Há algo que vem me intrigando ao longo destes anos. Ao observar
vários ministérios com um carisma atuante, especialmente no que se
refere à cura e expulsão de demônios, noto que estes não demonstram
profundidade no conhecimento e no ensino da Palavra. As mensagens que
expõem são sempre as mesmas e em torno da prática de seu próprio
ministério, cuja ênfase é a salvação e não raramente inclui o dinheiro
como um assunto central. Na mesma proporção, os que expõem a palavra
demonstrando deter um conteúdo profundo são, por vezes, vazios quanto a
agir em favor de cura de enfermidades e de expulsão de demônios.
Sei que devo aceitar de antemão que o Espírito Santo distribui de
maneira diferente seus dons, conforme lhe apraz e, evidentemente, não
seria benéfico ao corpo que uma só pessoa acumulasse todos os dons. Daí a
necessidade de os ministérios agirem de maneira complementar. No
entanto ambos caminham com uma atitude de menosprezo ao outro e agem
como se se bastassem a si mesmos. Por não compreenderem a falta que têm
um do outro, evidencia-se o prejuízo dessa caminhada dicotômica, pois os
praticantes do ministério de cura e libertação estão, de uma maneira
geral, resvalando em exageros, apelando ao sincretismo religioso
brasileiro, em detrimento do embasamento bíblico. Já aqueles que exercem
o “ministério da Palavra” tornam-se tão acadêmicos que a fé parece ser
absolutamente teórica, alimentando-se apenas de discursos (perfeitamente
alicerçados na Bíblia), fazendo parecer que o Reino de Deus é algo
dissociado dos eventos terrenos.
Não bastasse o desprezo de um pelo outro, não são raras as vezes em
que se digladiam em acusações mútuas e públicas, criticando, de um lado,
o show e, de outro, o discurso vazio, sem qualquer contribuição para o
Reino de Deus, além de lançar ainda mais confusão entre os não
convertidos.
Minhas reservas aumentam na medida em que assisto na televisão aos
espetáculos de cura e libertação, mas não ouso cerrar fileira com os
críticos, por uma simples razão: não possuo uma alternativa para
resolver os problemas daqueles pobres angustiados que, depois de muito
peregrinarem em busca de uma solução, encontram no sobrenatural um
alívio para suas aflições e, pelo que me parece, de forma satisfatória a
eles. Imagino o que deve significar alguém se livrar de um demônio que
por anos a fio se apossou de seu corpo. Em minha perplexidade, não
poucas vezes senti-me tentado a buscar explicação teológica na
psicologia ou parapsicologia para aquilo que eles chamam de fenômenos.
Afinal não há como negar que os mesmos ministros que são usados para
operar sinais e maravilhas também cometem desvios grosseiros à sã
doutrina.
Fico embevecido quando leio ou ouço pessoas, igualmente cheias do
Espírito Santo, discorrerem sobre o propósito eterno de Deus,
apresentando sua atuação na história e conduzindo a explanação com
segurança, tornando compreensível o papel que nos cabe cumprir em dado
momento. Se o assunto é comunhão com Deus, as palavras ficam ecoando em
meu coração e me acompanham aonde quer que eu esteja. Mas, de repente,
encontro, como ocorreu com Pedro e João na porta do Templo chamada
Formosa, alguém que necessite da manifestação do Reino de Deus não
apenas em palavras, mas também em poder; a frustração, então, toma
conta, e fico perguntando a Deus: até quando sofreremos?
Quando João Batista mandou perguntar a Jesus se era ele mesmo que
haveria de vir ou se deveria esperar outro, Jesus respondeu que os
doentes eram curados, demônios expulsos e o evangelho pregado. Tanto em
Jesus como nos apóstolos havia uma integralidade entre o ministério da
Palavra e a cura e expulsão de demônios. Não se tratava de escolher
entre isto ou aquilo, mas de um e outro juntos: pregação e sinais,
andando de mãos dadas.
Não há dúvidas de que o ministério da palavra precisa, novamente,
andar junto com o de cura e libertação. Isso tanto evitará desvios aos
que praticam a cura e a libertação como também fará com que o ensino da
palavra deixe de ser insosso. Mas, para isso acontecer, será necessária
uma dose de humildade, sabendo que a teologia não explica tudo e que, ao
mesmo tempo, se não houver visão, o poder se corrompe.
O desprezo e o combate de um ao outro só tem exacerbado ainda mais as
deficiências e os erros. Alguém precisa dar o primeiro passo ao
encontro do outro. Isso será mais proveitoso do que tentarmos
estigmatizar a ênfase oposta, com atitudes como proibir alguém de atuar
no ministério porque não anda conosco ou porque não pensa como nós. Que
maravilhoso seria ver os cristãos realmente sentindo necessidade uns dos
outros e tendo a oportunidade de usar dons tão diferentes, mas tão
importantes, para se complementarem e não para competirem! Seria demais
sonhar e orar para isso acontecer?
Pedro Arruda
Clóvis,
ResponderExcluirDito de outra forma: Reforma e Carisma não são opostos, mas complementares. Pena que este "reavivamento calvinista" esteja ignorando completamente os carismas.
Graça e paz do Senhor,
Helder Nozima
Barro nas mãos do Oleiro