Conhecidos de antemão

Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. Rm 8:29-30
Todos nós, acredito, gostamos de conhecer e de sermos conhecidos. Talvez isso explique parte do sucesso das redes sociais da Internet, onde uma pessoa conhece alguém que conhece alguém, que se torna nosso conhecido, e por aí vai. Mas nada se compara a conhecer e ser conhecido de Deus. Nada como ouvir Deus dizer "eu te conheço desde sempre"!

O termo traduzido pela NVI como "conheceu de antemão" deriva de uma palavra grega (proginosko), que é formada por uma preposição que significa "antes de um certo ponto" e um verbo que significa "conhecer". Daí, conhecer de antemão.  Mas a definição etimológica da palavra não transmite o seu real sentido.  Na linguagem das Escrituras, não significa simplesmente alguma coisa da qual Deus toma ciência antes de um certo ponto, mas envolve um relacionamento favorável da parte de Deus. Conforme assinala Vine, "a presciência de Deus envolve sua graça eletiva". Podemos dizer que é um conhecimento eletivo.

Observemos agora o objeto desse conhecimento prévio de Deus. É um erro comum considerar que tal conhecimento envolve coisas ou eventos, como por exemplo a fé que alguém terá ou a aceitação de Cristo por um pecador. O texto diz "aqueles", referindo-se a pessoas. E de fato, sempre que o termo ocorre no Novo Testamento tendo Deus como referência, são pessoas e nunca coisas ou eventos os objetos desse conhecimento. Em Atos 2:23 ("este homem") e 1Pe 1:20 ("cordeiro sem mancha e sem defeito"), a pessoa conhecida de antemão é o Senhor Jesus Cristo. Nas outras, os conhecidos de antemão são "aqueles" (Rm 8:29), "o seu povo" (Rm 11:2) e os "eleitos de Deus" (1Pe 1:1-2). A fé nunca aparece na Bíblia como algo antevisto por Deus no contexto em que o preconhecimento de Deus ocorre.

Alguém poderá dizer que sendo o conhecimento de Deus de todas as coisas exaustivo, é óbvio que Ele conhece todas as pessoas. Porém, aqui temos que lembrar que o conhecimento de Deus não é mera ciência de fatos acerca de pessoas, e sim de um conhecimento relacional, que envolve uma escolha e uma decisão de ser-lhes favorável. Neste sentido, Deus não conhece a humanidade inteira, mas apenas aqueles a quem escolheu para serem recipientes da Sua graça.

Por isso que Ele pode dizer para alguns "nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!" (Mt 7:23), enquanto dá certeza a outros dizendo "o firme fundamento de Deus permanece inabalável e selado com esta inscrição: 'O Senhor conhece quem lhe pertence'" (2Tm 2:19). Outra vez diz "as minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem" (Jo 10:27). 

Tendo compreendido isto, resta-nos atentar para a advertência do apóstolo: "mas agora, conhecendo a Deus, ou melhor, sendo por ele conhecidos, como é que estão voltando àqueles mesmos princípios elementares, fracos e sem poder? Querem ser escravizados por eles outra vez?" (Gl 4:9). Saber-se conhecido por Deus nos dá a segurança que nenhum outro sistema pode oferecer. Pelo contrário, ignorar este fato pode nos levar a submeter-nos de novo a rituais sem eficácia alguma, visando fazer alguma coisa ou evitar outra para granjear o favor divino. Mas sabendo que fomos conhecidos por Ele desde a eternidade nos dá a convicção de que desde a eternidade Ele já nos é favorável.

Soli Deo Gloria

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Um comentário:

  1. "Quem crer e for batizado será salvo."(Marcos 16:16 )

    "E, eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua obra." (Ap. 22:12)

    Fé e batismo fizeram parte da pregação de João Batista, dos Apóstolos e da Grande Ordenança de Jesus : “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado.” (Marcos 16:16 )

    "Não se deve pensar, contudo, que essa visão nega completamente a liberdade de escolha. Ela reivindica que o homem é livre para agir a partir dos seus impulsos e desejos, mas não é livre para agir contra eles, ou para mudá-los. Defensores como John L. Girardeau indicaram sua crença que a neutralidade moral é impossível. Mesmo que ela fosse possível, e uma pessoa estivesse igualmente inclinada a opiniões contrárias, a pessoa não poderia fazer escolha alguma. Se ele estivesse inclinado, mesmo um pouquinho, em direção a uma opção, entaõ ela necessariamente escolherá essa opção ao invés das outras."

    Na Igreja OrtodoxaO conceito de livre-arbítrio é muito importante para as igrejas ortodoxas, particularmente as ortodoxas orientais, e especialmente as afiliadas coptas. Tal como ocorre no judaísmo, o livre-arbítrio é axiomático. Todos são vistos como tendo escolha livre para decidir em que medida seguirá a própria consciência ou arrogância.

    Retirado do Wikipédia sobre livre arbitrio


    Outro problema de difícil resolução, abordado por Agostinho, foi o do livre arbítrio: depois do pecado original (antes o homem era livre, mas tendia naturalmente para o bem), o homem possuía o livre arbítrio, isto é, a possibilidade de escolher entre um bem maior e um bem menor, entre o bem e o mal e entre um mal maior e um mal menor. A vontade pode afastar o homem de Deus, fazendo escolhas erradas. Afastar-se de Deus significa ir para o não-ser, isto é, caminhar para o mal. Eis aí o pecado, que não é necessário e deriva, unicamente, da vontade do homem, nunca de Deus. Caminhando para o pecado, a alma decai e não consegue salvar-se sozinha - vem, então, a graça divina para dirigir o homem para o bem, sem, no entanto, privá-lo do livre arbítrio. Sem o auxílio da graça, exercendo o livre arbítrio, o homem poderia escolher o mal. Mas, segundo Agostinho, nem todos recebem a graça; apenas os predestinados à salvação a recebem das mãos de Deus.

    Esse conceito de predestinação, da dualidade dos eleitos e dos condenados é exposto em sua obra Cidade de Deus; nela, o autor descreve os homens no mundo, depois do pecado original (a vontade, movida pelo orgulho, distanciou-se de Deus): aqueles que persistem no erro de Adão e Eva, ou seja, no pecado, vivem na cidade dos homens, na cidade da terra, onde são sempre castigados; os que recebem a graça divina, os eleitos, constroem a Cidade de Deus e viverão para sempre, eternamente no Bem. Todos os fatos históricos negativos, como as guerras, o dilúvio e os impérios opressores, pertencem à cidade dos homens; os fatos positivos, como a arca de Noé, Moisés, os profetas e, principalmente, a vinda de Jesus ao mundo, são manifestações da Cidade de Deus.

    Agostinho escreveu a Cidade de Deus, enquanto assistia os bárbaros destruírem o Império Romano; deu uma resposta ao paganismo romano que acusava o cristianismo de ter culpa nesse desastre - não foi um desastre, mas a mão de Deus que castigou os pagãos da cidade dos homens, para dar lugar ao cristianismo, arauto da Cidade de Deus.

    Material retirado do site
    http://www.trigueiros.com.br/filosofia/medieval.htm


    “quem não crer será condenado” ???

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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