Comece esvaziando-se a si mesmo

Joshua Choonmin Kang*

Muitos dentre nós anseiam por transformação, mas no fundo temem essa mudança. No entanto, o crescimento espiritual começa quando esvaziamos nossa vida, pois esse é um processo que não começa com a plenitude, mas sim com o vazio. Nisso seguimos o exemplo de Jesus que “esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo e fazendo-se semelhante aos homens” (Fp 2.7).

Até mesmo Jesus teve que dar espaço para que Deus agisse em sua vida. Embora tivesse uma posição privilegiada, ele abriu mão dela. A mesma coisa acontece conosco. Temos que nos esvaziar de tudo. Só então conseguiremos começar a receber as bênçãos de Deus.

Mas, afinal, o que significa esvaziar a si mesmo? Como entrar em sintonia com essa necessidade de nos entregar a esse processo? Para ter uma idéia do que está envolvido nesse processo, vamos olhar para o exemplo de Abraão. Seu primeiro passo foi deixar sua casa e sua parentela em resposta ao chamado de Deus. Mas isso não envolveu apenas uma mudança de lugar. Ele teve que abandonar tudo o que havia conhecido até então: seu porto seguro, sua zona de conforto.

Deus também espera isso de nós. Ele espera que quebremos todas as pontes que nos ligam à nossa vida anterior, que possamos ingressar na nova vida que preparou para nós. Porém, deixar para trás nossa zona de conforto pode ser uma experiência aterrorizante. Ao deixar para trás o mundo que conhecemos, experimentaremos dor, sofrimento e medo. Muitos, que como eu já passaram pela experiência de deixar o seu país de origem para viver em outro lugar, sabem bem do que eu estou falando. Suas histórias se somam a tantas outras narrativas em que transparece a dor de se deixar para trás a terra em que nascemos e vivemos. Que jornada indescritível! No entanto, não se trata apenas de uma mudança geográfica. Envolve muito mais do que um mero deslocamento no tempo e no espaço.

Partir não é apenas mudar de um lugar para outro. A atitude de deixar para trás, de abrir mão de tudo aquilo que até então se conhecia é algo que se passa num nível espiritual. É nesse nível que acontece a parte mais profunda da jornada. Essa jornada, na verdade, é uma transição de vida que envolve certos tipos de abandono: abrir mão de velhos hábitos e substituí-los por novos; esvaziar a si mesmo como uma espécie de preparação para receber toda a graça que Deus derramará sobre você.

Ao olhar para o exemplo de Abraão, para a forma como ele confiou em Deus, nos sentimos encorajados para enfrentar essa jornada. Deus ordenou a ele que oferecesse seu filho Isaque em sacrifício. Isaque, a tão sonhada promessa de Deus que se cumprira na vida de Abraão, de repente acabou se transformando na sua própria vida, na maior paixão do patriarca. A impressão que se tem é que o amor que ele sentia pelo filho tomou conta de todo seu coração, tomando o lugar de seu amor a Deus. Vista dessa perspectiva, a ordem de Deus para que ele sacrificasse o menino era, de fato, um chamado para que Abraão voltasse seu coração novamente para Deus.

Assim, Abraão teve que esvaziar seu coração, por ele estar repleto de um sentimento que não estava voltado para Deus. Ao fazê-lo, Abraão abriu espaço para as abundantes bênçãos do Senhor. E foi por meio dessa entrega total e absoluta que ele se tornou amigo de Deus.

A história de Abraão é a primeira que encontramos na Bíblia, mas certamente não é a última. Ele sentiu na pele o que Deus Pai sentiria quando permitiu que seu próprio filho morresse na cruz. O coração do Pai também estava repleto de amor por seu Filho, mas por causa de nós, para salvar a humanidade, Deus o esvaziou desse amor. Foi dessa mesma forma que grandes líderes se tornaram servos de Deus. Eles esvaziaram a si mesmos, abandonaram-se completamente, enchendo seu coração com nada mais do que Deus. E ao partirem deste mundo, deixaram aqui registradas suas pegadas para as futuras gerações. Lembram-se da história de Moisés, que abriu mão do direito de ser filho da filha do faraó? O que aconteceu a ele? Tornou-se um profeta de Deus. Lembrem-se dos apóstolos, que seguiram a Jesus: “Vinde a mim, e eu vos farei pescadores de homens” (Mt 4.19). Diante desse chamado, o que eles fizeram? Deixaram para trás os seus barcos e o modo como haviam vivido até então. E o que ganharam com isso? Eles ganharam o reino do céu.

Nós também devemos abrir mão de tudo. Devemos abrir mão das coisas terrenas em favor das bênçãos eternas. A esse respeito disse bem o missionário Jim Elliot: “Sábias são as pessoas que trocam aquilo que não pode ser mantido por aquilo que não pode ser perdido.”

Será que nossas mãos não estão presas àquilo que já temos de sobra? Será que nunca receberemos as grandes coisas que Deus tem preparadas para nós? Para alcançar as bênçãos que Deus coloca todos os dias em nosso caminho, precisamos apenas abrir as mãos e estender os braços.

KANG, Joshua Choonmin. O caminho da transformação. São Paulo: Editora Vida Nova.

2 comentários:

  1. Texto muito pertinente a um tempo onde muito enchimento de si mesmo e pouco esvasiamento. Obrigado pela inclusão do meu blog nos seus links, estarei fazendo o mesmo com o seu.

    Graça e Paz.

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  2. Juber,

    O nosso inchaço impede de sermos cheios do Espírito Santo.

    Em Cristo,

    Clóvis

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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