A Igreja do Senhor

A Igreja sempre existiu e sempre existirá. Visto que Deus desde o princípio quis salvar os homens e trazê-los ao conhecimento da verdade (I Tim 2.4), é absolutamente necessário que a Igreja tenha existido no passado, exista agora e continue até o fim do mundo.

Que é a Igreja. A Igreja é a assembléia dos fiéis convocada ou reunida do mundo: é, direi, a comunhão de todos santos, isto é, dos que verdadeiramente conhecem, adoram corretamente e servem o verdadeiro Deus em Cristo, o Salvador, pela palavra e pelo Espírito Santo, e que, finalmente, participam, pela fé, de todos os benefícios gratuitamente oferecidos mediante Cristo. Cidadãos de uma comunidade. São todos eles cidadãos de uma só cidade, vivem sob o mesmo Senhor, sob as mesmas leis, e na mesma participação de todos os benefícios. O apóstolo os chamou “concidadãos dos santos, e... da família de Deus” (Ef 2.19), denominando “santos” os fiéis na terra (I Co 4.1), que são santificados pelo sangue do filho de Deus. Deve ser entendido inteiramente com relação a estes santos o artigo do Credo: “Creio na santa Igreja Católica, na comunhão dos santos”.

Uma só Igreja em todos os tempos. E, visto que há sempre um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus o Messias, e um só Pastor de todo o rebanho, uma só Cabeça deste corpo, enfim, um só Espírito, uma só salvação, uma só fé, um só testamento ou aliança, segue-se, necessariamente, que existe uma só Igreja. A Igreja Católica. Por isso chamamos “católica” e essa Igreja, porque é universal, e se espalha por todas as partes do mundo, estende-se por todos os tempos e não é limitada pelo tempo ou pelo espaço. Condenamos, portanto, os donatistas, que confinavam a Igreja a não sei que cantos da África, e não aprovamos o clero romano, que vive a propalar que só a Igreja de Roma é Católica.

Partes ou formas da Igreja. A Igreja divide-se em diferentes partes ou formas, não por estar dividida ou rasgada em si mesma, mas por ser distinta pela diversidade dos seus membros. Militante e triunfante. Uma é chamada a Igreja Militante e a outra a Igreja Triunfante. A primeira ainda milita na terra e luta contra a carne, o mundo e o Diabo, que é o príncipe deste mundo, e contra o pecado e a morte. A outra, já deu baixa e triunfa no céu depois de ter vencido esses inimigos, e exulta diante do Senhor. Entretanto, essas duas igrejas têm comunhão e união uma com a outra.

A Igreja particular. A Igreja Militante na terra tem tido, sempre, muitas igrejas particulares. Contudo, todas estas devem ser referidas à unidade da Igreja católica. Esta Igreja (Militante) foi estabelecida de um modo antes da Lei, entre os patriarcas, de outro modo diferente sob Moisés, pela Lei; e de modo diferente por Cristo, por meio do Evangelho.

Os dois povos. Em geral se mencionam dois povos: os israelitas e os gentios, ou aqueles que foram congregados de entre judeus e gentios na Igreja. Há, também, dois Testamentos, o Velho e o Novo. A mesma Igreja para o velho e o novo povo. No entanto, de todos esses povos foi e ainda é só uma a comunidade, uma só a salvação num só Messias, em quem, como membros de um só corpo, sob um só Cabeça, todos estão unidos na mesma fé, participando também do mesmo alimento e da mesma bebida espiritual. Aqui, porém, reconhecemos uma diversidade de tempos e uma diversidade nos sinais do Messias prometido e manifestado; agora, abolidas as cerimônias, a luz brilha sobre nós de maneira mais clara, e bênçãos nos são dadas mais abundantemente, e uma liberdade mais completa.

A Igreja, casa do Deus vivo. Esta santa Igreja de Deus é chamada a casa do Deus vivo, construída de pedras vivas e espirituais e fundada sobre uma rocha firme, sobre fundamento que ninguém tem o direito de substituir por um outro, e é, assim chamada “coluna e baluarte da verdade” (I Tim 3.15). A Igreja não erra. Ela não erra, enquanto se apóia sobre a rocha, Cristo, e sobre o fundamento dos profetas e apóstolos. E não é de admirar se ela errar, todas as vezes que abandonar aquele que, só, é a verdade. A Igreja noiva e virgem. A Igreja é também chamada virgem e a noiva de Cristo e, em verdade, única e dileta. O apóstolo diz: “Tenho-vos preparado para vos apresentar como virgem pura a um esposo” (II Co II.2). A Igreja, rebanho de ovelhas. A Igreja é chamada rebanho sob um só pastor, Cristo, segundo Ez, cap. 34, e João, cap. 10. A Igreja corpo de Cristo. É chamada também corpo de Cristo, porque os fiéis são os membros vivos de Cristo, sob Cristo, o Cabeça.

Cristo o único cabeça da Igreja. É a cabeça que tem a preeminência no corpo, e dela o corpo todo recebe vida; pelo seu espírito o corpo é em tudo governado; dela, ainda, o corpo recebe incremento e crescimento. Mais ainda, há uma só cabeça do corpo a qual com ele se ajusta. Por isso a Igreja não pode ter nenhuma outra cabeça além de Cristo. Como a Igreja é um corpo espiritual, ela precisa ter também uma cabeça espiritual em harmonia consigo mesma. Não pode ser governada por outro espírito que não seja o Espírito de Cristo. Por conseguinte, São Paulo diz: “Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as cousas ter a primazia” (Col 1.18). E em outro lugar: “Cristo é o cabeça da igreja, sendo este mesmo salvador do corpo” (Ef 5.23). E novamente: Ele é “o cabeça sobre todas as cousas, e o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as cousas” (Ef 1.22 ss). Também: “Cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado... efetua o seu próprio aumento” (Ef 4.15 ss). Por isso não aprovamos a doutrina do clero romano, que faz do seu Pontífice Romano o pastor universal, o cabeça supremo da Igreja Militante aqui na terra, e assim o próprio vigário de Jesus Cristo, que tem, como eles dizem, toda a plenitude de poder e soberana autoridade na Igreja. Cristo o único pastor da Igreja. Ensinamos que Cristo, nosso Senhor, é e continua a ser o único pastor universal e sumo Pontífice diante de Deus seu Pai, e que na Igreja ele mesmo realiza todas as funções de um pontífice ou pastor, até o fim do mundo; [VIGÁRIO] e, conseqüentemente, não necessita de vigário, que é substituto de quem está ausente. Mas Cristo está presente com sua Igreja e é sua cabeça vivificadora. Nenhum primado na Igreja. Ele proibiu, com toda a severidade, aos seus apóstolos e sucessores qualquer veleidade de primado e domínio na Igreja. Portanto, todos os que resistem, opondo-se a essa verdade transparente, e introduzem outro governo na Igreja de Cristo devem ser ligados àqueles, a respeito de quem profetizam os apóstolos de Cristo, São Pedro e São Paulo, em II Ped cap. 2, e Act 20.2, II Co 11.2, II Tes, cap. 2, assim como em outros passos.

Nenhuma confusão na Igreja. Contudo, repudiando o cabeça romano, não introduzimos na Igreja de Cristo nenhuma confusão ou perturbação, pois ensinamos que o governo da Igreja, estabelecido pelos apóstolos, nos é suficiente para conservar a Igreja na devida ordem. No princípio, quando a Igreja não tinha esse chefe romano, que hoje, como se diz, a conserva em ordem, não estava em confusão ou desordenada. O chefe romano preserva, na verdade, a sua tirania e a corrupção que foi introduzido na Igreja; e, ao mesmo tempo, ele impede, resiste e, com todas as suas forças, arruína a conveniente reforma da Igreja.

Dissentimento e luta na Igreja. Objetam-nos que tem havido várias lutas e dissenssões em nossas Igrejas desde que se separaram da Igreja Romana, e que por isso elas não podem ser igrejas verdadeiras. Como se nunca tivesse havido seitas na Igreja Romana, nem dissenssões e lutas a respeito de religião, e na verdade presentes não tanto nas escolas como nos púlpitos no meio do povo. Sabemos, certamente, que o apóstolo disse: “Deus não é de confusão; e, sim, de paz” (I Co 14.33). E: “porquanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais?” Contudo, não podemos negar que Deus estava na Igreja apostólica e que a Igreja apostólica era Igreja verdadeira, não obstante a existência de combates e dissensões nela. O apóstolo São Paulo repreendeu o apóstolo São Pedro (Gal 2.11 ss), e Barnabé divergiu de Paulo. Grande luta surgiu na Igreja de Antioquia entre os que pregavam o único Cristo, como Lucas registra nos Atos dos Apóstolos, cap. 15. E tem havido, em todos os tempos, graves lutas na Igreja, e os mais eminentes doutores da Igreja divergiram de opinião entre si acerca de importantes assuntos, sem, no entanto, a Igreja deixar de ser aquilo que ela era, por causa de tais contendas. Pois, dessa forma, é do agrado de Deus usar as dissensões que surgem na Igreja para a glória do seu nome, para elucidar a verdade e para que os que são aprovados sejam manifestados (I Co 11.19).

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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