2Pe 2:1 nega a Expiação Eficaz?

Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. 2Pe 2:1

Embora esse seja um texto difícil, ele é na verdade muito ambíguo. O caso contra a expiação limitada a partir desse versículo não é tão grande quanto parece.

Primeiro, não é claro o que Pedro quer dizer exatamente quando escreve que os falsos mestres foram “resgatados”. É verdade que 1 Coríntios 6:20 e outros versículos usam “resgatou” como uma referência ao que Cristo fez em Sua morte. Mas isso não significa que a palavra seja usada dessa forma sempre que aparece na Escritura.

Como John Owen apontou em The Death of Death in the Death of Christ [A Morte da Morte na Morte de Cristo], a palavra usada para dizer que os falsos mestres foram “resgatados” pode ser usada para denotar qualquer tipo de libertação, e não indica necessariamente que eles foram comprados pelo sangue de Cristo. Baseado no contexto, pode ser melhor entender a declaração que os falsos mestres foram “resgatados”, não como uma referência à morte de Cristo, mas uma referência a algum outro ato de libertação – tal como a libertação, pela bondade de Deus, da idolatria do mundo. Observe como mais tarde Pedro refere-se aos falsos mestres como tendo experimentado uma forma de “libertação” no fato de “terem escapado das contaminações do mundo” mediante o conhecimento do evangelho (v. 20). Esse versículo não está se referindo à salvação, mas à reforma exterior sem nenhuma realidade interior final. Essas pessoas não tiveram suas naturezas transformadas, de forma que retornaram ao lamaçal como um porco. Todos nós conhecemos muitos não-salvos que por um tempo reformaram suas vidas, mas logo voltaram ao seu velho caminho. Em 2:20 Pedro está dizendo que os falsos mestres são assim; e dessa forma, em 2:1 é possível que a “libertação” ou “resgate” desses falsos mestres refira-se ao fato deles terem escapado da poluição do mundo e assim, não tem nenhuma referência quanto a Cristo ter comprado-os com Seu sangue ou não.

Há outra possibilidade também. Wayne Grudem apresenta uma boa defesa argumentando que Pedro está se referindo ao Êxodo em 2 Pe. 2:1. Pois Pedro compara os falsos profetas que se levantariam na igreja aos falsos profetas que se levantaram em Israel: “Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres”. No Antigo Testamento, toda a nação de Israel, e assim até mesmo os falsos mestre nela, era considerada como tendo sido “resgatada” por Deus das mãos do Egito no Êxodo. Por meio dessa libertação, Deus “resgatou” a nação de Israel, e assim Israel pertencia por direito a Deus como Seu povo peculiar. Vemos isso em Deuteronômio 32:6, que é provavelmente a passagem a qual Pedro está aludindo: “É assim que recompensas ao SENHOR, povo louco e ignorante? Não é ele teu pai, que te adquiriu, te fez e te estabeleceu?”. Deus “adquiriu” Israel não pela morte de Cristo, mas, como diz o texto, por formar a nação. Isso é evidente a partir de Êxodo 15:16 também, que fala do Êxodo como o ato de Deus pelo qual ele “adquiriu” Israel: “Sobre eles cai espanto e pavor; pela grandeza do teu braço, emudecem como pedra; até que passe o teu povo, ó SENHOR, até que passe o povo que adquiriste”.

Assim, a nação de Israel era considerada “resgatada” por Deus, por causa do Êxodo. Visto que 2 Pedro 2:1 está comparando os falsos mestres que se levantaram na igreja com os falsos profetas que se levantaram em Israel, não poderia ser que Pedro está dizendo que esses profetas seriam da nação de Israel – isto é, aqueles que foram “resgatados” no Êxodo? Ou, talvez ele não possa estar dizendo que esses falsos mestres estarão na igreja numa posição análoga àqueles em Israel que tinham sido “resgatados” no Êxodo?

A despeito disso, vemos que há muitas coisas diferentes que Pedro poderia desejar dizer, quando diz que os falsos mestres foram “resgatados” pelo Senhor. Por causa dessa ambigüidade, não seria sábio tomar essa passagem como negando a expiação limitada. De fato, à luz do claro ensino em outras partes da Escritura que a expiação limitada é verdadeira, seria melhor interpretar essa passagem ambígua à luz daquelas.

Segundo, é também ambíguo se Pedro está se referindo a Deus o Pai, ou a Cristo, como o Senhor que os resgatou, quando ele diz que eles chegaram “até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou”. De fato, é provável que o “Soberano Senhor” que Pedro diz ter resgatado esses falsos mestres seja uma referência a Deus o Pai, não a Cristo. Isso porque nos versículos seguintes Deus o Pai é mencionado e a palavra grega para Senhor usada aqui nunca é usada para Cristo, mas somente para o Pai (veja The Death of Death in the Death of Christ, de John Owen). Esse entendimento está também mais de acordo com a alusão a Deuteronômio 32:6, onde Deus o Pai está em vista e é dito ter “adquirido” Israel.

Se Pedro está dizendo que Deus o Pai resgatou esses falsos mestres, isso não pode ser uma referência à expiação. Por quê? Porque a expiação foi feita por Jesus, não pelo Pai. Assim, aqui está outra razão pela qual é provável que o resgate mencionado aqui não seja uma referência à morte de Cristo.

Terceiro, é ambíguo se Pedro está falando da realidade de um resgate, ou sobre a aparência de um resgate – isto é, a aparência e profissão exterior deles. Em outras palavras, o versículo pode significar “negando o Senhor que [dizem eles] os resgatou [mas na verdade não o fez]”, ou pode ter a intenção de confirmar que esses falsos mestres viriam de dentro da igreja visível. Falar deles como “resgatados”, então, não significaria que Cristo morreu para salválos, mas que eles ocupavam uma posição que supostamente deve se ocupada somente por aqueles que foram resgatados.

Assim, temos visto que há três ambigüidades grandes em 2 Pedro 2:1. Primeiro, não está claro se o resgate desses falsos mestres é uma referência à morte de Cristo ou não. Segundo, não está claro se aquele que os “resgatou” é mesmo Cristo, ou apenas o Pai. Terceiro, não está claro se Pedro está falando segundo a realidade ou aparência.

Por causa dessas ambigüidades imensas em 2 Pedro 2:1, esse não é um texto sólido contra a expiação limitada. Há muitas coisas que o versículo poderia significar legitimamente, e não seria sábio usá-lo como um argumento contra a verdade da expiação limitada.

Equipe Desiring God

6 comentários:

  1. Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os [santos, verdadeiramente salvos] resgatou [não os falsos profetas, falsos mestres], trazendo [os falsos profetas, falsos mestres] sobre si mesmos repentina destruição. 2Pe 2:1

    ResponderExcluir
  2. Clóvis, paz!

    Eu tentei - pois não resisit - "dar uma resposta" a esse seu texto... acho que foi fácil exatamente por causa da objetividade - sem ambiguidade - do texto...

    Está em www.blogdokimos.com

    Abraços meu irmão!

    ResponderExcluir
  3. Zwinglio,

    Pois é, a graça é irresistível :-)

    Na verdade o texto não é meu, é do John Piper (quem me dera escrever - e pregar! - como ele).

    Mas vou ler sua resposta, a qual já imagino ser muito bem feita, a julgar por outros textos seus que li.

    Em Cristo,

    Clóvis

    ResponderExcluir
  4. Na real, será que ninguém sacou que a teoria por trás da 'expiação eficaz' caiu feio no posto de John Owen? Aliás, pior que isso: se a expiação é eficaz, é suficiente - logo, foi expiado, é salvo. Nada de evangelho, nada de graça, nada de eleição - você já foi expiado, mané! Curta sua vida! Extrapole, mate, roube, destrua, você não vai mudar nada!

    Aliás, esta de adicionar ambiguidades me parece desespero, e faz de Deus um Sérgio Mallandro divino (por decretar que gente que Ele nunca amou viva, só pra aumentar sua condenação).

    Nunca pensei que o L da TULIP poderia ser usado contra TODO o cristianismo de uma vez só!

    ResponderExcluir
  5. Ressuscitando o tópico!
    Esse texto nada tem a ver com expiação limitada! Nele é falado sobre o surgimento de homens que transtornaram a vida da igreja, pregando heresias, mentiras aos homens e mulheres “eleitas por Deus”.

    Analisando a parte final do versículo;
    até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. 2Pe 2:1
    Quem renega aqui, não são os ouvintes e sim os hereges, já a parte grifada, refere-se aos irmãos que estão sendo advertidos contras esses falsos mestres.
    Pedro estava escrevendo a carta para um público e não para os falsos profetas, na explanação dele, fica evidente que ele estava alertando o público, “agente passivo”, sobre os falsos profetas, “agentes ativos”.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Welington,

      Obrigado pela "ressurreição" e pelas pertinentes considerações.

      Em Cristo,

      Excluir

"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

Sua leitura deste post muito me honrou. Fique à vontade para expressar suas críticas, sugestões, complemetos ou correções. A única exigência é que seja mantido o clima de respeito e cordialidade que caracteriza este blog.