Eleição, livre-arbítrio e fé


A propósito do post Por que o homem não se volta voluntariamente para Deus, um irmão querido disse: "A se concluir pelo que li, entendo que eu escolho a Cristo por que antes Ele me escolheu. E os que não o aceitam, não foram também escolhidos por Cristo antes?", exclamando em seguida "Aí está o livre arbítrio!". Finalmente, o irmão concluiu "acho impossível uma contestação plausível para esta análise."

Receio não ter entendido bem seu raciocínio e por isso estou sujeito a dar uma resposta não adequada. Mesmo assim, vou tratar rapidamente suas colocações, esperando que me corrija algum mal entendido. Em síntese, vou tratar das seguintes proposições: Deus escolheu um número definido de pessoas para a salvação; o homem não tem livre-arbítrio que o capacite a crer no evangelho; os que crêem é porque foram previamente escolhidos; e os que não foram escolhidos não crêem.

1. Deus escolheu um número definido de pessoas para a salvação

Esta é uma verdade cristalina da Bíblia. Paulo escreveu que "devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação" (2Ts 2:13). Vemos aí que Deus fez uma escolha pessoal de pessoas para salvá-las. Qualquer tentativa de enfraquecer essa verdade, seja alegando que se trata de eleição para uma obra ou ofício, ou que se refere à eleição de um povo e não de indivíduos ou ainda que se trata de eleição de toda a humanidade, é lutar contra a clareza e a contundência da Bíblia, não apenas nesta passagem como em tantas outras onde a eleição soberana e graciosa é ensinada.

2. O homem não tem livre-arbítrio que o capacite a crer no evangelho

Igualmente verdadeiro é o fato de ninguém tem uma capacidade intrínseca de crer em Jesus Cristo por si mesmo. O próprio Cristo afirmou que "ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer; e eu o ressuscitarei no último dia" (Jo 6:44). É significativo que a palavra traduzida por trazer é a mesma que em outras partes da Escrituras é traduzida arrastar (Jo 21:11; At 16:19; 21:30; Tg 2:6), indicando que o homem só vai a Jesus arrastado por Deus. A fé não é uma faculdade do homem, mas algo que lhe é concedido. Por isso se diz que "a fé vem" (Rm 10:17) como um "dom de Deus" (Ef 2:8).

3. Os que crêem é porque foram previamente escolhidos

O testemunho bíblico é que apenas os que foram escolhidos na eternidade crêem em tempo oportuno. Lucas, pesquisador e historiador cuidadoso, registra que "creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna" (At 13:48). Vemos aí uma ordem entre eleição e fé. Essa mesma ordem aparece nos escritos de Paulo. Aos romanos ele escreveu "aos que predestinou, a esses também chamou" (Rm 8:30). Mais tarde, ao dizer que Deus "nos salvou e nos chamou com santa vocação" deixou claro que isso se deu "conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos" (2Tm 1:9).

4. Os que não foram escolhidos não crêem

Finalmente, a Bíblia ensina que "a fé não é de todos" (2Ts 3:2), mas os que crêem é pela "fé que é dos eleitos de Deus" (Tt 1:1). Jesus disse "mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas" (Jo 10:26). Somente quem foi escolhido por Deus recebe a capacidade de crer no evangelho, pois como já dito anteriormente, crer no evangelho e ir a Cristo não é uma habilidade natural do homem, chame-se isso livre-arbítrio ou qualquer outro nome que lhe queiram dar.

Quando se trata de verdades espirituais, não devemos nos apegar aos nossos pressupostos ou conceitos arraigados em nossa mente, mas devemos nos render ao que a Bíblia nos ensina. E, no tocante ao crer, ela ensina que o homem crê unicamente porque Deus lhe capacita a crer e não porque ele tem livre-arbítrio. E ela ensina ainda, que essa capacidade para crer é biblicamente denominada de chamada e é sempre eficaz nos eleitos do Pai.

Soli Deo Gloria

11 comentários:

  1. Gostei muito desse estudo seu; Deus continue te abençoando.

    abraços,

    Paulo --> www.paulojuniodeoliveira.blogspot.com

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  2. Oi, Clóvis,

    Não entendi mto bem pq esse irmão concluiu que o post "Por que o homem não se volta voluntariamente para Deus?" abria brechas para o livre-arbítrio, quando a intenção era exatamente a contrária...

    Mas mto bom esse post de hoje. Resumiu bem o ensino bíblico sobre o assunto.

    Graça e paz do Senhor,

    Helder Nozima
    Barro nas mãos do Oleiro

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  3. Helder,

    O raciocínio dele, se bem entendi, é o seguinte:

    1. Jesus escolheu os que lhe escolhem;
    2. Jesus escolheu a todos, inclusive os que não o escolhem;
    3. Então o que distingue um de outro é a própria escolha, ou seja, o livre-arbítrio.

    É claro que a premissa 2 não se sustenta e todo o raciocínio rui.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  4. Paulo,

    Obrigado pelas suas palavras.

    Em Cristo,

    Clovis

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  5. Prezado Clóvis,

    Parabéns pelos edificantes artigos de seu blog, os quais há não pouco tempo acompanho, em que pese seja essa a primeira vez em que posto um comentário.

    Sou membro da Assembléia de Deus no Bairro Amazonas (RJ) e professor de Teologia Sistemática, trabalhando especialmente com Calvino, Berkhof e Grudem. Professo, há cerca de uma década, a fé reformada, desde os primeiros acessos e "lutas mentais" no extinto site "Textos da Reforma" e no site Monergismo, do Felipe. Creio na posição reformada tradicional com relação à providência divina (especificamente compatibilismo) e à aplicação da redenção ("Cinco Solas" e "TULIP"). Além disso, defendo o continuacionismo em relação aos dons espirituais. Enfim, sou reformado e renovado.

    Quero salientar que o seu blog tem sido de muita valia tanto para mim como para os meus alunos, haja vista tenha tomado a liberdade de indicá-lo em sala de aula.

    Peço que o Deus de toda a graça continue a capacitá-lo na exposição do evangelho através deste blog.

    Um abraço fraterno em Cristo Jesus,

    Leandro Ribeiro
    www.seminariodecampogrande.ning.com

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  6. Leandro,

    Suas palavras são um incentivo para continuarmos neste trabalho. Mas a glória é toda de Deus.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  7. Clovis,

    Esta feito. Vc esta entre meus comparsas.... hehehe

    Deus te bendiga sempre!

    Danilo

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  8. Muito bom! Os arminianos evidentemente possuem um conceito 'relativo'sobre a incapacidade humana, por mais que tentem maipular as palavras a fim de negar o fato. Quem quiser vir a Cristo, venha! O problema é que o homem não quer...

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  9. A paz a todos!

    Bem, eng,raçado como o raciocínio de ser-mos escolhidos por Deus traz confusao mental...
    Engraçado como o pensar em sermos escolhido pode trazer-nos o mal da soberba, de uma falsa percepçao que nos deixa "convencidos" de que "somos de Deus".
    A indagação que fica é se somos escolhidos por Deus, admitidos por ele e ainda assim pecamos (a resposta nos aparece: porque somos humanos, por isso pecamos...), fica fácil nossa explicacao de admitirmo-nos no mundo do pecado...
    Engraçado que nesses meus anos de vida já convivi com inumeras pessoas. Algumas cristãs e outras, nao. O fato de o serem cristãs ou nao se desprende de um acreditar em um ser celestial, superior...um Criador. Entao, será que mina prepotencia de pensar: "nao admitem a Palavra da Bíblia, nao podem ser de Deus..."´Será essa pensamento adequado? Será que somente o crer na Bíblia, constituição humana, inspirado pelo Criador, que nos habilita a ser-mos "filhos"?
    Engraçado como vivemos em momentos: momentos de fé, momentos de duvida, momentos humanos... nesses momentos, de ausencia Divina ainda assim "somos de Deus?"
    Será certo que, sendo de Deus, escolhidos por Deus, mesmo em havendo as intercorrencias das "recaídas", que nao impossibilita o ser-mos "escolhidos", nao torna nossa passagem aqui desprovida de sentido, do ponto de vista prático da lógica (inadmitinto a exclusao da lógica humana pela simples conveniencia de explicacao...), haja vista que Paulo mesmo o disse: "... o morrer é lucro!"???
    Fazendo um paralelo: fico a pensar nos dias atuais de falta de emprego, em que determinada pessoa obtém êxito em concurso público, com estabelecimento de vaga (e hj esse fato dá direito adquirido a tomar posse) e o sujeito nao se preocupa com mais nada, vez que sua "vaga está garantida" (por mais que se diga que há a possibilidade de "ser mandado embora" isso na prática é remoto... que diria o "ser eleito", onde nao ha nem esse remota possibilidade... o quê pode criar na cabeça do "aprovado"? indolência, prepotencia, arrogancia... pois, a situacao dele é outra...???).
    Voltando ao "eleito" as explicacoes se delimitam em: "se ele cai: ah... somos humanos... natural que caiamos; se ele gera frutos: ah... é de Deus, por isso dá frutos como tal"... engraçado... cômico! confortável!!!

    Fikem com Deus!

    Adalberto J. Gomes

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  10. Adalberto,

    Seja bem vindo entre os comentadores deste blog.

    Em suas considerações você disse que a doutrina da eleição, vale dizer, ser escolhido por Deus, traz "confusão mental", "o mal da soberba", "indolência", "prepotência", "arrogência" e torna nossa vida "desprovida de sentido". Como apoio a essa sua visão, você recorre à sua experiência ("convivi com inúmeras pessoas") e ao raciocínio lógico ("do ponto de vista prático da lógica").

    Pois bem, sem menosprezar sua experiência e a voz da razão, o fato é que nem uma nem outra são confiáveis para estabelecer a verdade sobre uma doutrina, especialmente quanto a eleição, que está envolta em mistérios, que Deus não revelou. A experiência é enganosa e a razão insuficiente. O que importa mesmo, é o que a Bíblia diz, e o que a Bíblia diz é que "Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação" e fez isso "por Sua própria determinação e graça". Não há observação acurada ou raciocínio refinado que neutralize a força dessas afirmações, dentre tantas outras que há na Bíblia e que estabelecem, acima de qualquer objeção, que Deus elege os seus graciosa e soberanamente.

    Mesmo sendo a Bíblia o prumo nessa questão, uma observação da história, sem seleção de amostra, prova que a crença na eleição produziu santos e piedosos mais que arrogantes e presunçosos. Aliás, é impossível sustentar a fé na eleição graciosa e mostrar-se orgulhoso de ser eleito, pois isto implica uma contradição de termos, se você preferir, uma violação prática da lei da não contradição da lógica. Como pode alguém se orgulhar de ser escolhido sem mérito algum? Leia os artigos sobre os puritanos neste blog e você compreenderá o que digo.

    Por outro lado, esquadrinhando a história da igreja, quantos hereges encontramos que criam na predestinação divina de todas as coisas? Pode ter alguns, mas tenho dificuldade de listar nomes. E nos dias de hoje, quantos movimentos heréticos advogam a predestinação? parece que o ponto comum entre as seitas é a defesa do livre-arbítrio do homem.

    Em conclusão, posso lhe afirmar, que a doutrina da eleição não é ilógica, se assim parece é apenas porque colocamos a verdade bíblica de lado e metemo-nos em elocubrações humanistas. Tampouco induz aos vícios que você referiu, antes impele à santidade pela motivação certa: não deixa de pecar para não ir para o inferno, não peca porque vai para o céu.

    Gostaria de continuar nossa conversa.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  11. Em minha opinião ambos tem levado extrema posição, e igualmente não tem provado seus sistema para ser completamente Bíblico. Ambos contem verdade, mas vão além do que Deus faz. Eu não acho que isto pode totalmente entendido por nenhum homem. Tenho sido estudante da Bíblia desde que fui salvo em 1972 aos 30 anos de idade. Com gratidão, agradeço aos que me fizeram pensar e aceitar a Bíblia como a maior autoridade em minha fé e prática. A bíblia é autoridade, e não sistema teológico para o homem.

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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