Eleição: condicional ou incondicional?

Será que nossas vidas individuais têm qualquer peso sobre a decisão de Deus? Esta é uma questão difícil e que precisa ser tratada com muito cuidado. Embora Deus faça sua escolha antes de nascermos, ele ainda sabe tudo sobre nós e nossas vidas antes que as vivamos. Será que ele leva esse conhecimento prévio de nós em conta quando toma sua decisão com respeito à eleição? Como respondemos a essa pergunta revela se nossa visão de predestinação é reformada ou não reformada. A questão é a seguinte: em quê Deus baseia a decisão dele de eleger uns e não outros?

No acróstico TULIP o U se refere a "eleição incondicional" ("unconditional"). A palavra incondicional distingue a doutrina reformada de predestinação daquela de outras teologias. Durante a Guerra Civil americana, Ulysses S. Grant foi apelidado de "unconditional surrender" Grant (o Grant da rendição total), mantendo suas iniciais U. S. Rendição total em guerra é aquela que exclui negociações. Não há espaço para "eu faço isso se você fizer aquilo". A rendição é total e completa. O inimigo derrotado entrega tudo, enquanto que o vitorioso não entrega nada. Esse tipo de rendição, observado a bordo do navio de guerra USS Missouri, trouxe o fim da Segunda Guerra Mundial. O termo incondicional simplesmente significa "sem o afixamento de condições, quer previstas ou não".

Muitas igrejas reformadas ensinam que a eleição é condicional. Deus elege certas pessoas à salvação, mas só quando satisfazem certas condições. Não é que Deus espera essas pessoas satisfazerem essas condições antes de escolhê-las. Eleição condicional é geralmente baseada na presciência de ações e reações (ou respostas) humanas. Muitas vezes isto é chamado de visão présciente da eleição ou predestinação. O termo presente ou pré-ciente simplesmente se refere a conhecimento antecipado. A idéia é que desde toda a eternidade Deus olha pelo túnel do tempo e sabe de antemão quem vai responder positivamente ao evangelho e quem não vai. Ele sabe de antemão quem irá exercer fé e quem não irá. Com base nesse conhecimento prévio, Deus escolhe alguns. Ele os elege porque sabe que terão fé. Ele sabe quem satisfará as condições para eleição e nessa base os elege.

O texto-prova favorito para o ponto de vista presciente da eleição está em Romanos: "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou" (Rm 8.29,30).

Vemos nesse texto que o pré-conhecimento de Deus vem antes da predestinação. Aqueles que defendem a visão presciente presumem que, visto que pré-conhecimento precede predestinação, pré-conhecimento deve ser a base da predestinação. Paulo não diz isto. Ele simplesmente diz que Deus predestinou aqueles a quem conheceu de antemão. Quem mais ele poderia concebivelmente predestinar? Antes que Deus possa escolher alguém para alguma coisa, ele deve tê-lo em mente como objeto de sua escolha. Quando Paulo liga predestinação a pré-conhecimento não diz nada sobre se esse pré-conhecimento inclui a pessoa satisfazer alguma condição para eleição.
 
Na realidade, Romanos 8.29,30 pesa contra a óptica presciente da eleição. Paulo começa com presciência e então vai passando pela "corrente dourada" da salvação via a predestinação, a chamada, a justificação e a glorificação. A pergunta crucial aqui é a relação entre chamada e justificação. A corrente diz que aqueles que Deus conheceu de antemão ele também predestinou. O texto é elíptico: não inclui o termo todos, mas deixa implícita a palavra (há traduções da Bíblia que o deixam claro). O sentido do texto é que todos a quem Deus conhece de antemão (a quem em qualquer sentido ele 'pré-conhece') ele predestina. E todos a quem predestina ele chama. E todos que ele chama ele justifica. E todos a quem ele justifica ele glorifica. A corrente é: pré-conhecimento-predestinação-chamado-justificação-glorificação.

É significativo que todos os que são chamados são também justificados. O que Paulo quer dizer aqui com "chamado"? Em teologia distinguimos entre dois tipos de chamado divino: o chamado externo e o interno.

Nós vemos o chamado externo de Deus na pregação do evangelho. Toda pessoa que ouve a pregação do evangelho é chamada ou convocada para Cristo. Mas não é toda pessoa que responde afirmativamente a esse chamado externo. Alguns o ignoram e outros o rejeitam de vez. Por vezes o evangelho cai em ouvidos surdos. A Escritura é clara quanto ao fato de que nem toda pessoa que ouve o evangelho externamente é automaticamente justificada. Justificação não é pelo ouvir o chamado, mas sim pelo crer no chamado. Portanto, pelo menos em algum sentido, há alguns (na verdade muitos) que são chamados mas não são escolhidos. Muitos ouvem aquele chamado externo do evangelho mas nunca são justificados. Contudo, na corrente de ouro Paulo diz que aqueles que são chamados por Deus são também justificados por ele. A não ser que se seja um universalista, não se pode concluir que isto se refere simplesmente ao chamado externo do evangelho.

A teologia também fala do chamado interior de Deus, que não é dado a todas as pessoas. A teologia reformada chama isso do chamado eficaz. Todos os que recebem esse chamado estão inclusos naqueles que são justificados. Novamente isso presume que o texto implica que todos que são chamados são justificados. O texto não diz isso explicitamente. É possível interpretá-lo para entender que alguns que são chamados são justificados. Mas se o termo alguns está implícito aqui a esta altura o texto diria que alguns a quem Deus pré-conheceu ele predestinou, alguns a quem predestinou ele chamou, alguns que ele chamou ele justificou e alguns que ele justificou ele glorificou. Isso tira todo o sentido das palavras de Paulo. O todos implícito aqui não é vago e incerto. É claramente implícito pelo fraseado do texto.

R. C. Sproul
In: Recebido por email

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