Sufocados em slogans

O manto da falta de significado intelectual encobre todos os aspectos da nossa vida cotidiana. Acontecimentos, coisas e "informações" nos afogam, nos subjugam, desorientando-nos com ameaças e possibilidades acerca das quais a maioria de nós não sabe o que fazer.

Comerciais, slogans, bordões políticos e pretensiosos rumores intelectuais atulham o nosso espaço mental e espiritual. As nossas mentes e os nossos corpos "pegam" essas coisas como um terno escuro pega fiapos. Elas nos decoram. Nós nos dispomos a ostentar mensagens nas camisas, nos bonés - até nos fundilhos das calças. Algum tempo atrás tivemos uma campanha nacional contra os outdoors nas estradas. Mas os outdoors não são nada se comparados àquilo que hoje exibimos por todo o corpo. Estamos imersos num "ruído" onipresente que nos acompanha do nascimento à morte - ruído silencioso e nem tão silencioso.

Pois não é de espantar que pessoas se disponham a ostentar uma marca comercial na camisa, no boné ou no sapato para dizer aos outros quem elas são? E veja o leitor que vivemos num mundo em que criancinhas pequenas cantam coisas como: "Eu queria ser uma [determinada marca de] salsicha. É isso que eu realmente quero ser. Pois, se eu fosse [essa determinada marca de] salsicha, todos se apaixonariam por mim".

Pense no que significaria ser uma salsicha ou no que significa alguém amar você como "ama" um cachorro-quente. Pense num mundo em que os adultos pagariam milhões de dólares para ter crianças cantando essa música em "comerciais" e em que centenas de milhões, bilhões até, de adultos não vêem problema nenhum nisso. Pois você está pensando no nosso mundo. Se você se dispõe a ser uma salsicha para ter amor, o que mais não faria? É de admirar que a depressão e outros distúrbios mentais e emocionais sejam epidêmicos? Quem é, afinal, que está hoje voando de cabeça para baixo?

Nos escombros das certezas despedaçadas do passado, o nosso anseio por bondade, correção e aceitação — e ainda orientação - faz que nos apeguemos a slogans de adesivos, a mensagens ostentadas nas roupas e panaceias compradas em lojinhas de presentes, coisas que nós, vivendo de cabeça para baixo, julgamos profundas, mas que de fato não fazem sentido: "Defenda os seus direitos" parece ótimo. E que dizer de: "Tudo o que eu precisava saber já aprendi no jardim de infância"? E: "Pratique boas ações aleatórias e insensatos atos de beleza"? E por aí afora.

Tais dizeres contêm um mínimo elemento de verdade. Mas, se você tentar realmente planejar a sua vida com base neles, vai se ver em sérios apuros. Eles o fazem girar 180 graus, encaminhando-o na direção errada. É o mesmo que modelar a vida com base em Bart Simpson ou Seinfeld. Em vez disso, experimente "Defenda as suas responsabilidades" ou "Eu não sei o que preciso saber e, portanto, devo hoje dedicar toda a minha atenção e todas as minhas forças a descobrir isso" (pondere Pv 3:7 ou 4:7) ou "Pratique rotineiramente boas ações deliberadas e inteligentes atos de beleza"

Colocar esses lemas em prática é algo que imediatamente infunde na vida verdade, bondade, força e beleza. Mas você jamais vai encontrá-los num cartão, num botão ou num adesivo. Não são considerados inteligentes. O que é verdadeiramente profundo é tido como idiota e banal, ou pior, chato, enquanto aquilo que é realmente idiota e banal é considerado profundo. É isso que eu quero dizer com a idéia de voar de cabeça para baixo.

Tudo o que é realmente profundo na sabedoria sagaz é a terrível necessidade da alma à qual esses lemas respondem incoerentemente. Nós percebemos a incoerência boiando pouco abaixo da superfície, e achamos a incoerência e a impropriedade vagamente agradáveis e fiéis à realidade: qual o valor de defender os direitos num mundo em que poucos defendem as suas responsabilidades? A menos que os outros sejam responsáveis, os seus direitos serão de pouca valia. E será que se aprende no jardim de infância a atrair pessoas e ganhar muito dinheiro escrevendo livros que asseguram aos outros que eles já sabem tudo o que precisam saber para viver bem? E como praticar algo que é aleatório? Logicamente é impossível. O que é aleatório pode atingir você, mas tudo o que se faz deliberadamente com certeza não é aleatório. E nenhum ato de beleza é insensato, pois o belo nunca é absurdo. Nada tem mais significado do que a beleza.

De fato, os dizeres populares atraem as pessoas só porque elas se sentem assombradas pela idéia, oriunda dos cumes intelectuais, de que a vida é na realidade absurda. Assim o único alívio aceitável é ser sagaz ou inteligente. Nos lares e nos edifícios públicos do passado, viam-se penduradas na parede ou gravadas em pedra e madeira palavras de grave e desprendida exortação, invocação e bênção. Mas esse mundo é passado. Hoje a lei é "ser sagaz ou morrer". A única sinceridade tolerável é a inteligente insinceridade. É isso que as mensagens das roupas e dos cartões realmente alardeiam. A "mensagem" específica pouco importa.

E no entanto temos de agir. O foguete da vida já foi lançado. A ação é eterna. Nós estamos nos tornando agora aquilo que seremos — para sempre. O absurdo e a sagacidade são assuntos bons para quem quer rir ou talvez cismar. Mas não valem como fundamento de vida. Não proporcionam refugio nem orientação ao ser humano.

Dalla Willard
In: A Conspiração Divina

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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