A vontade de Adão, do pecador e de Jesus

Qualquer tratado que se proponha a falar sobre a vontade humana, sua natureza e suas funções, tem de abordar a questão de acordo com três homens diferentes: Adão, antes da queda, o pecador e o Senhor Jesus Cristo. A vontade de Adão, antes da queda, era livre, livre em ambas as direções — para fazer o bem e para fazer o mal.

A situação do pecador, porém, é bem diferente disso. O pecador nasce com uma vontade sem condições de equilíbrio moral, porque existe nele um coração enganoso, "mais do que todas as cousas, e desesperadamente corrupto" (Jr 17.9); isso lhe empresta a tendência para o mal. Da mesma forma, a situação do Senhor Jesus era completamente outra. Ele era radicalmente diferente do primeiro homem antes da queda.

O Senhor Jesus Cristo não podia pecar porque era o "Santo de Deus". Antes de Cristo ter nascido, foi dito a Maria: "Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus" (Lc 1.35). Falando com toda a reverência, poder-se-ia dizer que a vontade do Filho do homem não estava em equilíbrio moral, isto é, capaz de pender para o bem como para o mal.

A vontade do Senhor Jesus estava predisposta para o que é bom, pois, lado a lado com a sua humanidade impecável, santa e perfeita, havia a sua eterna divindade. Ora, em distinção à vontade do Senhor Jesus, que tendia para o bem, e à vontade de Adão, que, antes de sua queda, estava em condição de equilíbrio moral — capaz de pender tanto para o bem como para o mal — a vontade do pecador é predisposta para o mal, estando, portanto, livre em uma só direção, a saber, na direção do mal. A vontade do pecador está escravizada, porque, conforme já dissemos, está sujeita a um coração depravado.

A. W. Pink

8 comentários:

  1. Olá Clóvis, dei uma passadinha bem rápido por aqui (infelizmente, pois amo teu blog) e serei bem rápido no comentário (prometo que em breve terei mais tempo para comentar com mais detalhes) mas será um comentário de extrema relevância:
    Onde está dito, literalmente e de maneira clara, que, depois da queda de Adão, o homem perdeu sua capacidade de escolha? Outra coisa, se homem não fosse capaz de escolher entre o bem e o mal, o que seria das leis, dos mandamentos, dos conselhos, das ordens? Ao pé do Monte Sinai, antes de entregar a Lei do Eterno para o povo de Israel, disse o Senhor: “Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha.” Êxodo 19:5. “Se” é condição. E o que seria da recomendação do salmista: “Aparta-te do mal, e faze o bem; procura a paz, e segue-a.” Salmo 34:14. Seria uma recomendação pífia, pois teia falado de uma coisa absurda no próprio sentido da palavra, etc, etc, etc. E o que seria da grande recomendação do Senhor Jesus: “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.” Marcos 16:15,16. Se a natureza do homem já está predeterminada, qual o sentido de “crer” e “não crer”? Teria o Senhor errado, por não conhecer esse mistério da natureza do homem? Que confusão você fez. Ainda bem que Deus não concorda com isso, pois Deus não é de confusão!
    Graça e paz!

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  2. Boa noite, graça e paz.

    Pelo que entendi o texto não diz o homem perdeu sua capacidade de escolha, mas a capacidade de fazer uma escolha verdadeiramente livre, uma vez que agora, depois da queda, ele se tornou escravo do pecado (um escravo embora tenha vontade, sua vontade não é livre) que o seduz, comprometendo assim sua capacidade de escolher livremente por Deus. Se o homem pudesse escolher livremente por Deus, não seria necessário Jesus ter vindo e morrido na cruz para o libertar do poder do pecado.

    Soli Deo Gloria!

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  3. Paulo Cesar,

    Seja sempre bem vindo ao Cinco Solas. Ainda que discordemos eventualmente sobre vários pontos doutrinários, é sempre bom dialogarmos em busca de uma melhor compreensão da nossa salvação comum.

    A tese defendida por você em seu comentário é que na Queda o homem não perdeu sua capacidade de escolher por si mesmo o bem espiritual. Para defende-la, você lista os seguintes argumentos:

    a) a falta de apoio bíblico à perda da capacidade de escolha;
    b) as leis, mandamentos e conselhos implicam que o homem é capaz de obedece-los;
    c) a pregação universal do evangelho requer que o homem tenha capacidade de crer.

    Espero ter compreendido de forma correta sua argumentação e irei respondê-la de forma gradativa nos próximos comentários.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  4. Soninha,

    Suas palavras são na medida. Mas o Paulo não aceita a depravação humana no pecado, nem a soberania divina na salvação.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  5. Paulo Cesar,

    Principio agora minha resposta à sua argumentação, apresentando os fundamentos bíblicos da afirmação de que a Queda comprometeu a capacidade do homem de escolher o bem espiritual de si e por si.

    Antes permita-me esclarecer que este ponto não está em disputa entre arminianos e calvinistas, pois ambos concordam que o pecado arruinou a capacidade do homem de compreender, apreciar e realizar a boa escolha proposta por Deus. A posição defendida por você é a heresia pelagiana, pois Pelágio em sua terceira premissa dizia que a natureza humana é inalteravelmente boa, sua vontade é uma eterna tábula rasa, que não há corrupção inerente no homem. Portanto, saímos da controvérsia entre arminianos e calvinistas e entramos na arena da verdade versus heresia.

    E a verdade bíblica é a de que o pecado afetou profundamente a natureza humana, o que inclui a sua vontade e por conseguinte, sua capacidade de realizar boas escolhas. Sim, o homem continua a fazer escolhas morais livres, mas suas escolhas à parte da graça de Deus são sempre más. Ou seja, o ato de escolher é livre, mas o resultado da escolha é sempre mau, exceto quando assistido pela graça de Deus.

    Paulo diz que "todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só" (Rm 3:12), uma vez que "todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus" (Rm 3:23). Ao pecar, os homens passaram a ser "escravos da corrupção, pois o homem é escravo daquilo que o domina" (2Pe 2:19). A escravidão moral e espiritual do homem é reconhecida por Jesus quando promete "se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres" (Jo 8:36).

    A escravidão do homem ao pecado é tal que a Bíblia o descreve como morto. Aliás, essa seria a consequência do pecado de Adão: "não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá" (Gn 2:17). Essa morte se estende universalmente, pois "da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram" (Rm 5:12). E essa nessa condição de absoluta incapacidade que o evangelho nos encontra: "quando vocês estavam mortos em pecados e na incircuncisão da sua carne, Deus os vivificou juntamente com Cristo" (Ef 2:13) e tem que ser assim, pois mortos em pecados e delitos, nas palavras de Jesus "ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer" (Jo 6:44).

    Eu poderia citar uma imensidade de versículos que falam absoluta incapacidade moral e espiritual do homem, condição em que ele mergulhou ao pecar, e que prova que ele é incapaz de fazer uma boa escolha espiritual (aceitar o evangelho, crer em Cristo) à parte da graça de Deus. Mas creio que estes bastam para demonstrar a grave consequência da Queda na natureza do homem.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  6. Clóvis, graça e paz.

    Gostei disso: "Ou seja, o ato de escolher é livre, mas o resultado da escolha é sempre mau, exceto quando assistido pela graça de Deus."

    Gostaria de saber argumentar com a mesma maestria que você o faz. Quem sabe um dia eu chegue lá,...Rsrs...

    Soli Deo Gloria!

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  7. Soninha,

    Soli Deo Gloria. Nenhuma argumentação supera a simples apresentação da Palavra de Deus, e por isso te considero tão ou mais capaz que eu de argumentar.

    Nossas conclusões são sempre sujeitas a reparos. Mas a verdade bíblica permanece sempre.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  8. Paulo Cesar,

    Continuando a resposta aos seus argumentos, gostaria de pesar agora o argumento de que "as leis, mandamentos e conselhos implicam que o homem é capaz de obedece-los". Se o homem não é capaz de fazer o que Deus manda, então trata-se de "uma recomendação pífia, pois teia falado de uma coisa absurda no próprio sentido da palavra", você conclui. Parece um bom argumento, mas é bíblico?

    O princípio "dever implica poder" não é bíblica. Você não o encontra nas Escrituras, mas nos escritos de filósofos como Kant. Esse princípio é enunciado da seguinte forma: "No domínio do agir, o dever supõe a exeqüibilidade da prescrição. Dever implica poder. Só é moralmente obrigatório o que for possível. Só é moralmente proibido o que for evitável" (Sottomayor Cardia, M. Categorias Fundamentais da Moralidade. In: Ética I Estrutura da Moralidade. Lisboa: Editorial Presença, 1992). Parecem palavras carregadas de verdade, mas será?

    A Escritura ordena "sede santos" (Lv 11:44; 19:2; 20:7; 1Pe 1:16). Que homem tem poder ou capacidade de ser santo? Isso o exime desse dever? Outra ordem semelhante é "sede perfeitos" (Mt 5:48; 2Co 13:11). Neste caso, o padrão não é a perfeição humana, mas "como é perfeito o vosso Pai" (Mt 5:48). Você conhece alguém que tenha o poder de ser tão perfeito como Deus é? Se não, então esse imperativo é pífio e absurdo? Creio que você não diria isso das palavras de Jesus.

    A Bíblia também proíbe o pecado dizendo "não pequeis" (1Sm 14:34; Sl 4:4; 1Co 13:34; Ef 4:6; 1Jo 2:1). Existe um só filho de Adão que tinha poder de atender a essa proibição? Quem de nós pode não pecar? O fato de sermos incapazes de não pecar, torna essa proibição fútil e absurda? Claro que não!

    Concluindo, a máxima de que dever implica poder e o corolário de que a capacidade limita a responsabilidade é filosofia humanista e não doutrina bíblica, pelo que deve ser deixada de lado em favor de um compromisso com a verdade da Palavra de Deus.

    Em Cristo,

    Clóvis

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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