evidente deles tem a ver com os propósitos das pessoas da Trindade na obra da salvação. No arminianismo, o Pai decidiu salvar apenas os eleitos [1], ou seja, aquelas pessoas que Ele previu que iriam crer e perseverar [2]. Já o propósito do Filho é remir todas as pessoas sem exceção [3], daí Sua morte ter abrangência universal. Ora, se o propósito do Pai é salvar apenas os que creem e o propósito da morte do Filho é expiar o pecado de todas as pessoas indiscriminadamente, então a vontade do Filho está dissociada da vontade do Pai. Jesus morreu por pessoas a quem Deus não pretendia salvar e às quais o Espírito Santo não aplica os benefícios da morte do Filho.

Em toda a Escritura a salvação é obra da Trindade e as três pessoas estão em perfeita harmonia quanto ao escopo da salvação. Não vemos Deus elegendo alguns e não outros, ao passo que Jesus morre vicariamente no lugar de toda a humanidade e o Espírito converte apenas uma parte dos que Jesus remiu. Pelo contrário, na Bíblia aqueles que o Pai predestinou são exatamente os mesmos que o Filho resgatou e aos quais o Espírito chama e regenera.

Dividem a obra sacerdotal de Cristo

No seu primeiro discurso na universidade de Lyden, Armínio escolhe como tema a obra sacerdotal de Cristo. No seu discurso ele promove uma disjunção entre a tarefa sacrificial e a tarefa intercessória de Jesus, afirmando que Jesus morreu por todos, mas intercede apenas pelos crentes [4]. O motivo dessa mudança de escopo é que se Jesus intercedesse por todos e cada um daqueles por quem morreu, todo mundo seria inevitavelmente salvo, posto que nenhuma oração do Filho deixa de ser atendida pelo Pai [5]. Subjaz nesse motivo a diferença na eficácia da morte e da oração de Jesus, pois a primeira não é em si mesmo eficaz para salvar (carece de algo externo à morte de Jesus), enquanto que a oração tem eficácia absoluta.

O sistema sacrificial do Antigo Testamento indica claramente que o sacerdote intercedia pelas mesmas pessoas em favor de quem foi oferecido o sacrifício. E o Novo Testamento reforça que Jesus intercede por quem Ele morreu, e vice-versa. Separar Sua morte sacrifical de Sua oração sacerdotal não é bíblico e implica que o Pai rejeitaria àqueles por quem Jesus ofereceu Sua vida, mas não as rejeitaria se tão somente Jesus oferecesse uma oração em favor delas. A ruptura arminiana da obra de Cristo faz com que Sua oração seja mais aceitável diante de Deus que Seu sofrimento.

Distinguem salvos e eleitos

Uma terceira distinção artificial que o arminiano é levado a fazer é criar duas classes de salvos. Ele é forçado a isso para poder sustentar que um salvo pode vir a perder a salvação sem com isso comprometer a infalibilidade da presciência divina. Se Deus anteviu a fé de alguns e os elegeu baseado nela, não pode estar errado quanto a eles serem salvos e, portanto, todos os eleitos seriam infalivelmente salvos. Isto implicaria que a doutrina da segurança eterna é verdadeira, o que a maioria dos arminianos não está disposta a admitir. A saída encontrada é dizer que nem todo salvo é eleito, criando duas classes de crentes, uma de meros salvos e outra de salvos eleitos, sendo que aqueles, por fim, serão condenados [6]. Por implicação, a eleição de ninguém pode ser confirmada nesta vida, exceto na mente de Deus.

É quase desnecessário dizer que a Escritura desconhece completamente essa distinção. Em toda a Bíblia os eleitos serão levados à fé e serão salvos e os salvos são aqueles que foram eleitos. Existe completa identidade entre salvos e eleitos, a distinção é extrabíblica e artificial. Não existe nenhuma insinuação escriturística de que um crente possa ser um salvo não eleito. Pelo contrário, quando ela afirma a eleição de alguém, afirma sua salvação, e vice-versa. E a eleição pessoal não apenas pode ser confirmada em vida, como os crentes são instados a confirmarem-na pessoalmente.

Conclusão

Convém considerarmos, em conclusão, a necessidade dessas disjunções artificiais. Dissemos que o arminianismo é obrigado a essas divisões como artifício para fugir de declarações bíblicas e suas implicações lógicas. Para não ser acusado de universalismo ao rejeitar a redenção definida, é forçado a manter que as vontades do Pai e do Filho diferem entre si quanto aos objetos da eleição e da expiação. Frente à afirmação bíblica de que o Pai sempre ouve o Filho, que morre em favor de todos, é levado a afirmar que Jesus não intercede por todos aqueles por quem morre. E para poder continuar sustentando que alguém comprado pelo sangue de Jesus, regenerado pelo Espírito Santo e guardado pelo poder do Pai, ainda assim pode vir a perder a salvação, tem que introduzir a estranha afirmação de que todo eleito é salvo, mas nem todo salvo é eleito.

Tão mais simples e bíblico seria afirmar que Jesus morreu com o propósito de salvar infalivelmente a todos que o Pai elegeu e ninguém mais, os quais serão levados à fé pela obra do Espírito, os quais serão guardados até o fim pela Trindade Santa.

Notas

[1] “Deus decretou salvar e condenar certas pessoas em particular” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 227)

[2] “Este decreto tem o seu embasamento na presciência de Deus, pela qual Ele sabe, desde toda a eternidade, que tais indivíduos, por meio de sua graça preventiva, creriam, e por sua graça subsequente perseverariam, de acordo com a administração previamente descrita dos meios que são adequados e apropriados para a conversão e a fé” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 227).

[3] “O preço da morte de Cristo foi pago por todos e por cada um” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 288)

[4] “Mas Cristo é descrito como intercedendo pelos fiéis, e excluindo o mundo, porque, depois que havia oferecido um sacrifício suficiente para remover os pecados de toda a humanidade, foi consagrado como ‘um grande sacerdote sobre a casa de Deus’ (Hb 10.21)” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 43).

[5] "Dessa circunstância, podemos concluir, com a maior certeza, que as orações dEle nunca serão rejeitadas" (Armínio, Obras, vol. 1, p. 43).

[6] “Os cristãos fiéis e os eleitos não são corretamente interpretados como sendo as mesmas pessoas.” (Armínio, Obras, vol. 1, p. 350). Convém considerar, porém, que mais tarde, Armínio parece defender que “a fé é peculiar ao eleito” (idem, p.255), embora arminianos modernos mantenham a distinção.

A santificação da igreja

A santificação é uma característica fundamental da igreja, “sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12.14). Contudo, nem sempre é bem compreendida e muitas vezes negligenciada. Muitas vezes é reduzida ao aspecto exterior, como se pudesse ser forçada de fora para dentro, através de regras que proíbem certos alimentos e prescrevem em detalhes o modo de se vestir. Mas isso produz mais sepulcros caiados que santos.

Outra confusão comum é não distinguir os conceitos de justificação e santificação. A igreja romana é culpada disso e essa confusão estava no centro da controvérsia nos dias da Reforma. A justificação é um ato exclusivo de Deus pelo qual Ele declara que aquele que crê em Cristo é justo diante dele. A justificação é objetiva. A santificação, por sua vez, é uma obra que Deus realiza no crente, transformando-o contínua e progressivamente à imagem de Jesus Cristo. A santificação é, pois, subjetiva. A justificação marca o início do processo de santificação, o qual somente será concluída ao final da jornada cristã na terra.

Biblicamente, santificação significa separação e consagração de pessoas ou coisas para um propósito definido. No caso do povo de Deus, santificação é a separação do mundo para consagração ao serviço de Deus. “Ser-me-eis santos, porque eu, o SENHOR, sou santo e separei-vos dos povos, para serdes meus” (Levítico 20.26). Porque Deus é santo, isto é, infinitamente separado e exaltado de Sua criação, o caráter divino requer santidade daqueles que pertencem a Ele. “Pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo” (1Pedro 1.15–16)

Dissemos que a justificação é um ato exclusivo de Deus, para diferenciá-la da santificação, que embora seja uma obra divina, é realizada em cooperação com o homem. “Portanto, santificai-vos e sede santos, pois eu sou o SENHOR, vosso Deus. Guardai os meus estatutos e cumpri-os. Eu sou o SENHOR, que vos santifico” (Levítico 20.7–8). Deus assegura a santificação final, mas o crente é responsável por buscar a santidade, “advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo; para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim” (Colossenses 1.28–29).

A citação bíblica em epígrafe afirma que Cristo santifica e purifica a sua igreja, “para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Efésios 5.27), enfatizando o aspecto divino da santificação. “Sendo este mesmo o salvador do corpo” (Efésios 5:23), Ele santifica a igreja livrando-a do pecado. Na justificação, salva da culpa do pecado, na santificação, do domínio do pecado e na glorificação final, da presença do pecado. Dentre os meios que o Senhor usa para santificar a igreja, está a Palavra de Deus, “tendo-a purificado por meio da lavagem de água pela palavra” (Efésios 5.26). Em Sua oração sacerdotal pela igreja Ele pedia ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (João 17.17).

Mas do lado humano da santificação também há o que ser feito para que haja crescimento em santidade. Começa com uma aceitação do senhorio de Jesus Cristo, “a igreja está sujeita a Cristo” (Efésios 5:24). Isso leva, por consequência, à obediência dos mandamentos: “Guardai os meus estatutos e cumpri-os. Eu sou o SENHOR, que vos santifico” (Levítico 20.8). E quando falhar na observância dos mandamentos divinos, confessar e pedir perdão a Deus, pois “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1João 1.9).

Na santificação, vemos expressas tanto a soberania de Deus como a responsabilidade do homem. Deus é soberano para santificar e é Ele quem, finalmente, produz santidade no crente. Porém este é responsável diante Dele pela obediência ao comando “Sede santos, porque eu sou santo” (1Pedro 1.16). Sendo Deus três vezes santo, justificada está a declaração inicial de que sem santidade, ninguém verá o Senhor.

Soli Deo Gloria

Os deveres missionários do cristão


Você já teve ter ouvido a expressão “todo crente é um missionário ou um impostor”. Não é apenas uma frase de efeito, é uma verdade a ser considerada com seriedade. Também é possível que você tenha ouvido dizer “tudo o que a igreja faz é missões”. Essa frase, porém, é enganosa e serve de pretexto para que a igreja faça muita coisa que não tem nada a ver e que não contribui com nada ou muito pouco com a obra missionária. “Se tudo é missões, nada é missão”, já foi dito em resposta a essa afirmação. O texto que hoje iremos considerar reafirma a primeira afirmação e serve de base para questionarmos a segunda. Eis o texto:
“Depois disto, o Senhor designou outros setenta; e os enviou de dois em dois, para que o precedessem em cada cidade e lugar aonde ele estava para ir. E lhes fez a seguinte advertência: A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara. Ide! Eis que eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias; e a ninguém saudeis pelo caminho.” (Lucas 10.1–4)

Jesus faz uma advertência

O “depois disto” aponta para o início do capítulo 9 onde Jesus dá instrução aos doze apóstolos e os envia “a pregar o reino de Deus e a curar os enfermos (Lucas 9.2). Além dos doze, “o Senhor designou outros setenta”. No capítulo final ele ordena a todos “que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém” (Lucas 24.47). A partir do doze, Jesus amplia o número dos que devem anunciar o evangelho, para incluir todos “aqueles que creem” (Mc 16:15-18). Mas a expressão “depois disto” também pode ser referir aos versículos 57-62 do capítulo precedente, onde Jesus testa os que querem lhe seguir, terminando com a advertência “Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de Deus” (Lucas 9.62).

A advertência feita aos setenta é que “A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos”. Passados vinte séculos e tendo o evangelho avançado muito além da Palestina nesse período, a advertência continua válida para a igreja de hoje. A tarefa continua gigantesca. Há muitos povos ainda não alcançados e línguas para as quais a Escritura ainda não foi traduzida. Há muitos lugares no mundo onde Cristo ainda não foi anunciado, onde o povo em trevas sem saber aguarda o cumprimento da promessa “hão de vê-lo aqueles que não tiveram notícia dele, e compreendê-lo os que nada tinham ouvido a seu respeito” (Romanos 15.21). Apesar do tamanho da tarefa, “os trabalhadores são poucos”. A igreja tem sido omissa em prover ao mundo obreiros para completar a tarefa de proclamar a Cristo em todo o mundo. Os crentes investem muito pouco de seus recursos na obra missionária e poucos se dispõe a ir aonde o evangelho ainda não chegou.

O que podemos fazer

Está claro que estamos sob o dever de anunciar a salvação ao mundo e não precisamos nos estender em demonstrar essa obrigação. Mas o que podemos fazer efetivamente? Jesus nos apresenta a mais necessária das tarefas, a oração. “Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara”. Aí está algo que todo crente pode fazer. Uma irmã que tinha muito desejo de se dedicar a obra de Deus sofreu um acidente, ficando paralítica. Ao lamentar-se com seu pastor de que não mais poderia trabalhar na seara do Senhor, ouviu dele que poderia orar pelos missionários. Assim ela passou a orar todas as manhãs pela obra missionária num dos hemisfério, e à tarde, pelo outro hemisfério do mundo. Você pode estar orando pela obra missionária. Mas pode orar mais, e orar mais intensamente. E deve orar especificamente para que Deus levante novos missionários, apresentando-se em oração como alguém que Ele pode enviar, se assim o quiser. Que “eis-me aqui, envia-me a mim” (Isaías 6.8) também seja sua oração.

Se essa for sua oração, talvez você ouça de Jesus “Ide! Eis que eu vos envio”. Há muitas formas do evangelho chegar em terras longínquas. O rádio e a televisão têm se mostrado efetivos para veicular a mensagem do evangelho em lugares de difícil acesso. Mais recentemente, a Internet tem alcançado pontos impensáveis e tem sido uma ferramenta útil. Porém, nada substitui a presença física do missionário. A proclamação do evangelho é a principal atividade do esforço, mas não é tudo. Atender necessidades locais, plantar igrejas, formar líderes nativos, tudo isso requer o envolvimento pessoal do missionário. Portanto, o ide não é um imperativo supérfluo hoje, mas uma necessidade real. E o fato dos missionários serem enviados “como cordeiros para o meio de lobos” não deve arrefecer a disposição de ir.

A terceira tarefa, na qual toda a igreja deve se envolver é o sustento missionário. Jesus não afirma isso categoricamente no texto, mas fica explícito quando Ele diz “Não leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias” (Lucas 10.4). Um missionário não deveria ter que se preocupar com seu sustento, a igreja deve encarregar-se disso. Como missionário, Paulo não buscava ofertas e donativos, mas a igreja de Filipos tomava a iniciativa de enviar-lhe o necessário, e até mais que isso. “Recebi tudo e tenho abundância; estou suprido, desde que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Filipenses 4.18). A igreja da Galácia, por sua vez, recebe o testemunho de seu missionário “de que, se possível fora, teríeis arrancado os próprios olhos para mos dar” (Gálatas 4.15). Infelizmente, há igreja que gasta mais com copos plásticos no bebedouro que com missionários no campo e outras que faz um grande esforço para instalar ar condicionado no templo enquanto missionários sofrem carências básicas.

Eu quero acreditar que você ora por mais missionários e em favor deles e que tem contribuído generosamente para o sustento deles. De fato, sou movido a dar graças a Deus pela sua dedicação nessa causa. Porém, será que não podemos fazer um pouco mais? Andar a segunda milha? Dedicar mais um pouco do seu tempo de oração para os missionários espalhados pelo mundo? Abrir mão de algo supérfluo ou que poderia ser adiado e enviar uma oferta especial para um missionário que esteja necessitando? A secretaria de missões pode te orientar sobre isso.

O que podemos esperar

Voltando ao primeiro versículo, lemos que “o Senhor designou outros setenta; e os enviou”. No verso seguinte descobrimos que o Pai é “Senhor da seara”. Logo, os enviados são arautos de Jesus, que levantam seu estandarte e em Seu nome estendem os limites do Seu reino aqui na terra. E os que o apoiam com oração e sustento estão envolvidos na causa do Senhor. Não há maior honra que proclamar o nome do Senhor onde Ele ainda não foi invocado e nenhuma outra causa na terra é tão nobre quanto o Seu reino. O Senhor está realizando Sua missão no mundo e para todo crente é um privilégio único fazer parte de Seu projeto para as nações. Missões não é uma parte importante da nossa vida cristã, nossa vida inteira deve fazer parte da missão de Deus.

Além disso, temos uma promessa que deve nos animar em nosso esforço pela causa de Cristo no mundo. Jesus “os enviou de dois em dois, para que o precedessem em cada cidade e lugar aonde ele estava para ir”. Os missionários são arautos, que tocam trombetas para preparar a chegada do grande Rei. Onde o missionário proclama o evangelho, Jesus se faz presente. “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações...e eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mateus 28.19–20). O êxito do empreendimento missionário não depende de nossa oração, de nosso serviço e nem de nossas ofertas, embora Deus use tudo isso como meio. A garantia que temos é que o próprio Senhor se apresentará e fará frutificar o trabalho missionário. Disso advém a certeza de que “quem sai andando e chorando, enquanto semeia, voltará com júbilo, trazendo os seus feixes” (Salmo 126.6).

Soli Deo Gloria

A Cadeia Inquebrável da Salvação

Salvação e cinco pontos remetem ao acróstico TULIP, conhecidos como os cinco pontos do calvinismo: total depravação, eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível e perseverança dos santos. Mas neste artigo gostaria de enfatizar outros cinco pontos, relacionados com a ordem de salvação, os quais são geralmente referidos como elos da cadeia inquebrável da salvação divina, que começando na eternidade passada, mergulha na história e continua na eternidade futura.

O texto que nos guiará é Romanos 8:29-30, citado na epígrafe. É importante, desde já, chamar atenção para alguns detalhes importantes sobre esse texto. O primeiro deles, é que os objetos das ações divinas nele mencionados são pessoas e não algo nelas ou delas. As reiteradas referências “aos que” prova tratar-se de pessoas e não de coisas, caso em que o apóstolo usaria “os que” para referir-se aos objetos. O segundo é que se trata de um grupo definido e fixo de pessoas. Novamente, a referência “aos que... também os” implica isso. Os mesmos “aos que” referidos na eternidade passada são os mesmos “aos que” referidos na história e são os mesmos “aos que” que entram na glória. Ninguém é excluído, nenhum é adicionado. Estes dois fatos devem ser levados em conta ao considerarmos os que se segue.

A expressão “de antemão conheceu” é tradução de uma única palavra: proegno. O prefixo pro- indica um conhecimento prévio e eterno e é traduzido por “de antemão” na expressão. Ele denota algo ocorrido na eternidade passada e não na história corrente. Por sua vez, egno é o modo indicativo ativo do verbo ginosko, em seu aspecto aoristo, que significa “conheceu”. Aplicado ao conhecimento divino, não é mera presciência ou previsão. Deus é onisciente, conhecendo num ato simples tudo o que há para ser conhecido, real ou possível. E sendo presciente, conhece todos os fatos desde sempre. Mas proginosko tem um significado mais profundo que o conhecimento exaustivo e infalível de todas as pessoas, coisas e eventos.

De fato, ginosko traz em si a ideia de conhecimento relacional ao invés de mera constatação antecipada de fatos. Quando Deus diz “povo que não conheci me serviu” (2Sm 22.44; Sl 18:43) e Cristo sentencia aos ímpios “nunca vos conheci” (Mt 7.23) não estão falando que não sabiam que eles existiam, mas declarando que não havia um conhecimento relacional. De igual modo, quando o Senhor declara “Eu te conheci no deserto” (Os 13.5), Jesus informa “conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem a mim” (Jo 10.14) e Paulo assegura “o Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2.19) a ideia envolvida não é de mero conhecimento, mas de relacionamento íntimo. Aliás, os judeus usavam a palavra conhecer para se referir à relação sexual entre um homem e uma mulher: “contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt 1.25).

Assim sendo, ser conhecido de antemão significa ser escolhido como objeto do amor redentivo de Deus desde a eternidade. O verbo conhecer tem o sentido bíblico de conhecer intimamente com amor (Jr 1:5; Os 13:5; Am 3:2; 1Co 8:3; Gl 4:9) e expressa a peculiar complacência de Deus para com os Seus. É importante salientar que o texto não informa nada como condição para esse pré-conhecimento eletivo, sejam fé, amor, obras ou obediência. É uma decisão livre e soberana, como indica seu uso em 1Pe 1:20, com referência a Jesus.

Muitos negam que esse pré-conhecimento tenha caráter eletivo, pois ele seria determinativo e eles insistem que a presciência é meramente constatativa. Entendem que “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai” (1Pe 1.2) significa tão somente que Deus previu a fé deles e os elegeu por constatar que eles creriam Nele. Mas tanto aqui como em Paulo, não vemos a fé mencionada como objeto da presciência divina. Aliás, em lugar algum nas Escrituras fé, amor ou outra coisa qualquer é indicada como condição para a eleição. Os eleitos são conhecidos por Deus desde antes da fundação do mundo, para serem objetos do Seu amor e depositários da Sua graça salvadora, sem consideração de algo neles previsto que os diferenciasse dos demais.

Ao conhecimento eletivo de Deus segue-se logicamente a predestinação. Muitas vezes essa ordem é invertida e a predestinação é vista como tratando-se de eleição e reprovação, daí a expressão dupla predestinação, bastante comum. Porém, a ordem bíblica é eleição, seguida da predestinação dos eleitos. Biblicamente falando, a predestinação diz respeito unicamente aos eleitos, não havendo sentido bíblico falar em predestinação para a perdição. “Aos que de antemão conheceu, também os predestinou”.

O termo bíblico predestinou é tradução do verbo proorize, indicativo ativo de proorizo. O prefixo pro- tem o mesmo sentido apontado no seu uso em proegno, ou seja, indica uma ação realizada na eternidade. Portanto, não se pode distinguir uma ordem cronológica entre o conhecimento divino de Seus eleitos e a predestinação deles, embora uma ordem lógica tenha que ser admitida, com a eleição precedendo a predestinação, como mencionado. O verbo horizo carrega o sentido de destinar, determinar, ordenar, designar, estabelecer limites. Portanto, proorize significa predeterminar, decidir de antemão, destinar desde a eternidade.

A questão de quem são os predestinados é bastante clara e não admite controvérsia: são os que foram conhecidos de antemão. O ponto é a que eles foram predestinados, e o complemento esclarece que é “para serem conformes à imagem de seu Filho”. Em outro texto, o destino decidido por Deus para seus eleitos é “a adoção de filhos” (Ef 1:5). Isto de forma alguma nega que a predestinação tenha em vista a salvação, pois esta engloba tudo o que é dito nesta passagem, do conhecimento prévio à glorificação final. Podemos dizer, então, que a predestinação é a preordenação divina de todas as coisas visando conduzir seus eleitos à fé, à adoção de filhos e à progressiva conformação à imagem de Seu filho, a ser completada na glorificação final.

Se mais precisa ser dito sobre a predestinação, é destacar sua força, que vem do fato de que quem predestina é Deus, o Todo-Poderoso! Somos “predestinados segundo o propósito Daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1:11). Sugerir que um predestinado pode vir a apostatar e finalmente se perder é insultar o conhecimento, a sabedoria e o poder do Senhor. É quebrar a cadeia inquebrável. Deus decidiu o destino glorioso dos crentes, nada, nem mesmo os próprios crentes podem alterar esse decreto divino.

Conforme vimos até aqui, os termos pré-conhecidos e predestinados indicam atos realizados na eternidade passada. Mas agora a cadeia de ouro desce para o tempo para indicar a realização do propósito divino, ou seja, a etapa em que os eleitos “são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Assim, “aos que predestinou, a esses também chamou”. E como foi com os termos anteriormente tratados, aqui também requer-se uma compreensão do que seja essa chamada.

Chamar é utilizado tanto para se referir a um convite geral, externo e não eficaz, como a uma chamada pessoal, interna e eficaz. O desconhecimento desses dois aspectos do chamado leva muitos a confundirem-se quanto à sua eficácia. Quando Jesus disse que “muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mt 22.14) estabeleceu uma diferença no número dos que são chamados e dos que são eleitos, sendo aqueles em maior quantidade que estes. Claramente Ele não estava se referindo ao chamado interior, feito pelo Espírito Santo. Porém no texto que estamos considerando, todos os que foram predestinados na eternidade são eficazmente chamados no devido tempo. Aqui, o número de chamados coincide exatamente com o número dos eleitos. Isso porque, em Paulo, ekalese, forma verbal derivada de kaleo, chamar, é sempre eficaz quando feita por Deus (Rm 4:17; 9:7,11,24; 1Co 1:9; 7:17-24; Gl 1:6,15; 5:8,13; Ef 4:1,4; Cl 3:15; 1Ts 2:12; 4:7; 5:24; 2Ts 2:14; 1Tm 6:12; 2Tm 1:9).

Da confusão entre o chamamento exterior pelo evangelho e a chamada interior pelo Espírito Santo resulta a má compreensão e a consequente oposição à doutrina da graça irresistível. Sim, os homens sempre podem resistir, e de fato resistem, ao convite geral do evangelho, o qual é acompanhado de promessa, “muitos são chamados”. Mas nos eleitos desde a eternidade, a graça vence essa resistência, pela operação milagrosa do Espírito no coração deles, “mas poucos, escolhidos”. Se alguém crê, é porque foi predestinado a isso, “creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48).

Dada a natureza caída do homem, em que todas as suas faculdades estão afetadas pelo pecado e o leva a se opor a Deus e a tudo o que Ele oferece, o crente deve ser imensamente grato a Deus por agir nele, tirando seu coração de pedra e dando-lhe um coração de carne, capaz de amá-lo e desejá-lo. E a certeza de que todos os que foram de antemão conhecidos e predestinados na eternidade serão irresistivelmente chamados em tempo oportuno, é um estímulo à evangelização, pois Deus chama seus eleitos à fé mediante a pregação do evangelho.

É maravilhoso considerar o que Deus fez até aqui. Elegeu, predestinou e atraiu para Si pecadores perdidos. Mas como pecadores, transgressores da santa Lei podem se aproximar dAquele que é Fogo Consumidor, sem serem fulminados? E olhando por outro ponto de vista, como pode um Deus três vezes santo e perfeitamente justo receber aqueles que até então viveram em completa rebelião contra Ele? Neste ponto temos que considerar a justificação, ou seja, “a manifestação da sua justiça no tempo presente, para Ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26).

Todos os homens são concebidos em pecado e tão logo nascem, começam a cometer seus próprios pecados, transgredindo a Lei. Isto os torna culpados diante de Deus, e dignos de morte, morte eterna. A justiça de Deus precisa ser satisfeita, um preço precisa ser pago. Por isso Jesus morreu na cruz, para pagar o preço, no lugar e em favor daqueles que foram de antemão conhecidos e predestinados e agora chamados. Os pecados do Seu povo foram colocados sobre Ele e o preço pago satisfez a justiça de Deus, possibilitando que Deus se tornasse justificador de pecadores sem deixar de ser justo. Ao aceitar como satisfatório o sacrifício de Seu Filho, Deus assegurou a justificação de todos aqueles por quem Jesus morreu, os quais em tempo oportuno se apropriarão dessa justiça mediante a fé, pela operação milagrosa do Espírito Santo.

Tão certo que alguém foi amorosamente conhecido por Deus na eternidade e então predestinado a ser chamado em tempo e de modo oportuno, assim é certo que será justificado. O termo edikaiose é um termo forense e significa o pronunciamento de um veredito sobre uma pessoa, de que ela atende plenamente os requerimentos da Lei de Deus. E o modo indicativo do verbo mostra que isso é realizado de uma vez por todas. Dessa forma, todos os que são chamados e creem em Cristo, são desde agora declarados inocentes no tribunal de Deus.

Paulo começa o parágrafo em análise com uma declaração de certeza. “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28). Nos dois versos seguintes ele dá as razões para essa confiança. “Porquanto” no original é uma partícula lógica que significa porque, justificando a certeza expressa no verso anterior. E a expressão “a esses também glorificou” é o arremate dessa certeza, evidenciado pela forma como o apóstolo utiliza o verbo doxazo.

A glorificação dos justificados é ainda futura, pois se dará na volta do Senhor, porém Paulo a expressa como já realizada, tal a sua certeza na glorificação dos que são chamados segundo o Seu propósito. Mais adiante ele dirá que Deus dá “a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios” (Rm 9.23–24). Tudo o que acontece na vida do crente foi preordenado por Deus, visando o bem último daquele que foi chamado, quer dizer, a sua glorificação ou perfeita conformação à imagem do Filho!

Quando diz que os que amam a Deus foram predestinados “para serem conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8:29) e para “a adoção de filhos” (Ef 1:5), o apóstolo tem em mente uma operação que é iniciada na conversão e que será completada na manifestação em glória do Senhor. “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque haveremos de vê-lo como Ele é” (1Jo 3.2). Os que creem em Cristo podem, e devem, ter certeza de sua eleição na eternidade, de que agora são filhos de Deus, o que o Espírito lhes testemunha no coração e que finalmente serão feitos iguais a Jesus. “Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). Aleluia!

Com Rm 8:29-30 o apóstolo pretende eliminar qualquer dúvida dos que amam a Deus de que eles são objetos dos cuidados do Senhor, pois foram “predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). Esse propósito divino não começa com a conversão deles, nem mesmo no nascimento ou concepção. Na eternidade passada eles já eram conhecidos por Deus e objetos de Seu amor. Eles podem crer que Deus “em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1.4–5), muito antes do mundo existir.

O tempo não suspende este cuidado meticuloso de Deus para com seus eleitos. Eles são chamados e justificados e enquanto peregrinam neste mundo “todas as coisas cooperam para o bem” (Rm 8:28) deles, portanto o apóstolo podia dizer “estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.” (Rm 8.38–39). Todos os aspectos de sua vida estão sob a amorosa providência de Deus, e mesmo os males redunda no bem deles.

Assim, não deve causar surpresa a certeza inexorável com que Paulo afirma que eles entrarão indubitavelmente na glória do Senhor. Esta certeza todos os que foram justificados ao crerem em Jesus devem ter. “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem obtivemos igualmente acesso, pela fé, a esta graça na qual estamos firmes; e gloriamo-nos na esperança da glória de Deus.” (Rm 5.1–2). Os sofrimentos dessa vida, que afinal são para o bem deles, não tiram essa certeza. “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós” (Rm 8.18).

Diante disso tudo, o que nos resta? Nada, além de irrompermos em louvor a Ele: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo” (Ef 1.3)!

Soli Deo Gloria