O cessacionismo pode ser provado biblicamente? - Uma resposta a Peter Master, Parte 3

3. As línguas eram idiomas reais

Master afirma que a terceira prova da cessação dos dons é “o dom de línguas reais foi dado no dia de Pentecostes (e por um tempo depois), o que nunca foi visto desde então” e que “deveria ser óbvio para nós que as línguas milagrosas dos livros de Atos e 1 Coríntios nunca ocorreram desde aqueles dias”. Enquanto que nos “tempos do Novo Testamento, quando o falar em línguas foi concedido pelo Espírito a capacidade de falar em uma linguagem real, que eles nunca haviam aprendido, levava as pessoas que haviam crescido com eles a ficarem admiradas” o dom de línguas moderno é “um linguajar desconexo”. E sentencia: “nada como isso tem sido visto desde os tempos bíblicos”, pois “ao descrever línguas literais, a Bíblia nos adverte de forma eficaz que esses dons foram retirados. Eles simplesmente não têm acontecido em qualquer momento da história, em qualquer lugar do mundo, desde os primeiros dias da igreja”.

a) Em resposta, pode-se dizer que a natureza do dom de línguas nada tem a ver com a validade atual. O dom poderia ser uma linguagem espiritual e ter cessado, como poderia ser um idioma humano e permanecer até a volta do Senhor. A única justificativa válida para que o dom de línguas tivesse cessado devido a sua natureza é que ele se tratasse de um idioma específico que não existisse mais nos dias hoje. Não é o que o autor defende.

b) Porém, as evidências bíblicas apontam para o fato de que o dom de línguas era mais que meros idiomas humanos. Os termos relacionados com língua e linguagem vem das palavras gregas γλωσσα (glōssa), διαλεκτω (dialektos) e ἑτερόγλωσσος (heteroglossos). A primeira delas ocorre 50 vezes no Novo Testamento, em 17 delas refere-se ao órgão da fala, 7 vezes em referência à etnia e uma vez metaforicamente a “línguas de fogo” (At 2:3). Dialektos ocorre seis vezes no Novo Testamento (At 1:19; 2:6,8; 21:40; 22:2; 26:14) e sempre se refere à “língua ou a linguagem própria de cada povo” e nunca é utilizado em referência ao fenômeno do falar em línguas. Heteroglossos ocorre apenas em 1Co 14:21 e significa “alguém que fala em uma língua estrangeira”. Assim, o termo γλωσσα é praticamente um termo técnico para o dom de falar em línguas, enquanto que o falar idiomas humanos é jamais é referido com o uso desse termo.

Além disso, se assumirmos que dons de língua eram idiomas humanos, algumas passagens ficam no mínimo estranhas.

“E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas” (1Co 12:10).

Há dois dons associados, o falar em línguas e o interpretar essas línguas. Se o falar em línguas fosse mero idioma humano utilizado para pregar o evangelho a estrangeiros, porque seria necessário a presença de intérpretes? Pois o evangelista com o dom de línguas já falaria no idioma de seu ouvinte, tornando supérfluo o dom de interpretação. Contudo, Paulo diz que se alguém fala em línguas, ninguém o entende:

“Porque o que fala em língua desconhecida não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala mistérios” (1Co 14:2).

Numa cidade cosmopolita como Corinto, era de se esperar que alguns entenderiam o que o que tinha o dom estava falando, mas o apóstolo diz que só Deus o entenderia e que em espírito pronunciava mistérios. Por isso, o dom de interpretação era sempre exigido:

“E, se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus” (1Co 14:27,28).

Além disso, Paulo orienta os que tinham o dom da seguinte forma:

“Por isso, o que fala em língua desconhecida, ore para que a possa interpretar” (1Co 14:13).

O que não faria nenhum sentido se línguas fosse mero idioma humano. Imagine, um judeu falando para um auditório, digamos, persa. Se ele, exercitando o dom de línguas, falasse persa, porque precisaria do dom de interpretar? Para traduzir para o aramaico novamente? O dom de línguas em conjunção com o dom de interpretação só faz sentido se o primeiro não se referir a idiomas humanos.

c) Ainda, o autor apela para o testemunho da história quando propõe provar biblicamente que o dom de línguas cessou por se tratar de idiomas humanos. Ele assume, equivocadamente, que o dom de línguas bíblico eram línguas dos povos do Novo Testamento e alega saber que esse dom “não têm acontecido em qualquer momento da história, em qualquer lugar do mundo, desde os primeiros dias da igreja”. Mas o fato é que ele não é onisciente para poder fazer tal afirmação. E contra ela bastaria um único testemunho de alguém que falou num idioma ou foi entendido de forma sobrenatural em qualquer lugar ou época. Não é nosso propósito argumentar com base na história, mas facilmente se encontraria um testemunho dessa natureza e o autor não teria como desmenti-lo.

Soli Deo Gloria


Continua...


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