É preciso mais fé para ser calvinista do que arminiano

Ser um calvinista é um ato de fé. Ser arminiano, nem tanto. Pois, vivendo a vida diária, parece muito mais evidente que somos absolutamente livres para fazer o que quisermos. Sinto-me livre para escolher um prato do cardápio no restaurante. Sinto-me livre para escolher a camisa que preciso comprar. Senti-me livre quando escolhi, olhando o mapa, que viria ao Recife pela BR 101 e não pela 116. Quando resolvi que iria aceitar a explicação que meu filho adolescente deu para ter agredido o irmão mais novo, sinto que não havia nada me impedindo de fazê-lo. Se estas escolhas ou outras foram determinadas por Deus antes da fundação do mundo, certamente não pareceu, na hora que as tomei. Não me senti em nada compelido a fazer qualquer uma destas coisas. Aliás, senti que podia ter escolhido exatamente o oposto.

Pensando naquele dia de setembro de 1977 em que decidi orar e buscar a Deus em minha angústia, lembro-me de que o fiz livremente. Foi ali que nasci de novo. Confesso, contudo, que não posso dizer que poderia não ter orado. De qualquer forma, meu ponto neste post é que o arminianismo, que ensina o pleno livre arbítrio do homem e nega os decretos de Deus em nível da predestinação individual, com certeza parece ser muito mais evidente aos nossos olhos. Em meados de 1975, jovem rebelde e desviado da Igreja, fui confrontado por uma mensagem poderosa, que me exigia uma decisão. Lutei por vários minutos. Sai do local da reunião. Tomei a decisão de rejeitar aquele apelo. Senti, de fato, uma compulsão para aceitá-lo, mas tive forças para recusá-lo. Não é de admirar que quando me tornei um cristão verdadeiro em 1977, senti muito naturalmente que o arminianismo era a coisa certa. Durante os primeiros anos da minha vida cristã cheguei a enfrentar calvinistas e desafiá-los. Afinal, era óbvio que o homem era livre.

Hoje, vinte e cinco anos depois, libertado por Charles Haddon Spurgeon dos últimos escrúpulos arminianos, continuo operando diariamente como se fosse absolutamente livre diante de todas as escolhas com que me deparo. O apelo do arminianismo é a prova da experiência diária. Já o calvinismo não tem como provar pragmaticamente que esta ou aquela decisão já havia sido antecipadamente decretada por Deus, e que ao livremente escolhermos nosso caminho, o fizemos em perfeita harmonia com o que Deus havia decretado. O calvinista tem de, realmente, viver pela fé, acreditando no ensino bíblico de uma Providência invisível, imperceptível, silenciosa, inaudível, que guia seus passos. Ele tem de diariamente aprender a ver além daquilo que seus sentidos, emoções e experiência parecem confirmar, que é o pleno livre arbítrio.

Eu já não me preocupo mais com isto. Convivo diariamente com o meu suposto livre arbítrio e a declarada soberania de Deus na minha vida. Não paro para refletir teologicamente diante das decisões. Simplesmente, tomo-as. Reflito, é claro, nos valores e princípios teológicos que controlam as escolhas, para que possa fazer aquelas que sejam acertadas Mas, não mais me pergunto “qual a escolha que Deus já determinou para mim”? Esse tipo de pergunta pode paralisar o calvinista, pois provavelmente ele só terá a resposta se for em frente e escolher. Sei que no final, Deus terá realizado seu plano sábio, justo e bom na minha vida. É nisto que creio.

Augustus Nicodemus Lopes
In: O Tempora, o Mores

5 comentários:

  1. Interessante este ponto de vista do Nicodemus. Pois certamente, está para nascer uma mente que consiga discernir em absoluto estas questões que tangem o paradoxo da nossa fé.

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  2. Quem é de Deus escuta as palavras de Deus; por isso vós não as escutais, porque não sois de Deus.
    (João 9:47)

    Onde está o livre-arbítrio?

    Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito.
    As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem;
    E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão.
    Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.
    Eu e o Pai somos um.
    (João 10:26-30)

    Mais uma vez, onde está o livre-arbítrio? Onde estão as nossas escolhas? Onde está a escolha entre ser ou não ser uma ovelha? Ou nós mesmos poderemos nos fazer ovelhas? Certamente que não.

    Sola Scriptura
    Sola Gratia
    Sola Fide
    Solus Christus
    Soli Deo Gloria

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  3. IRMÃO, ESSES TEMPOS ATRAS VI O ENDEREÇO DO SEU NÃOMEÇEMBRO ONDE E AI PERDI. PORÉM LENDO OS COMENTÁRIOS SOBRE O TEMA ACIMA ABORDADOS NO DITO BLOG VOLTEI A ENCONTRAR. SEU BLOG É MUITO INFORMATIVO, JÁ ESTOU SEGUINDO.
    www.penseteologicamente.blogspot.com É MEU BLOG, DA UMA OLHADA POR LÁ E COMENTE SE ASSIM DESEJAR.

    ABRAÇOS

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  4. Daniel,

    Os calvinistas somos taxados de "sabidões" algumas vezes. Nas outras, somos acusados de apelar ao mistério. mas é o que descobrimos que nos leva a dizer não sei.

    Raphael,

    Este é o ponto do Prof. Augustus. Ser calvinista requer crer no que a Bíblia diz, apesar da nossa observação e experiências.

    Natanael,

    Cuide bem do endereço. Se quiser coloque nos favoritos. Mas não o perca novamente. Pois sua visita e comentários são bem vindos.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  5. Evitei o que pude. Mas não dá mais para segurar: o Augustus Nicodemus não é a cara do Gepetto, pai do Pinóquio?

    Que ele não leia isso!

    Em Cristo,

    Clóvis

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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