Deus e o mal dos homens


Um irmão realmente interessado na verdade bíblica a respeito da providência divina, escreveu o que segue:

"O meu problema é esse, sendo Deus Todo-Poderoso e infinitamente misericordioso, como poderia ele estar no controle assim de "tudo" como por exemplo se uma pessoa cai no chão por descuido, ela caiu por que Deus fez ela cair? ou simplesmente por que ele teria alguma coisa a ver com isso? Assim eu acredito fielmente que não tem como alguem perder a salvação, mas sera que necessariamente Deus teria que por exemplo: ser a causa de ladrões roubarem um banco, estuprarem uma criança, pessoas matarem outras pessoas, seria Deus a causa disso, por favor me ajudem".

A doutrina bíblica da providência divina ensina que Deus sustenta e governa todas as coisas com Sua mão, de modo que nada, do mais fortuito dos acontecimentos até o mais grandioso evento, acontece fora de seu controle providencial. Isto, de fato, levanta várias questões, algumas das quais se constituem grandes problemas, os quais nem todos são respondidos pela Bíblia, que se limita a dizer que assim é.

Um aspecto da providência divina é que as ações livres e até pecaminosas dos homens são governadas por Deus mas mesmo assim Deus não é o autor do pecado. O nosso leitor mencionou exemplos como roubos, estupros e homicídios. Há, claro, diversas outras ações e acontecimentos maus que gostaríamos de ver Deus fora de tudo isso. Mas a verdade é que a Bíblia tanto afirma a soberania de Deus como a responsabilidade do homem, de modo que o fato de Deus realizar o Seu propósito pela ação má dos homens não O torna autor do pecado, nem isenta o homem de sua responsabilidade. Vejamos alguns exemplos bíblicos.


José foi vendido por seus irmãos, que tinham inveja dele, e se tornou escravo no Egito. De escravo virou prisioneiro, de prisioneiro vice-rei do Egito. Finalmente, os irmãos precisam comprar pão e são obrigados a comparecer diante de José mais de uma vez, sendo que na segunda ele revela ser o irmão traído, quase morto e vendido como escravo por eles. Então José lhes diz: "Agora, pois, não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque, para conservação da vida, Deus me enviou adiante de vós. Porque já houve dois anos de fome na terra, e ainda restam cinco anos em que não haverá lavoura nem colheita. Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande livramento" (Gn 45:5-7). Depois da morte de seu pai, Jacó lhes diz novamente: "vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida" (Gn 50:20). Notemos que a venda de José é considerada, ao mesmo tempo um mal causado pelos seus irmãos e um bem realizado por Deus.


A história do Faraó dos dias de Moisés também é bem conhecida. Deus havia ordenado que ele deixasse Seu povo ir. Porém, ele teimava em não libertar o povo. A cada castigo lemos que "endureceu Faraó o coração e não deixou ir o povo" (Ex 8:32). Entretanto, a Bíblia diz, igualmente, "endurecerei o coração de Faraó, para que os persiga, e serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército; e saberão os egípcios que eu sou o Senhor. Eles assim o fizeram" (Ex 14:4). Vemos que o endurecimento do coração é relatado na Bíblia tanto como um ato de Deus como uma ação de Faraó.

Um exemplo ainda mais claro pode ser visto na morte de Jesus. Lucas relata que "levantaram-se os reis da terra, e as autoridades ajuntaram-se à uma contra o Senhor e contra o seu Ungido; porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram" (At 4:26-28). O que Herodes, Pôncio Pilatos e as autoridades judaicas fizeram foi contra o Senhor e contra o Seu Ungido e por isto eram culpados diante de Deus; no entanto ao pecar assim, fizeram tudo o que a mão e o propósito de Deus determinaram, ou seja, realizaram o que Deus havia determinado que fizessem desde a eternidade.

Outros exemplos poderiam ser citados, para demonstrar que mesmo as obras pecaminosas dos homens são feitas por determinação divina, sem que isso os isente de responsabilidade e culpa e sem que Deus seja considerado autor do pecado deles. O problema é entender como isso é possível e neste ponto temos que reconhecer que não podemos dar uma resposta cabal, mas podemos tentar esclarecer um pouco. É o que faremos.

Deus tem um propósito definido desde a eternidade e preordenou todos os eventos que irão conduzir a esse propósito. E Ele controla de modo infalível todos os eventos que resultarão exatamente no Seu propósito último, que é a Sua glória. Alguns desses eventos são bons, outros são maus e ainda outros poderiam ser considerados neutros. Mas nenhum deles fica à margem do controle divino, mesmo quando se trata de uma ato moral livre dos homens.
Assim, quando para atingir ao propósito divino uma ação boa é realizada, ela é tanto divina quanto humana, pois Deus a determinou infalivelmente e o homem a realizou livremente. Porém, quando o homem realiza uma obra má, também o faz livremente e por ela é responsável, ainda que a mesma tenha sido preordenada de antemão para consecussão do plano de Deus. Assim, uma obra não é boa ou má porque Deus a determinou, mas porque o homem a fez intencionando fazer o mal ou o bem.

A venda de José foi uma obra má, pois seus irmãos a fizeram agindo por inveja. O endurecimento de Faraó também foi mau, pois sua motivação era resistir a Jeová. E a morte de Jesus também foi motivada por inveja, e portanto pecaminosa. Porém todos esses eventos, dentro do plano divino, foram bons, pois resultaram no livramento de milhares de vidas, na libertação do povo escolhido e na salvação dos homens, respectivamente. Assim, tudo o que Deus faz é bom e Ele não é culpado de pecado, e aquilo que o homem faz pode não ser bom e ele responderá por seus atos.

Soli Deo Gloria

7 comentários:

  1. Gostei muito da resposta, realmente me ajudou. Tinha essas dúvidas por que além de ser CRISTAO e estudar teologia, eu também faço o curso de filosofia, e 90 por cento dos estudantes de filosofia não acreditam em livre arbítrio da maneira que a maioria de todos nós pensamos, apenas acreditamos em uma pequena liberdade; muito obrigado, me ajudou mesmo.

    JESUS abençoe a você,
    abraços,

    Paulo/
    www.paulojuniodeoliveira.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Clóvis,

    Quanto tempo? Tudo bem com você?

    Abraços,
    Christopher Marques

    ResponderExcluir
  3. Paz Christopher!

    Quem de nós dois andava sumido? Eu estou bem, pela graça de Deus!

    Em Cristo,

    Clóvis

    ResponderExcluir
  4. Resposta abençoada. Deus te abençoe!

    ResponderExcluir
  5. João,

    Seja bem vindo ao Cinco Solas e esteja á vontade para comentar, seja concordando, discordando ou acrescentando algo.

    Que o Senhor abençoe sua vida.

    Em Cristo,

    Clovis

    ResponderExcluir
  6. QUE VCS CONTINUE ASSIM DANDO RESPOSTAS AS PESSOAS ADELMO SANTANA

    ResponderExcluir
  7. Adelmo,

    Obrigado pelo seu incentivo. Enquanto Deus der graças, faremos isso.

    Em Cristo,

    Clóvis

    ResponderExcluir

"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

Sua leitura deste post muito me honrou. Fique à vontade para expressar suas críticas, sugestões, complemetos ou correções. A única exigência é que seja mantido o clima de respeito e cordialidade que caracteriza este blog.