Pentecostalismo e Calvinismo: alguma relação possível? - II

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O que é pentecostalismo

Visto de forma isolada, o Movimento Pentecostal é o fenômeno religioso de maior destaque do século XX (REID, 199; MENZIES, 2002). Em 1900, o movimento não existia. Cem anos depois, em conjunto com os renovados, o grupo é maior que todos os outros evangélicos somados, ficando atrás apenas da Igreja Católica Romana em números absolutos (BARRET, 1982). Ao invés de se deixar ser tomado pelo triunfalismo, muitos pentecostais reconhecem que a sua influência não tem correspondido ao crescimento numérico, o que tem trazido perigos e desafios. 

Como movimento, o pentecostalismo encontra sua origem no trabalho do evangelista da santidade e pregador de cura divina, Charles F. Parham. Enquanto dirigia uma pequena escola bíblica em Topeka, Kansas, Parham instruiu seus alunos a lerem o livro de Atos em busca de uma evidência bíblica do batismo com o Espírito Santo. A pesquisa chegou a um espetacular resultado quando, no primeiro dia do ano de 1901, uma estudante, Agnes Ozman, falou em línguas (REID, 1990). Embora haja relatos de pessoas falando em línguas antes de 1901 e a terminologia batismo com o Espírito Santo tenha sido usada por evangélicos tradicionais antes disso, o ocorrido em Topeka é significativo por estabelecer a ligação entre batismo com o Espírito Santo como revestimento de poder e a evidência associada ao falar em línguas (MENZIES, 2002). 

Pouco anos depois um pregador negro do movimento de santidade, William J. Seymour foi convencido da experiência pentecostal e passou a pregá-lo em Los Angeles, onde finalmente estabeleceu uma missão pentecostal na Rua Azusa, na qual negros e brancos cultuavam juntos. Devido a localização estratégica de Los Angeles para viagens internacionais e a divulgação pela imprensa local do que acontecia nos cultos da igreja, muitos tiveram conhecimento e contato com a experiência pentecostal, que se espalhou pelo globo, embora manifestações pentecostais tenham surgido em várias regiões do mundo sem uma influência direta de Azusa (MENZIES, 2002).

O movimento pentecostal se distingue de outros ramos do protestantismo por dois pontos doutrinários: a crença no Batismo com o Espírito Santo como experiência distinta da conversão e na atualidade dos dons espirituais, especialmente o falar em línguas. Em geral, os pentecostais adotam uma soteriologia arminiana, são credobatistas, aceitam a cura divina e advogam uma escatologia premilenar. Contudo, tais convicções vieram do contexto onde o pentecostalismo surgiu e não são essenciais à pneumatologia pentecostal.

O Batismo com o Espírito Santo é definido como a experiência definitiva, subsequente à salvação, na qual a terceira pessoa da Divindade vem sobre o crente para ungir e conceder poder para o serviço (DUFFIEND, 1983). A experiência é relatada no Novo Testamento como o Espírito “caindo sobre”, “vindo sobre” ou sendo “derramado sobre” o crente, de forma repentina e sobrenatural. Os cristãos tradicionais enfatizam o aspecto soteriológico da obra do Espírito Santo (com o que os pentecostais concordam), e consideram o batismo com o Espírito Santo como experiência inseparável da regeneração, definindo-o como o ato do Espírito de Deus que coloca os crentes no Corpo de Cristo, a Igreja (KARLEEN, 1987). Os pentecostais enfatizam a separalidade e, não raro, a subsequência do batismo com o Espírito Santo em relação à experiência da conversão, recorrendo aos relatos de Atos para demonstrar que os que receberam o batismo com o Espírito Santo eram crentes, tinham se arrependido e entrado numa nova vida com Cristo antes disso (HORTON, 1996).

Apesar do Batismo com o Espírito Santo e o falar em línguas estarem relacionado entre si, expressando a singularidade da origem do movimento pentecostal (MENZIES, 2002), são questões separadas. Há quatro posições possíveis relacionadas ao Batismo com o Espírito Santo e com o falar em línguas como sinal (HORTON, 1996). Já nos referimos aos tradicionais que consideram o Batismo com o Espírito Santo indistinto da conversão, para estes não há evidência inicial, como o falar em línguas. Para os Unicistas, que também consideram o Batismo com o Espírito Santo como parte da conversão, o falar em línguas é evidência inicial obrigatória (JACKSON, 1984). Há os grupos que consideram o Batismo com o Espírito Santo usualmente como posterior à conversão, mas que nem sempre são acompanhadas do falar em línguas, como a Igreja O Brasil Para Cristo (CONVENSUL, sd). Finalmente, há os que defendem o Batismo com o Espírito Santo geralmente após a regeneração e sempre acompanhado do falar em línguas, posição das igrejas Assembléias de Deus (CPAD, sd). Mesmo estes últimos admitem outras evidências do Batismo com o Espírito Santo, como o fruto do Espírito, várias manifestações carismáticas e o poder dinâmico do Espírito Santo na vida do crente (HORTON, 1996). De qualquer modo, os pentecostais em geral creem na atualidade do dom de falar em línguas, seja como sinal inicial, seja como evidência contínua. 

O dom de línguas é o dom do Espírito Santo que consiste em habilitar uma pessoa para falar num idioma que não é seu (LOCKWARD, 2003). A exata natureza do dom de línguas é matéria controversa. Para os primeiros pentecostais, tratava-se de hetero-glossolália, a capacidade de falar idiomas desconhecidos por quem fala, mas compreensíveis para os ouvintes. Agnes Ozman falou o idioma chinês e outros alunos falaram em cerca de outros 20 idiomas diferentes. Para a maioria dos pentecostais, contudo, o dom de línguas é glossolália, a capacidade de falar num idioma desconhecido, tanto para quem fala quanto para quem ouve, daí a necessidade do dom de interpretar (DEIROS, 1997). O dom de línguas é utilizado para expressar adoração a Deus ou para pronunciar mensagens proféticas, neste último caso, por poucas pessoas e sucessivamente, sempre se fazendo acompanhar do dom de interpretação.


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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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