O desafio do narcisismo

Chegamos agora à quarta tendência, que é o desafio do narcisismo. Narciso, na mitologia grega, foi um jovem que viu seu reflexo em um lago, apaixonou-se por sua própria imagem, caiu dentro d’água e se afogou. Assim, “narcisismo” é um amor excessivo, uma admiração desmedida por si mesmo.

Nos anos 70, o narcisismo se expressou por meio do Movimento Potencial Humano, que enfatizava a necessidade da autorrealização. Nos anos 80 e 90, o Movimento da Nova Era imitou o Movimento Potencial Humano. Shirley MacLaine pode ser considerada símbolo do movimento, pois era cega de paixão por si mesma. De acordo com ela, a boa notícia é essa:

Sei que existo; portanto, eu sou.
Sei que a força divina existe; portanto, ela é.
Já que sou parte dessa força, sou o que sou.

Parece uma paródia deliberada da revelação que Deus faz de si mesmo a Moisés: “Eu sou o que sou” (Êx 3.14). Assim, o Movimento da Nova Era nos convida a olhar para dentro de nós mesmos e nos explorar, pois a solução para os nossos problemas está em nosso interior. Não precisamos que um salvador surja em algum lugar e venha até nós; podemos ser o nosso próprio salvador.

Infelizmente, uma parte desse ensinamento tem permeado a igreja e há cristãos recomendando que devemos não somente amar a Deus e ao próximo, mas também a nós mesmos. No entanto, isso é um erro por três razões. Em primeiro lugar, Jesus falou do “primeiro e grande mandamento” e do “segundo”, mas não mencionou um terceiro. Em segundo lugar, amor próprio é um dos sinais dos últimos tempos (2Tm 3.2). Em terceiro lugar, o significado do amor ágape é o sacrifício próprio em benefício de outros. Sacrificar-se a serviço de si mesmo é, nitidamente, um contrassenso. Então, qual deve ser a atitude para conosco? Um misto de autoafirmação e autonegação — afirmar tudo em nós que vem da nossa criação e redenção, e negar tudo que pode ser ligado à queda.

É aliviador se livrar de uma preocupação doentia consigo mesmo e voltar-se para os saudáveis mandamentos de Deus (incorporados e reforçados por Jesus): amar a Deus de todo o coração e ao nosso próximo como a nós mesmos. Pois a intenção de Deus para a sua igreja é que ela seja uma comunidade de amor, de adoração e de serviço. Todos sabem que o amor é a maior virtude do mundo, e os cristãos sabem o motivo: é porque Deus é amor.

O cortesão espanhol do século 13, Raimundo Lúlio (missionário entre os muçulmanos no Norte da África), escreveu que “aquele que não ama, não vive”. Pois viver é amar, e sem amor a personalidade humana se desintegra. É por isso que todos procuram autênticos relacionamentos de amor.

John Stott

6 comentários:

  1. Clóvis, sobre o parágrafo acima desse último, está dizendo: "Todos sabem que o amor é a maior virtude DO MUNDO", não seria certo o autor falar que "o amor é uma virtude DE DEUS no mundo"?
    Eu também queria entender melhor sobre o que significa adorar o Senhor em espírito e em verdade.
    Abraços!!!

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  2. Ana,

    O caso em "do mundo" não significa "originado" ou "próprio" do mundo, mas que dentre todas as coisas existentes no mundo, o amor é a maior delas.

    O autor está falando do reconhecimento por parte da pessoas. "Todos sabem" que o amor é a maior virtude, mas nem todos reconhecem que é uma "virtude de Deus no mundo", apenas os cristãos.

    Em síntese: embora todos reconheçam a virtude do amor, apenas os cristãos o atribuem à Deus.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  3. Olá Clóvis
    A Ana fez uma boa pergunta e, mesmo sabendo que a pergunta foi endereçada a você, gostaria de tomar a liberdade de expor o que entendo de Jo 4:24. Até mesmo porque gostaria de saber se concordarias comigo. Vejo que és um bom exegeta e certamente contribuirás para o meu progresso, seja concordando ou discordando.

    Em minha opinião, João seguia um roteiro para escrever o Evangelho. Todo escritor precisa de um roteiro para amarrar os argumentos de forma a levar o leitor a concluir alguma coisa com a leitura. No caso de João era provar primeiramente a natureza humana/divina de Jesus e sua obra redentora e secundariamente mostrar como as pessoas eram afetadas por essa obra salvadora. João sempre foca causa e efeito, salvação e regeneração.

    Para fazer com que os leitores possam enxergar essa realidade ele seleciona e desencadeia as histórias na sequência que favoreça esse raciocínio. Tanto é que ele é muito diferente dos sinóticos. Pois bem, ele coloca a história da mulher samaritana logo após a história de Nicodemos e aqui está o "segredo" de como amarro uma coisa na outra. Deus procurar adoradores que adorem em espírito e em verdade. Quem são esses adoradores? Aqueles que nasceram do espírito. Porque quem nasce da carne é carne, mas quem nasce do espírito é espírito, adora em espírito.

    Trocando em miúdos: Jo 4:24 é entendido à luz do que já havia sido explicado em Jo 3:6 se considerarmos que João seguiu um roteiro amarrando ideias para levar a uma conclusão.

    Faz sentido ou voei longe?
    Ajuda aí Clóvis!

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  4. André,

    Reconheço que os autores bíblicos escreviam com um propósito em mente, no caso de João é "para que creais", e que geralmente escreviam metodicamente, para alcançar esse propósito. Digo geralmente porque em alguns casos, algumas epístolas especificamente, parecem ter sido escrito de folego, no calor de um acontecimento. Mas enfim.

    Embora admitindo que João tem uma estrutura lógica que pretende provar o seu ponto, estabelecido já no primeiro capítulo, não havia me ocorrido associar os eventos de Nicodemos com os da Samaritana. Confesso que preciso ler e pensar nisso. De qualquer modo, não acho que tenha voado longe, ou como diz minha sobrinha, viajado na batatinha e tendo a considerar sua hipótese como válida.

    Em Cristo,

    Clóvis

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  5. Certamente! Suas considerações são sempre válidas, muito equilibrado... sempre pensa antes de fazer afirmações; diferente de muita gente...

    Não estou desconsiderando o fato de João ter informado o seu propósito em escrever seu evangelho, isso é claro! Mas refiro-me a como ele faria com que as pessoas acreditassem que Jesus era o Cristo, senão pelas evidências de sua natureza divina, tanto é que ele não começa o evangelho como os outros falando do nascimento de Jesus, mas de sua pré existências com o eterno verbo que se fez carne.

    Observo também que João era muito preocupado em combater o docetismo e agnosticismo muito vivo no final de sua vida. Entre os evangelhos o de João é o que mais faz afirmações sobre a natureza humana/divina de Jesus, além de insistir em deixar claro que um encontro com Ele podia ser evidenciado pela transformação sofrida. João parece estar mais focado nas pessoas e suas reações/pensamentos/falas do que os outros evangelhos mais focados nas ações.

    Enfim, é apenas um palpite de algo que me ocorreu há um tempo quando li o evangelho de joão umas 5 vezes seguidas. Tenho procurado ignorar a divisão de capítulos e versículos na leitura para não deixar ser influenciado por eles e acabar achando que um assunto acabou e outro começou por força do autor, o que não é verdade. Dessa forma, acabei associando as duas narrativas que compartilham o mesmo ensinamento: a natureza espiritual de quem nasceu de novo.

    Se realmente desejar apreciar essa leitura, receberei com toda alegria suas críticas, lembrando-me do que disse Agostinho: "Todo aquele que ler estas explanações, quando tiver certeza do que afirmo, caminhe lado a lado comigo; quando duvidar como eu, investigue comigo; quando reconhecer que foi seu o erro, venha ter comigo; se o erro for meu, chame minha atenção. Assim haveremos de palmilhar juntos o caminho da caridade em direção àquele de quem está dito: Buscai sempre a Sua face".

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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