O cessacionismo pode ser provado biblicamente? - Uma resposta a Peter Master, Parte 1

Peter Master é pastor do Tabernáculo Metropolitano de Londres, ocupando o púlpito onde pregaram John Gill e Charles Spurgeon. Ele levanta o seguinte problema: o cessacionismo pode ser provado [biblicamente]? Para responder afirmativamente a essa questão ele apresenta o que chama de seis provas bíblicas de que os dons carismáticos cessaram. Ele lista como dons carismáticos que cessaram completamente visões, palavras do conhecimento, palavras de sabedoria, profecias, curas e línguas. Como ele não os define, não nos ocuparemos disso. E como ele deixa de lado 1Co 13:8-10 por considera-lo controverso, também não recorreremos a ele, seguindo a ordem e a forma em que ele apresentou os seus argumentos (você pode baixar o ebook clicando aqui). 

1. Nenhum dom carismático ocorreu depois da era dos apóstolos

O argumento apresentado a título de prova é o seguinte: só apóstolos tinham dons carismáticos, pois tais dons eram sinais autenticadores de seu apostolado, logo, com a morte deles, nenhum dom permaneceu na igreja. Como apoio ao argumento ele cita 2Co 12:12: “Pois as credenciais do apostolado foram apresentadas no meio de vós, com toda a persistência, por sinais, prodígios e poderes miraculosos”. Ele recorre ainda a At 2:43: “Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos” e At 5:12: “Muitos sinais e prodígios eram feitos entre o povo pelas mãos dos apóstolos. E costumavam todos reunir-se, de comum acordo, no Pórtico de Salomão” e, finalmente, Hb 2:3-4: “como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua vontade”.

a) O argumento só prova que os apóstolos tinham e exerciam dons carismáticos enquanto viveram, mas não mais que isso. No Novo Testamento, apenas apóstolos organizavam igrejas. Agora que estão mortos, ninguém mais pode fazê-lo? Mas o argumento rui completamente quando vemos na Bíblia que os dons não eram exercidos apenas por apóstolos.

b) Para anular o argumento, basta que se tenha registro bíblico de dons carismáticos sendo exercidos por pessoas que não eram apóstolos. Comecemos com a promessa de Jesus:

“Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado. Estes sinais hão de acompanhar aqueles que creem: em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e, se alguma coisa mortífera beberem, não lhes fará mal; se impuserem as mãos sobre enfermos, eles ficarão curados.” (Mc 16.16–18). 

Claramente “aqueles que creem” refere-se potencialmente a todos os crentes. Temos o caso do anônimo, que não era dos doze, expulsando demônios: 

“Disse-lhe João: Mestre, vimos um homem que, em teu nome, expelia demônios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque não seguia conosco” (Mc 9.38).

Jesus não disse “fizestes bem, pois não sendo um apóstolo não pode realizar sinais miraculosos”. Mas foi exatamente o contrário. E não poderia ser diferente, pois Jesus comissionou 72 discípulos para realizar milagres (os apóstolos eram apenas 12, lembra?):

“Curai os enfermos que nela houver e anunciai-lhes: A vós outros está próximo o reino de Deus” (Lc 10.9).

No dia de Pentecostes, Pedro diz que os sinais que estavam acontecendo era o cumprimento da profecia de Joel, citando textualmente: 

“E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos; até sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e profetizarão.” (At 2.17–18). 

Note que o texto faz referência a pessoas do sexo feminino, inclusive. Só o fato de haver mulheres entres os que haviam de profetizar prova que os apóstolos não seriam os únicos a receber dons carismáticos, como Pedro diz mais à frente:

“Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (At 2.39).

De fato, vemos mulheres profetizando no Novo Testamento, como as filhas de Filipe e as mulheres de Corinto:

“Tinha este quatro filhas donzelas, que profetizavam” (At 21.9). 

“Toda mulher, porém, que ora ou profetiza com a cabeça sem véu desonra a sua própria cabeça, porque é como se a tivesse rapada” (1Co 11.5).

Ananias é outro exemplo de uma pessoa que não era apóstolo e que realizou cura, de ninguém menos que o apóstolo Paulo:

“Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos, dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. Imediatamente, lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tornou a ver. A seguir, levantou-se e foi batizado.” (At 9.17–18) 

Tudo isso concorda com o ensinamento de Paulo sobre os dons espirituais que estavam sendo exercidos na igreja de Corinto, sem a presença de um apóstolo: 

“A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um fim proveitoso. Porque a um é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento; a outro, no mesmo Espírito, a fé; e a outro, no mesmo Espírito, dons de curar; a outro, operações de milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espíritos; a um, variedade de línguas; e a outro, capacidade para interpretá-las.” (1Co 12.7–10). 

Não negamos a singularidade do ministério apostólico. Nem que os mesmos exerceram tal ministério com demonstrações de poder do Espírito Santo. Porém, quando eles viviam, outras pessoas também recebiam e exerciam dons espirituais e não é correto afirmar que os dons foram sepultados com eles.


4 comentários:

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  2. Excelente! Eu apenas completaria com o fato de que Ágabo também era profeta sem ser apóstolo, e que Paulo ensinou aos Coríntios a procurarem os melhores dons, principalmente o de profetizar, embora os corintios também não fossem apóstolos!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. E o que dizer de Filipe, que não era apóstolo?

    "As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava. Pois os espíritos imundos de muitos possessos saíam gritando em alta voz; e muitos paralíticos e coxos foram curados." (AT 8:6-7).

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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