A Adoração e os Dons - Russel Shedd


Passando da descrição de adoração em Atos para Romanos e 1 Coríntios, descobrimos que o exercício dos dons do Espírito deve ser encarado como uma expressão de culto a Deus. Somente no caso dos dons serem motivados por amor genuíno pelos irmãos e por Deus é que podemos encaixá-los no quadro de um culto genuíno, "em Espírito e em verdade".

Paulo lembra aos romanos que a oferta de seus corpos a Deus é um ato de adoração espiritual, se, contudo, esses mesmos corpos estiverem sujeitos ao Cabeça para sentir, profetizar, ensinar, exortar, contribuir, presidir e exercer misericórdia (Rm 12.1-8). Certamente a lista pode ser estendida para incluir todo e qualquer ministério. A vida do cristão, se não se isolar da família de Deus, nem se separar do próprio Senhor, expressará adoração nas reuniões ou nas atividades do dia-a-dia.

A significação dos cultos nos quais a congregação se reunia alcançou relevância particular na concentração de vozes louvando e ensinando juntas, com corações sedentos, aprendendo e aplicando a Palavra. Era uma ocasião apropriada para o treinamento (katartismon, Ef 4.12) dos santos para servirem a Deus dentro e fora das reuniões. Os dons de apóstolo, profeta evangelista, pastor e mestre cooperam e fecundam no centro do culto para encorajar o bom ajustamento, o auxílio de toda junta e a cooperação de cada parte, o que "efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor" (Ef 4.16).

Edificação seria um dos termos chaves em 1 Coríntios 14 (vv.3, 4, 5, 12, 17, 26), onde o apóstolo avalia os dons de profecia e línguas. Profetizar quer dizer "edificar, exortar e consolar" (v.3), enquanto que quem fala em outra língua, edifica a si mesmo (v.4). O dom de línguas implica, segundo a orientação apostólica, dar bem as graças (v.17), "pois o que fala em outra língua, não fala a homens, senão a Deus... em espírito fala mistérios" (v.2).

Os visitantes vindos de terras distantes no dia de Pentecoste ouviram os cento e vinte membros da igreja de Jerusalém falando em suas "próprias línguas as grandezas de Deus". Sem entender o que falavam, o significado de suas palavras incompreensíveis visava a exaltação do Senhor e o louvor a Deus. "Pelo exercício dos dons, o culto é transformado numa experiência alegre e responde ao Deus vivente. Neste sentido, a adoração pode ser um testemunho poderoso ao mundo". Esta foi uma das conclusões expressas pela consulta sobre a Obra do Espírito Santo e a Evangelização, patrocinada pela Aliança Evangélica Mundial e pelo Comitê de Lausanne, em 1985, em Oslo, Noruega. 

Benefícios imediatos e de longo alcance são alcançados pela igreja que desata as cordas tradicionais que inibem a liberdade do Espírito Santo (2 Co 3.17). Deus criou os dons, e deu-os para Sua igreja, para edificá-la; mas o exercício dos carismas deve ser sempre subordinado ao amor (agapē) (1 Co 13.1-3). Somente o amor edifica (1 Co 8.1), amor que opera por intermédio de pessoas espirituais, dotadas de capacidades específicas para fortalecer a igreja e fazê-la crescer. Nós herdamos alguns rígidos moldes da Igreja Católica Romana que formam a imagem do bom funcionamento de uma igreja. Destaca-se a hierarquia. O líder consagrado dispensa os benefícios para a comunidade como mediador de Deus. Sua posição privilegiada e de poder dentro da organização eclesiástica nem sempre reflete os interesses divinos. Tornou-se desnecessário e impossível Deus dispensar seus dons como Lhe apraz {1 Co 12.11). O sacerdote adora, os membros da equipe observam e aplaudem ou criticam o desempenho do chefe espiritual.

Creio que podemos confiar que o ensinamento inspirado acerca dos dons foi-nos dado para continuamente rebuscar a verdadeira adoração que agrada a Deus. Como Pai, Deus valoriza a contribuição de todos os Seus filhos, não apenas a do pastor titular. Por isso, "ser membros uns dos outros" (Rm 12.5) envolve o serviço a Deus, com os irmãos servindo-se mutuamente. O culto racional (logikēn, "espiritual, genuíno, verdadeiro") agrada a Deus (Rm 12.1), porque corresponde à figura do corpo humano cheio de saúde e vigor. 

Shedd, Russel. 
In: Adoração Bíblica.

9 comentários:

  1. Chocante esse trecho: "Nós herdamos alguns rígidos moldes da Igreja Católica Romana que formam a imagem do bom funcionamento de uma igreja. Destaca-se a hierarquia. O líder consagrado dispensa os benefícios para a comunidade como mediador de Deus. Sua posição privilegiada e de poder dentro da organização eclesiástica nem sempre reflete os interesses divinos. Tornou-se desnecessário e impossível Deus dispensar seus dons como Lhe apraz {1 Co 12.11). O sacerdote adora, os membros da equipe observam e aplaudem ou criticam o desempenho do chefe espiritual."

    Parece que comentamos sobre algo parecido em outro post.

    Interessante também e que achei muito legal foi alguém do peso de Russel Shedd reconhecer a necessidade do ministério apostólico nos nossos dias, conforme ele diz: "Os dons de apóstolo, profeta evangelista, pastor e mestre cooperam e fecundam no centro do culto para encorajar o bom ajustamento." Digo isto pois reformados tendem a não concordar com isso.

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    1. Ele estava falando da era apostólica neste parágrafo como exemplo, e não do caráter contemporâneo do dom apostólico.

      Com relação a administração dos dons: É bem regulamentada no N.T, ou sugerida?

      .::::Bryan::::.

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    2. Bryan,

      Quando ele diz "o exercício dos dons do Espírito deve ser encarado como uma expressão de culto a Deus", "igreja que desata as cordas tradicionais que inibem a liberdade do Espírito Santo" e "nós herdamos alguns rígidos moldes da Igreja Católica Romana", será que ele está apenas exemplificando com a era apostólica?

      Sobre os dons, são tidos como normais no Novo Testamento, tem seu uso regulamentado e nada sugere que findariam antes da volta do Senhor.

      Em Cristo,

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    3. Eu creio na contemporaneidade do dom apostólico, o que não creio é nos auto-intitulados apóstolos, que a propósito já existiam ainda na era "apóstolica".

      Lembrando que o termo apóstolo biblicamente abrange bem mais que apenas os "12+Paulo".

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    4. Sim, ele descreve como exemplo. E acho que como todo bom exemplo, implica ser seguido, não acha?

      Quanto aos dons, como sabemos, Deus os distribui como Lhe apraz. Em relação a como cada pessoa administra seus dons, considero uma boa dissertação é a de 1 Coríntios 14.26-33.

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  2. Olá
    navegando pela internet, as "ondas" da graça me trouxeram até aqui. Estou lendo todos os textos publicados em seu blog. Eles me interessam sobremaneira.
    Abraços!

    Ismael
    ismael_epcma@hotmail.com

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  3. DR. RUSSEL É BOM, QUE EXPLICAÇÃO LINDA!

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    1. Concordo, Valdir. É uma das referências para mim.

      Em Cristo,

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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